Pedro do Coutto
Nas edições de O Globo e da Folha de São Paulo deste domingo, em sua coluna, Merval Pereira indaga quais razões levaram o Supremo Tribunal Federal a anular as sentenças contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No O Globo e na Folha de São Paulo, Elio Gaspari pede atenção para o precedente que teria sido aberto pelo STF, considerando parcial a sentença de Sergio Moro contra Lula.
Faço observações para dois grandes jornalistas que tanto admiro.
Em relação a Merval Pereira, a minha opinião é que a decisão do STF, confirmando a liminar do ministro Edson Fachin, tem como objetivo claro reabilitar o ex-presidente na estrada das urnas que levam a 2022.
MANIFESTAÇÕES – O Supremo foi alvo de manifestações públicas na Esplanada dos Ministérios praticadas por bolsonaristas, inclusive com a presença do próprio presidente da República Jair Bolsonaro, pedindo o fechamento do STF e do Congresso Nacional. Tal manifestação foi em frente ao Quartel General do Exército em Brasília, conhecido como Forte Apache.
No domingo, dia 11, novamente apoiadores do presidente ergueram faixas pedindo pela ditadura militar com Bolsonaro no poder. O risco estava aí mais do que traçado: uma reeleição de Jair Bolsonaro colocaria em risco a própria democracia e a implantação de um regime ditatorial.
Não é segredo para ninguém que se tivesse condições, Bolsonaro teria decretado um novo Ato nº 5. A questão é essa; no panorama nacional não existe nenhum nome capaz, baseado na ótica de hoje, de impedir a reeleição do chefe do Executivo. Somente Lula pode realizar tal desfecho. Importa menos se Ciro Gomes estará a favor ou não do ex-presidente. Parece que é contra. Ciro Gomes não tem o mesmo capital de votos capaz de levá-lo à vitória.
PARCIALIDADE – Relativamente a Elio Gaspari, em seu espaço aos domingos no O Globo e na Folha de São Paulo, coloco o seguinte tópico: Gaspari considera difícil que o Supremo possa colocar alguma objeção ao critério que adotou em relação a Lula da Silva. Foi um engano. O tema da parcialidade não é genérico. Ao contrário, é singular. Pois é possível que um juiz tenha sido parcial em uma questão, mas não em todas as outras.
Parcialidade é algo caso a caso. Acredito que o temor de Gaspari não se materialize . Existem julgamentos que podem ter efeitos genéricos. É o caso da advogada Adriana Ancelmo, por exemplo. Sua prisão foi transformada em domiciliar porque ela tinha um filho com menos de 12 anos de idade. Aí sim, o genérico deveria ter predominado, o que não aconteceu.
O Supremo pode alegar que teria que receber recursos nesse sentido para transformar a prisão. Não sei se recebeu, mas caso sim deveria ter dado curso a eles. A questão da parcialidade é diferente da generalidade.
LOCATÁRIOS DA CASA DA HISTÓRIA – Foi sem dúvida uma bela imagem a que colocou em seu espaço no O Globo Dorrit Harazim deste domingo. Ela disse que no fundo todos nós somos meros locatários da casa da História. Por isso, temos que tentar perceber o presente. Bela frase, como eu disse, de grande força poética. Importante considerar o que ela disse, pois realmente, em nosso caso, jornalistas, devemos ter a percepção de não ver só os fatos, mas também ver nos fatos.
O segundo estágio do raciocínio complementa o primeiro porque não existe apenas uma versão para a narrativa das histórias; existem vários. Por isso, as observações sobre textos do passado referentes a desfechos históricos são objetos de revisão. Passado o tempo, chega-se a conclusões diferentes das que foram adotadas no momento dos acontecimentos. Trata-se de uma questão de perspectiva, como definiu Leonardo da Vinci nos cadernos que deixou como se deve ver as pinturas.
De perto, de longe, da direita, da esquerda, com mais ou menos luz. Isso porque, na minha opinião, os fatos políticos que se incorporam à memória universal não podem ser vistos apenas nos instantes em que acontecem. Se é verdade que santo de casa não faz milagre, a perspectiva exige uma distância maior entre os ângulos e as sombras das questões. Acredito que a frase da Dorrit Harazim ficará para sempre nos documentos mais lúcidos e mais cristalinos da viagem histórica através do tempo.
CPI DA SAÚDE – A Comissão Parlamentar de Inquérito que investigará os fatos e as omissões do Ministério da Saúde no combate à pandemia deve começar, a meu ver, ouvindo o ex-ministro Henrique Mandetta pelo fato de ter sido ele o primeiro titular da pasta que enfrentava com vigor a pandemia, e a ser demitido por Bolsonaro por estar aparecendo demais nas emissoras e nos jornais.
