quinta-feira, 28 de abril de 2016

A luta contra as drogas baseada no trabalho, na convivência e na espiritualidade


 

Jéssica Barros/ Agência Assembleia

 
A luta contra as drogas baseada no trabalho, na convivência e na espiritualidade
Com o terço nas mãos, Wellington reza | JR Lisboa/ Agência Assembleia
“Depois do crack, tudo piorou. Eu afundei de vez. O crack foi o começo do fim. Quando passei pro crack veio a dor e a solidão." É comum o relato de que o crack – uma droga de efeito rápido e intenso que vem da mistura da pasta-base de cocaína refinada com bicarbonato de sódio e água – aprisiona, destrói famílias e acaba com vidas.
Foi assim para o jovem Arlan da Rocha Nascimento, 26, que conheceu o mundo das drogas ainda criança, quando tinha apenas 12 anos, época em que bebeu, cheirou cola, solvente e usou maconha. O crack, para ele, veio no inicio da adolescência, aos 16. “Só não cheguei a matar, mas eu roubei comércios, pessoas na rua e a minha própria casa. Cheguei a vender uma televisão dessas de plasma por 100 reais. Vendi também todas as minhas roupas e só fiquei com a do corpo”, contou.
Dez dias preso em uma delegacia seguida de uma forte crise de úlcera fizeram com que Arlan pensasse em largar o vício pela primeira vez, mas não passou de um pensamento. Logo que se recuperou, ainda no quarto da UTI, desligou os equipamentos e furtou da enfermeira um celular e 600 reais. Não sentia culpa ou remorso de roubar alguém que estava te ajudando? “Eu só sabia usar a inocência das pessoas pra manipular e conseguir o dinheiro pra comprar a droga, independente se eu magoaria ou faria sofrer. Não pensava nessas coisas”, confessou.
Aí, Arlan nem pra casa voltou. Passou a morar nas ruas. E foram quase três anos nessa vida. Ele até tentou recuperação em uma fundação no estado do Piauí, porém, não conseguiu, voltou pras ruas e a recaída foi pior. “Voltei a ficar fraco de mente e de espírito. Eu sobrevivia comendo lixo e roubando”, disse.
A história de Wellington da Silva, 33, é um pouco parecida. Por curiosidade, usou a primeira droga ainda criança, aos 13. Começou com a maconha. Wellington não só usava, também traficava. Chegou a ser preso quando vingou a morte do irmão, assassinado durante um latrocínio. “Fiquei sete anos em Pedrinhas, porque matei o assassino do meu irmão”, contou.
O crack chegou até Wellington quando a sua avó morreu. “Ela era tudo pra mim. Me refugiei na droga. Foi nesse tempo que eu passei a conviver com a dor e a solidão. Fui morar na rua onde cheguei a disputar um resto de cachorro-quente com um cachorro vira-lata”, desabafou. Foi o mais fundo que ele chegou até que tomasse a atitude de procurar ajuda.
Não são só as histórias de Arlan e Wellington que são parecidas. Eles têm algo a mais em comum. O terço sempre na mão simboliza a fé em Deus de que sairão da Fazenda da Esperança como novos homens. Limpos e prontos pra recomeçar.
Desde julho deste ano, na fazenda, Arlan segue firme até hoje na vontade de vencer o mal das drogas. Carrega consigo a fé de que será um homem recuperado. “Aqui eu voltei a viver”, disse.
Também cheio de fé e esperança, Wellington firmemente sabe dizer a data e até a hora que passou pelo portão . “Foi às 11h45 do dia 24 de julho de 2015 que a minha vida começou a mudar. Nas ruas, eu sobrevivia a cada dia. Aqui eu voltei a viver e quando sair quero continuar vivendo”, afirmou.
O TRIPÉ
foto: JR Lisboa/ Agência Assembleia
Acolhidos em frente a capela
Acolhidos em frente a capela
Fundada há 2 anos pelo frei Hans, a Fazenda da Esperança Nossa Senhora Graças, que fica a 18km do município de Caxias, tem como objetivo recuperar dependentes químicos. Tudo sem medicamentos e nada forçado. Apenas com um modo de viver baseado no tripé: convivência em família, trabalho como processo pedagógico e espiritualidade para encontrar um sentido de vida.
Pra que isso dê certo, existe uma rotina a ser seguida. Isolados naqueles 42 hectares de extensão, que comporta quatro casas, uma capela, uma padaria, um refeitório e uma linda e gigantesca área verde, 28 acolhidos dividem as suas tarefas que começas às 6h30 com a celebração da missa ou com um terço.
