sexta-feira, 3 de maio de 2019

Como Flávio Dino se contrapõe a Bolsonaro

 

O governo do Maranhão tem divulgado desde sexta-feira (26), em suas redes sociais, uma peça publicitária de combate ao turismo sexual. A campanha, que traz a frase “O Maranhão está à disposição dos turistas. A mulher maranhense, não” é uma resposta do governador Flávio Dino (PCdoB) a uma declaração do presidente Jair Bolsonaro.
Na quinta-feira (25), durante um café da manhã com jornalistas, em Brasília, Bolsonaro afirmou, segundo relato dos presentes, que o Brasil “não pode ser um país do turismo gay”, porque, segundo ele, “temos famílias”. “Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade”, completou.
A campanha iniciada no Maranhão transformou-se nos dias seguintes em corrente adotada oficialmente pelos governos de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Bahia. Nas eleições de outubro de 2018, Bolsonaro perdeu para Fernando Haddad (PT) em todo o Nordeste.
Por receberem repasses federais, governadores costumam evitar confrontos diretos com a Presidência da República. O governador da Bahia, Rui Costa (PT), afirmou assim que tomou posse que não mediria esforços para colaborar com Bolsonaro. Flávio Dino, em sentido oposto, tem sido direto no confronto. Isso aconteceu, por exemplo, na terça-feira (30), com a notícia de que o Ministério da Educação havia contingenciado R$ 230 milhões de universidades federais.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro Abraham Weintraub afirmou que cortaria recursos de instituições que promoverem a “balbúrdia”. No mesmo dia, o governador disse no Twitter que “usar critérios ideológicos, e não técnicos, para cortar recursos de universidades fere a regra constitucional da autonomia universitária (art. 207 da Constituição)”. “Ou haverá novo recuo, ou nova derrota no Judiciário. Lamentável tanta confusão”, escreveu.
Em março, Dino se reuniu em Brasília com Fernando Haddad e Guilherme Boulos (PSOL), que concorreram à Presidência, e com Ricardo Coutinho (PSB), ex-governador da Paraíba, para discutir formas de fazer oposição ao governo.
Quem é Flávio Dino 
No comando do estado mais pobre do país desde 2015, Dino foi o primeiro político do PCdoB a se tornar governador. Naquele ano, o Nexo publicou um perfil dele.
Eleito pela primeira vez com 63,52% dos votos, e reeleito em 2018 com 59,29%, o ex-juiz federal e professor de direito conseguiu afastar do poder local a família Sarney, cuja influência no Maranhão perdurava desde os anos 1960.
Prometia realizar mudanças profundas no estado, onde mais da metade (52,4%) da população vive em situação de pobreza, segundo dados de 2016 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Embora comunista, defendia fazer “uma revolução democrática burguesa com 300 anos de defasagem” no Maranhão. Segundo ele, o estado tinha “medo do capitalismo” e “da concorrência, do livre mercado”.
Também pregava o “fim do privilégio de castas ou de estamentos que eles [os Sarney] ostentavam”. Seu governo tem sido marcado por esforços em melhorar a educação. Em março, ele aumentou o salário inicial dos professores com jornada de 40 horas semanais para R$ 5.750, bem acima do de São Paulo, por exemplo (que é de R$ 2.585).
O ‘Escola Sem Censura’ 
No mês seguinte à eleição de Bolsonaro, o governador do Maranhão editou um decreto na tentativa de se antecipar ao Escola Sem Partido, defendido pelo presidente. “Todos os professores, estudantes e funcionários são livres para expressar seu pensamento e suas opiniões no ambiente escolar da rede estadual do Maranhão”, diz o texto.
O movimento de direita prega o combate a uma suposta “doutrinação marxista” nas escolas. Como estratégia, o grupo tem filmado e exposto professores que fazem comentários políticos em sala de aula. No domingo (28), o próprio Bolsonaro publicou em seu Twitter o vídeo de uma estudante contestando uma professora que chama o escritor Olavo de Carvalho, ideólogo do bolsonarismo, de “anta”.