Como Bolsonaro só pensa na reeleição de 2022, ficou claro o horizonte estreito que o Planalto lançava sobre o movimento de prevenção contra a força que o coronavírus demonstrava possuir e que os fatos comprovaram ao longo dos meses.
Mandetta narrou em entrevistas que encontrou dificuldades extremas por parte do presidente da República, uma vez que não conseguiu transmitir a ele no plano alto do Planalto as análises mais simples e também mais eficazes que deveriam se transformar em projetos imediatos e aplicados na prática.
ESCÂNDALO – A demissão de Mandetta foi um escândalo. Bolsonaro afastou um auxiliar de primeira linha eficiente porque supôs que ele poderia lançar-se como candidato à Presidência da República. Um delírio. O mesmo fenômeno que salientou o tempo de Bolsonaro foi a hipótese de uma candidatura do ex-ministro Sergio Moro. Era extremamente popular, mas o objetivo de Moro não era o Palácio da Alvorada e sim o STF, aspiração legítima a qualquer magistrado que se julgue capaz de exercer a altíssima missão.
Senti também na ocasião que Moro havia criado uma dificuldade bastante intensa para a sua permanência no MInistério da Justiça. No início incorporou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras. O Coaf, ponto ignorado pelos cientistas políticos em suas análises, é um ponto de altíssima sensibilidade na administração do país. A questão é simples. O Coaf detém o controle de todas as operações bancárias que se realizam, incluindo depósitos e saques. Como os depósitos e saques acima de R$ 100 têm que ser nominativos, a fiscalização é facílima.
Além disso, o Coaf pode ter acesso a contas existentes no exterior em nome de brasileiros ou de empresas que reúnam brasileiros e/ou também estrangeiros que operam no Brasil. O Coaf portanto é um fantasma cuja sombra inibe e coloca de prontidão aqueles que participam de comissões pagas por contratos de obras públicas, de fornecimentos de material e também dos contratos feitos por empresas estatais com agências de publicidade e que estão se instalando nas diretorias de Comunicação de empresas, a exemplo de Furnas, Petrobras, Banco do Brasil, além de outros casos.
QUALIFICAÇÃO – O trabalho jornalístico que seria fundamental nessas unidades só pode ser exercido por profissionais da área. Mas não. Presidentes dessas empresas nomeiam pessoas desqualificadas e sem o conhecimento mínimo do que seja o trabalho jornalístico. Dito isso, volto ao tema da CPI.
A meu ver, a CPI deve começar convocando Mandetta. Ele tem o que falar, tem entusiasmo para abordar os problemas, tem conhecimento de causa e é testemunha direta da dificuldade que se colocou entre ele e Bolsonaro para o cumprimento do projeto de trabalho que teria evitado milhares de mortes causadas pela Covid-19. Uma parcela grande desse total poderia ter sido evitada. Os médicos têm certeza desse cálculo.
A CPI na minha visão vai funcionar até porque não pode deixar de fazê-lo. A pressão dos jornais e das emissoras de televisão relativamente ao que for desenvolvido colocará em pleno relevo, sobretudo a figura do relator. Ele irá se ver no centro palco dos acontecimentos enquanto o presidente da CPI terá que anunciar com o respectivo destaque a lista das pessoas que vão ser gradativamente convocadas a prestar informações e formular conceitos e opiniões.
REPERCUSSÃO – Cada convocação será motivo de amplo espaço na imprensa e nas telas, principalmente da TV Globo e da GloboNews, uma vez que outras emissoras, caso da Record e do SBT, não devem se voltar para o assunto de forma tão intensa. Mas ainda resta a CNN que disputa, a meu ver, um público certo com a GloboNews.
Dou a minha opinião sobre esse confronto. Os comentaristas da GloboNews são jornalistas de alta categoria e se revelam comprometidos somente com o jornalismo. Não que a CNN não seja, mas a vantagem de qualidade é da GloboNews. Inclusive, existe um fato importante. A visão dos espectadores sobre as telas de cinemas e das emissoras de TV é horizontal. A CNN, em um estilo americano, coloca as imagens em três projeções verticais. É um detalhe que diz respeito à força da comunicação pela imagem.
CONFERÊNCIA – Esse é o panorama geral da etapa que foi vencida neste domingo e as etapas a seguir, a começar pela Conferência do Meio Ambiente convocada pelo presidente Joe Biden para os dias 22 e 23 deste mês. A convocação, conforme já escrevi, vai fazer com que o presidente Jair Bolsonaro mude a posição que até agora assumiu em relação ao desmatamento e às queimadas que destroem partes importantes das florestas brasileiras.
Bolsonaro terá também que assumir os problemas em série gerados por Ricardo Salles. As imagens da devastação estarão presentes no encontro do Clima. O presidente do Brasil deverá se esforçar para tornar esse cenário ao nível das legítimas exigências tanto brasileiros quanto internacionais.
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