domingo, 31 de março de 2019

Líder do governo no Senado quer Bolsonaro mais para o centro e longe do Twitter

 

Resultado de imagem para bolsonaro no twitter charges
Charge do Aroeira (O Dia/RJ)
Daniel Carvalho e Mariana CarneiroFolha
Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) afirma que o governo de Jair Bolsonaro terá que se deslocar para o centro, a exemplo do que ocorreu no passado com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT, para conseguir governar. Bezerra rejeita o bordão da “nova política” e afirma que Bolsonaro, ao contrário do que dizem seus críticos, têm dado atenção a parlamentares, seguindo a tradição de dividir espaço com aliados.
Sua leitura é que a semana se encerra melhor do que começou para o governo. Embora reconheça que o presidente tenha a sua personalidade “e ninguém vai mudar”, ele diz que Bolsonaro está começando a compreender que é dele a responsabilidade de formar maioria no Congresso.
Falta articulação ao governo?
O ministro Onyx [Lorenzoni, Casa Civil], em conversa com os líderes na quarta-feira, disse que o governo tinha humildade de reconhecer que perdeu a oportunidade de fazer na Câmara um encaminhamento mais harmônico e aproximado dos partidos e das lideranças. E que seu desejo, no Senado, era expressar que precisa do apoio do Legislativo para tocar as reformas.
Parlamentares reclamam que conversas anteriores não resultaram em nada.A eleição de Bolsonaro representa uma ruptura do ciclo político, pois atropelou os partidos do centro democrático. Todas as candidaturas que se colocaram pelo centro foram engolidas pela polarização entre o PT de Lula e, de outro lado, o antipetismo. Bolsonaro teve a perspicácia de empunhar outras bandeiras, da segurança pública, da Lava Jato, do combate à corrupção e dos costumes. Também fez campanha negando a institucionalidade dos partidos, fazendo a ligação direta com o eleitor usando as redes sociais. Depois de eleito, ele procura materializar a concretização de seus compromissos. É o primeiro presidente desde 1947 que compõe uma equipe de governo sem consultar os partidos. É um novo ciclo, de desempoderamento dos partidos. Em fevereiro, o Congresso se instala renovado, mas são os partidos do centro democrático que têm as condições de dar a sustentação política para aprovar as reformas.
Ainda são? 
É só fazer a conta. Soma MDB, PSDB, PR, PSD, DEM, PP… Rodrigo Maia recebeu o apoio desses partidos porque significava recolocar o centro democrático, então varrido eleitoralmente, na cena política nacional. Temos um Congresso renovado mas que precisa mudar a cultura política. Antes, com os partidos empoderados, a cultura era a divisão ministerial, a entrega dos cargos e a divisão do poder, o tal do presidencialismo congressual. Bolsonaro rompeu com isso. A leitura agora é que todo mundo aqui é da política, vai enfrentar uma eleição em um ano. As pessoas identificaram que a agenda de Bolsonaro, com a exceção dos costumes, está correta.
E por que ainda não há base?
Porque as pessoas querem saber se o Bolsonaro quer ser parceiro político. O presidente que aprova uma agenda de reformas viabiliza um projeto de poder político pelos próximos 8, 12 anos. Ou não foi assim com o PT?
Mas ele parece dar sinais de que não quer ser parceiro dos políticos.
Calma, ele está numa transição que começou em 1º de fevereiro. Está há 40 dias na ativa e querendo formar a base. Na cabeça dele, o toma lá, dá cá são as confusões que ocorreram pelos desvios no passado. Ele generaliza e provoca irritação dentro do Congresso.
Ficou refém do discurso eleitoral? 
Ele está evoluindo no sentido de, sem abandonar os compromissos de campanha, criar e definir critérios que permitam a convivência com o Congresso e a construção da base. 
Isso é a nova política?Nova e velha política eram definições para a campanha. Agora é governar e não se trata de nova ou velha política, mas da boa política. O que a classe política quer, independente do que se fala em emenda e cargo, é saber se ele vai se associar aos partidos. Por exemplo, um deputado, uma liderança política que tenha a aspiração de ser prefeito da capital do seu estado, ele terá apoio do Bolsonaro? É isso que ele precisa compreender para definir as alianças que serão formadas daqui para frente. Não são os cargos que vão fazer a mágica. A mágica será feita quando as pessoas confiarem que ele quer ser parceiro e que vai compartilhar o sucesso de seu governo.
O presidente não dá um passo e acaba voltando 10 quando dá uma declaração inapropriada?Seria muito melhor que ele desse um tempo ao Twitter dele. Mas é a forma que ele tem para se comunicar.
Acha que bastaram os acenos que Bolsonaro fez no fim da semana?
Encerramos a semana superando os desencontros. Tanto o presidente quanto Maia está virando a página. As feridas estão cicatrizadas? Claro que não. 
O que tem que fazer mais? 
Quando voltar de Israel, Bolsonaro vai receber os presidentes dos partidos. Vai criar uma relação institucional e começar a mostrar que quer ser parceiro, compartilhar o sucesso do governo com os partidos que o derem apoio.
Não demorou?
Demorou. Mas se enganam aqueles que pensam que o presidente não está fazendo política. Levou deputados no avião com ele, chamou gente no gabinete, ligou. Ou você acha que Roberto Rocha, líder do PSDB, não ficou muito lisonjeado por ter ido com o presidente para os EUA para viabilizar o acordo que vai operar a base de Alcântara? O que é isso? Política. Vocês às vezes exageram ao subestimar a capacidade do presidente de fazer política. Subestimaram na campanha e ele ganhou.
Ao se reunir com líderes dos partidos, não vai ser cobrado por seu eleitor? 
O eleitor dele sabe que ele precisa construir a maioria no Congresso. É muito mais amplo que a militância das redes sociais. Depois da eleição, ele tem que se aproximar do centro. Como ele é da direita, ele tem que vir mais para o centro. Quando você tem um da esquerda, que foi o caso de Lula, ele teve que vir mais para o centro.
Na reforma da Previdência ele parece transferir a responsabilidade para o Congresso. 
Mas disse também, no outro dia, que a reforma é importante para o Brasil, para a agenda dele. O presidente tem a personalidade dele e ninguém vai mudar. Pode, aqui ou acolá, avançar, se equivocar, dar uma canelada. Mas, ao mesmo tempo, ele tem humildade de dizer ‘exagerei aí, vamos virar a página, passar para outra’. Você pode não gostar das ideias dele, da forma como ele fala, mas ele é uma pessoa simples. Está começando a compreender que a responsabilidade de formar maioria no Congresso é dele, do governo, nossa.
Como o sr. vê a atuação do PSL?De fato o partido precisa se alinhar. É natural que o presidente tenha responsabilidade em relação à orientação do partido. Luciano Bivar [presidente da sigla] e os líderes do partido também. Quando os senadores do PSL levantam críticas ou alternativas a proposta do governo, permitem que os questionamentos se espraiem por todas as outras bancadas. Você cria mais dificuldade para negociação.
###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Fernando Bezerra Coelho é muito experiente e só diz o óbvio. Bolsonaro devia ouvi-lo. O centro é o caminho do meio, que é sempre mais curto. (C.N.)

