Belém - Órgãos
estaduais e municipais passarão a cumprir suas responsabilidades para
com os moradores de rua na Região Metropolitana de Belém. O Ministério
Público Estadual (MPE) se reuniu com diversas entidades para elaborar
Termos de Ajuste de Conduta (TAC), nos quais as secretarias e fundações
passarão a ter atribuições e competências para atender aos sem-teto que
se encontram em situação de abandono pelo Poder Público, que deveria
lhes garantir direitos humanos fundamentais e sociais.
Os promotores Waldir Macieira e Maria
da Penha Buchacra entendem que o problema do morador de rua tem que ser
resolvido de maneira interdisciplinar, a fim de que eles também tenham
assistência social, saúde, educação e habitação.
“Desde os dezoito anos de idade que eu
moro na rua. Não consigo ficar em casa nem quatro dias seguidos”, disse
a moradora de rua Valéria Brito, 40. Todos os dias ela se abriga numa
calçada na rua Carlos Gomes, no bairro da Campina, próximo a um
restaurante onde lhe oferecem comida depois que o expediente encerra.
Com uma expressão de vergonha e timidez em seu rosto, ela não responde
os motivos que a fizeram escolher sair de casa e ficar ao relento, onde a
sociedade parece fingir não vê-la. “Ontem (segunda-feira, 11), passei
mal sem que ninguém viesse me socorrer ou ajudar”, lamentou.
Valéria se queixa que quando é
abordada por policias, eles se aproximam com agressividade e em algumas
situações acontecem até espancamentos. “Parece até que todo mundo é
ladrão”, desabafou. São vários os motivos que podem ter contribuído para
ela estar nessas condições de aparente abandono por parte das políticas
públicas. De uma forma ou de outra, ela tem casa e onde morar. Precisa
de ajuda, mas manifesta não querer ser ajudada.
No bairro do Reduto, precisamente na
Praça General Magalhães, também no centro de Belém, um grupo de sem-teto
se abriga em barracas erguidas com restos de um guarda-roupa. Ali
consomem drogas. Provocam uma sensação de insegurança nas pessoas, que
evitam passar por lá. Quando perdem a lucidez por causa dos efeitos dos
entorpecentes e do consumo de álcool, ameaçam quem quer que seja e
brigam entre si.
Há, inclusive, presença de mulheres de
rua grávidas que não fazem o acompanhamento pré-natal por não ter
acesso, segundo elas, aos serviços da rede pública de saúde.
Se aproximar do local
requer precaução e jogo de cintura. Alguns dos moradores de rua só se
aproximam por interesse – esperam que a pessoa lhe dê dinheiro ou alguma
outra coisa. Outros são mais acessíveis e se revelam até comunicativos.
A abordagem tem que ser feita com um diálogo descontraído e respeitando
o “espaço” deles.
O morador de rua, que se identificou
apenas como André Luiz, por exemplo, relatou uma situação em que
precisou de atendimento médico e por pouco não teve acesso, uma vez que
mora nas ruas. “Eu estava em São Brás e fui atropelado por uma moto. O
piloto não prestou socorro”, contou. A população acionou uma ambulância,
mas os paramédicos se recusaram a levar o sem-teto para o
pronto-socorro e até verificarem se ele sofreu fratura. “Eu fiquei
sentindo muita dor, mas não me levaram para o hospital porque eu era
mendigo”, desabafou.
André disse que, quando pôde se
levantar, pegou um ônibus e foi até o Pronto-Socorro da 14 de Março,
onde o atendimento também lhe foi negado. “Disseram que não poderiam
atender porque já tinha passado muitas horas do acidente e só tinha
dor”, lembra.
Na perna esquerda, o rapaz apresenta
as cicatrizes do acidente. “Eu consegui ser atendido em Marituba, mas
tive de mentir dizendo que tinha acabado de sofrer o acidente e lá
engessaram a minha perna”, desfechou.
Questionado se teria casa, limitou-se a
responder apenas que dorme na Presidente Vargas à noite, via em que
espera alguns religiosos, da Fraternidade Missionária O Caminho, que
costumam oferecer alimentos e agasalho aos pobres.
SEM DADOS
Não existe nenhum levantamento sobre o
perfil socioeconômico nem a quantidade de sem-teto que existem em Belém
e Região Metropolitana. No entanto, dados divulgados em 2008 pelo
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) apontam para
uma população de, pelo menos, 31.992 mil brasileiros que moram nas
ruas, calçadas, praças, rodovias, parques, postos de gasolina, túneis,
viadutos, depósito e prédios abandonados.
O estudo, realizado em 71 municípios
brasileiros, incluindo Belém e Ananindeua, revelou também que os
problemas provocados pelo abuso do uso de álcool e drogas, rompimento de
vínculos parentescos, desemprego e violência são os principais motivos
que levam o indivíduo a ir morar nas ruas, o que contribui para o
desamparo social que eles sofrem.
AJUSTE DE CONDUTA
O promotor de Justiça de Defesa da
Pessoa com Deficiência, Idoso e Acidente de Trabalho Waldir Macieira
explica que a inquietação do MPE começou a partir do cenário encontrado
na Praça Magalhães, no bairro do Reduto, que atualmente concentra um
elevado número de moradores de rua.
Contudo, desde novembro do ano
passado, este problema tem sido alvo de manifestação por parte do
Ministério Público, por meio da promotora Maria da Penha de Mattos
Buchacra Araújo, de Direitos Constitucionais Fundamentais, Defesa do
Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, que atuava no caso.
Os dois estão juntos agora e convocaram os órgãos públicos para discutir
o que pode ser feito, sem que o descaso levasse os promotores a
ingressar com uma ação.
A primeira reunião foi realizada no
início da semana e contou com a presença de representantes das
Secretarias de Estado de Assistência Social (Seas), de Saúde (Sespa) e
Fundação Papa João XXIII (Funpapa). A Secretaria Municipal de Saúde
(Sesma) não mandou representante à reunião. O TAC está em fase de
elaboração e a estimativa é de que o documento fique pronto até o
próximo dia 12 de abril, quando deverá ser assinado. “A situação do
morador de rua é um problema intersocial e que não cabe somente ao
município ou ao Estado atuar. Cada um deve ter a sua responsabilidade
nesse caso”, destacou Macieira.
ASSISTÊNCIA
A ideia inicial é conduzir o TAC de
forma a se criar uma rede de atendimento aos moradores de rua, mas que
envolva diversos órgãos municipais e estaduais nesta rede. “Esta rede
tem que funcionar e evitar as situações de negação de atendimento,
principalmente à saúde”, destacou Waldir, que pretende garantir o
atendimento emergencial aos sem-teto na Santa Casa, nos prontos-socorros
e no Hospital de Clínicas.
O promotor sugere que a polícia faça
uma abordagem diferenciada, na qual se faça um levantamento que facilite
a identificação do perfil do morador de rua. A Companhia de Habitação
do Pará (Cohab) também será convidada a participar desta rede, a fim de
garantir moradia a alguns moradores de rua que apresentarem condições
autônomas de manter uma casa.
A Seas informou que desde o ano
passado vem realizando reuniões com os municípios da Grande Belém para
discutir a criação de um plano de atendimento à população de rua, assim
como a realização de um seminário sobre o assunto.
A Funpapa possui apenas um abrigo para
moradores de rua, mas não há hoje nenhum sem-teto ocupando o espaço, no
bairro do Reduto. Eles se recusam a ficar no local por causa das regras
e do cumprimento de horário, por isso preferem voltar às ruas, onde se
dizem a vontade.
(Diário do Pará)