Às 7h da manhã seguem para o café da manhã preparado por eles mesmo, dependendo de quem está escalado para aquela função na semana. Na de agora, por exemplo, Wellington que estava no comando. E é as 8h que eles saem para os seus serviços – e não precisa sair da fazendo pra isso. Enquanto um cozinha, o outro cuida do jardim. Outro da estufa onde fica a horta. Outro dos porcos e das galinhas. Tem a cerca que está sendo construída pra criação de gados. Nessa parte, também tem um responsável.
Assim como em qualquer local de trabalho, eles têm também um intervalo para o descanso, que é as 9h30. As 10h já retornam para suas atividades rotineiras. 12h é o almoço. 2h retornam ao trabalho e vão até às 5h, que é o horário de lazer. O dia finaliza com mais oração.
É com esse modo de vida que os acolhidos vão ocupando suas mentes durante todo o dia, com simplicidade e na fé de que sairão de lá pessoas renovadas.
DE USUÁRIO A MISSIONÁRIO
foto: JR Lisboa/ Agência Assembleia
Missionário Rivaldo Brito, o "padrinho", em oração com os acolhidos
Missionário Rivaldo Brito, o "padrinho", em oração com os acolhidos
Todo esse roteiro é seguido diariamente de forma disciplinada sob o comando do “padrinho”, o missionário Rivaldo Brito. Hoje ele é o coordenador-geral da Casa. Está nessa função porque também já foi usuário há 10 anos quando trabalhou como sargento no exército. Usou o crack durante três anos e, desde que decidiu mudar de vida e conseguiu se recuperar, roda pelo Brasil com a missão de ajudar quem quer se libertar do mundo das drogas. "Larguei tudo e não me arrependo", garante.
Desde janeiro deste ano está na Fazenda da Esperança de Caxias, onde além de monitorar as atividades, Rivaldo é quem faz as celebrações e orações para os acolhidos. “Me sinto com a missão cumprida. Sou feliz e realizado. Se eu tiver mil vidas, nas mil eu quero ser um missionário”, afirmou.
O PODER DA FÉ
foto: JR Lisboa/ Agência Assembleia
Dom Vilson explica como a igreja atua no combate as drogas em Caxias. "Na cura e na prevenção"
Dom Vilson explica como a igreja atua no combate as drogas em Caxias. "Na cura e na prevenção"
O bispo de Caxias, dom Vilson Bass, que sempre visita a fazenda e se comprometeu a fazer o acompanhamento espiritual dos acolhidos, acredita fielmente que a recuperação é graças a Deus e garante que a fé é o diferencial. “É coisa de Deus! Eles não usam medicamento algum. O trabalho é feito todo em cima da fé. Eu tenho plena certeza de que se a recuperação não for com Deus, não funciona”, garante.
Dom Vilson fez questão de ressaltar também que além do trabalho curativo na fazenda, a igreja investe na prevenção das drogas nas comunidades do município de Caxias. “O que queremos não é apenas curar, é tentar fazer com que esses jovens e crianças nem comecem, nem cheguem a sentir vontade de usar drogas. Precisam saber que é possível ser feliz sem bebidas, sem prostituição e sem drogas. O melhor caminho é a prevenção”, explicou.
Com tantas histórias encaminhadas para que tudo dê certo, frutos de um trabalho disciplinado, de amor e de fé, a Fazenda da Esperança Nossa Senhora das Graças, hoje, é referência no Maranhão e em todo o país. As portas da frente nunca se fecham.  É livre para quem quer entrar e ficar, assim como para quem desiste e vai embora. "Não é só um jovem que é recuperado, mas toda a sua família, porque a família sofre junto, vive todos aqueles momentos ruins, então, quando o dependente se liberta, a família se liberta junto", assegurou o bispo.
Para fazer parte do grupo de acolhidos, o interessado deve fazer uma carta contando um pouco da sua história e explicando por que quer mudar de vida. A carta deve ser endereçada diretamente para a fazenda, no endereço: Povoado Cruz 2º distrito, Rua Manoel Gonçalves, 558, Caxias, Maranhão,  CEP: 65.600-110 ou para os e-mail: caxias.m@fazenda.org.br . Uma carta–reposta será enviada de volta pela Fazenda da Esperança com as instruções e boas-vindas, caso tenha sido aceito. Atualmente, é só para homens.
A fazenda também disponibiliza contas para doação: Caixa Econômica (ag: 0028 op: 003 cc: 2013-0) e Banco do Brasil (ag: 0124-4 cc:47.406-3).


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