Por GUILHERME FIUZA (Época)
Dilma
Rousseff chorou ao instalar a Comissão da Verdade. Entre os
companheiros que se emocionaram com ela estava José Sarney, presidente
do Senado. Citando Galileu Galilei, a presidente disse que “a verdade é
filha do tempo, não da autoridade”. Sarney servia ao regime que Dilma
quer investigar, mas isso não tem a menor importância. Ambos são sócios
numa verdade que não é filha do tempo, nem da autoridade. A verdade de
Dilma e Sarney é filha da mãe de todos os posseiros do Estado
brasileiro.
É uma verdade tão generosa
que pode admitir até censura. Não a dos anos de chumbo, que está fora
de moda. Censura moderna, cirúrgica. A investigação da família Sarney
por tráfico de influência vinha sendo exposta por O Estado de S. Paulo.
Com apoio irrestrito de Lula e Dilma, Sarney ficou firme no cargo, e seu
filho conseguiu submeter o jornal à censura prévia, que já completará
três anos. Em nome da verdade.
Galileu entendia dos astros, mas não sabia nada de fisiologismo. Se soubesse, descobriria que a verdade é uma ação entre amigos.
Amordaçar
a imprensa foi uma forma eficaz de proteger a ditadura, especialmente
quando ela torturava. Dilma Rousseff deve saber disso. Portanto, censura
nunca mais – a não ser para defender alguém como Sarney, que, como
disse Lula, “não é uma pessoa qualquer”. E não é mesmo. Acima do José
Ninguém que apoia o governo popular com sua crença, seu voto e outras
miudezas, Sarney é um companheiro diferenciado: põe seus lotes privados
na máquina pública a serviço de Dilma, se ela mantiver seu alvará de
sucção. Uma troca verdadeira.
Uma
amizade dessas vale gestos extremos. Segundo a ex-secretária da Receita
Federal Lina Vieira, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma
Rousseff, chamou-a ao Palácio do Planalto para lhe dar ordens. A Casa
Civil não manda na Receita, mas Dilma mandou Lina resolver pendências
fiscais da família Sarney. Solidariedade é isso (só quem lutou contra a
tirania da ditadura sabe). Dilma não aceitou uma acareação com Lina. Uma
virou presidente, a outra sumiu. Se a verdade fosse filha do tempo, a
esta altura já estaria num orfanato.
A
presidente que quer passar a ditadura a limpo de mãos dadas com Sarney
poderia, talvez, pedir uma hora extra à Comissão da Verdade para dar uma
olhada no caso Agaciel. O Brasil inteiro ouviu (já esqueceu, mas ouviu)
os telefonemas entre o então diretor e o presidente do Senado
combinando nomeações secretas de parentes e amigos. Onde foi parar essa
verdade? Ou ela é filha da autoridade, e foi retocada, ou Sarney não tem
condições morais de presidir o Senado – enquanto não for devidamente
investigado. Mas esses detalhes não incomodam Dilma Rousseff em sua
cruzada humanista. A presidente dos famintos nem se importa que a filha
de Sarney compre 68 toneladas anuais de comida (só para ela e seu vice) à
custa do contribuinte, como ÉPOCA mostrou. A verdade varia conforme a
fome do dono.
O Brasil precisa acertar
contas com seu passado, buscando justiça para os desaparecidos. Mas
engole junto a propaganda política dos aparecidos. Ao lado de Dilma, no
altar do bem contra o mal, estão heróis como Fernando Pimentel,
ex-guerrilheiro, atual ministro vegetativo do Desenvolvimento. A
resistência aos militares forjou nele valores sólidos, como ser amigo da
presidente e faturar alto com consultorias invisíveis. Somando o
passado e o presente de Pimentel, a única verdade insofismável é que ele
não perde o cargo de jeito nenhum – nem depois de voar de favor em
avião de empresário. Rodoviária nunca mais.
A
luta continua, como prova Ideli Salvatti, ex-militante de direitos
humanos na ditadura. No Ministério da Pesca, ela operou o milagre da
multiplicação das lanchas – cujo fabricante, por coincidência, bancou
sua campanha eleitoral. Na posse, Ideli cantou Ivan Lins para celebrar o
triunfo da esquerda: “No novo tempo, apesar dos perigos; da força mais
bruta, da noite que assusta, estamos na luta; pra sobreviver, pra
sobreviver”. Ideli sobreviveu graças à Comissão de Ética da Presidência –
devidamente enquadrada por Dilma depois de dinamitar o companheiro Lupi
–, que arquivou o caso das lanchas.
Nada como desenterrar as verdades certas e enterrar as erradas. Pra frente, Brasil!
Nenhum comentário:
Postar um comentário