O decreto de Dino determina que professores, estudantes e funcionários somente poderão gravar vídeos ou áudios durante as atividades escolares “mediante consentimento de quem será filmado ou gravado”. A prática, sem autorização, pode violar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, segundo a legislação brasileira, sendo, portanto, proibida no país.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, em janeiro, Dino afirmou que o decreto era “simplesmente o cumprimento da Constituição, que prevê a liberdade de cátedra”. “O Escola Sem Partido é o nome fantasia para escola com censura, escola que quer constranger professores e estudantes a se enquadrarem em um manual ditado de cima para baixo. É retroceder 300 anos e voltar para o período pré-iluminista”, disse.
A defesa do Carnaval 
Em março, Bolsonaro publicou um vídeo de uma pessoa urinando na cabeça de outra durante o Carnaval. O presidente justificou a publicação dizendo que precisava “expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades”. “É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro”, escreveu.
A publicação foi criticada e ganhou repercussão internacional. Dias depois, o presidente decidiu apagar o tuíte. O governador do Maranhão comentou o episódio, também publicando um vídeo sobre a festa popular em seu estado.
“Enquanto pessoas sem noção do cargo que ocupam se dedicam a difamar a maior festa popular do Brasil, faço questão de mostrar o que buscamos com o Carnaval do Maranhão. Beleza e preocupação com a justiça social”, escreveu. No vídeo que acompanhou sua declaração, apareciam duas cadeirantes participando de uma festa de rua.
Os cursos de filosofia e sociologia 
Bolsonaro declarou na sexta-feira (26) que seu governo irá reduzir gastos com cursos de filosofia e sociologia. A medida tem como objetivo, segundo ele, reforçar “áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como veterinária, engenharia e medicina”. Bolsonaro repetiu discurso feito no mesmo dia pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, que é seguidor do escritor Olavo de Carvalho, durante uma transmissão ao vivo pelo Facebook.
Para Carvalho, crítico dos movimentos de esquerda, as universidades brasileiras são dominadas pelo marxismo cultural. A iniciativa visaria, portanto, enfraquecer esses grupos.
Em resposta, Flávio Dino afirmou no mesmo dia que manterá “o respeito aos cursos de filosofia e sociologia” no estado. “Sem ideias e pensamento crítico nenhuma sociedade se desenvolve de verdade. E não haverá o bem viver que tanto buscamos como direito de todos”, escreveu.
No sábado (27), o governador republicou uma campanha da UNE (União Nacional dos Estudantes) em defesa dos cursos de humanas. “Chega de retrocessos. O Brasil tem que se unir e avançar”, afirmou.
No dia seguinte, retuitou uma publicação que divulgava cem livros de filosofia para serem baixados pela internet de forma gratuita. Em outra publicação, exaltou Paulo Freire, considerado o patrono da educação brasileira devido ao seu método de alfabetização. O educador é combatido por sua pedagogia crítica pelos bolsonaristas e adeptos do Escola Sem Partido.
Um contraponto parcial 
Houve, porém, uma ação de Bolsonaro em que Dino se contrapôs apenas parcialmente. Durante visita aos Estados Unidos, em março, o presidente assinou um acordo com o país que prevê que empresas que usam tecnologia americana possam lançar seus satélites e foguetes ao espaço a partir de Alcântara, no Maranhão. A parceria é sensível, pois levanta a discussão sobre se o país estaria abrindo mão da sua soberania nacional ao fazer concessões dentro de seu território. Sobre o assunto, o Nexo publicou um texto em março.
Dino não se opôs à exploração da base, o que o tornou alvo de críticas de parte da esquerda. Mesmo assim, se contrapôs ao presidente ao criticar detalhes do tratado. Disse, por exemplo, ser “normal que haja Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, em razão da proteção jurídica à propriedade intelectual”. “Contudo, o acordo não pode ser abusivo e conter cláusulas que violem a soberania nacional”, afirmou.
O governador afirmou ser contrário à ampliação da área da base e à remoção de pessoas do entorno, já que a implantação da estrutura no local, há 30 anos, envolveu a retirada de famílias quilombolas da região. Para ele, a exploração comercial “não pode ser monopólio de um país” e deveria estar “à disposição de todos os países que queiram usar e tenham condições para tanto”.
“Alcântara já suportou muitos ônus com o projeto. É hora dos bônus, ou seja, caso se consume a exploração comercial é essencial que haja contrapartidas sociais em favor da cidade e da região”, disse.
 Fonte: Nexo


 

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