Memórias literárias, com um abraço de Saramago, bem antes de ganhar o Nobel

 

Resultado de imagem para saramago em 1980Antonio Rocha
O sol estava frio, naquela manhã de inverno em Lisboa, fevereiro de 1980. Entro numa tasquinha (como os portugueses costumam chamar os seus botequins) e encontro com a escritora e crítica literária Maria Lucia Lepecki, brasileira, mineira, radicada em Portugal desde a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974. Ela também é professora titular de Literatura Portuguesa da Universidade Clássica de Lisboa.
– Ainda bem que vocês apareceram! Que tal hoje à noite irmos à Casa do Alentejo, vai ter o lançamento do livro do Saramago.
Sentamos eu e minha mulher, nossa filha Vera ainda repousava no ventre de Heloisa, em pose fetal curtia os ares lusitanos.
Enquanto tomávamos o café da manhã, Maria Lúcia Lepecki foi explicando: – O José Saramago lança hoje o “Levantado do Chão”. Um romance magnífico. Eu li quando estava ainda no original datilografado. É que eu sou muito amiga dele. No começo fiquei apreensiva, pois o livro começa brilhante, de forma inusual, inusitada para as tradicionais letras portuguesas. É uma virada histórica. Ou, como os portugueses costumam falar, uma “viragem”. Podem não ter sido estas as palavras de Maria Lucia Lepecki, mas o sentido vale.
ERA UMA FESTA – À noite, um simpático bondinho ou “elétrico” se preferirem, nos levou até a Casa do Alentejo, em uma ruazinha próxima ao Rossio, no coração da capital.
O ambiente cheio e festivo nos iniciava no lançamento. Na verdade, era um jantar, festa, com discurso e tudo o mais. Tinha até um Coral de Camponeses vindo diretamente do Alentejo, a região do latifúndio antes do 25 de abril e que nessa época, pós-Revolução dos Cravos, estava recheada de “comunas”, lotes, trechos de terra da Reforma Agrária que eles chamavam de UCPs – Unidades Coletivas de Produção.
No movimentado salão procuro a mesa onde Maria Lúcia Lepecki nos espera, sentamos e, para surpresa, era uma mesa comprida e com alguns lugares vazios. Logo depois chegam os “donos” dos lugares: o primeiro-ministro do 25 de Abril, Vasco Gonçalves e esposa, mais o general Costa Gomes e senhora, líderes do MFA – Movimento das Forças Armadas que derrubou a ditadura salazarista e depois caetanista de 48 anos e ocuparam o primeiro governo revolucionário de Portugal, em pleno século XX.
Resultado de imagem para saramago em 1980CHEGA SARAMAGO –  Logo a seguir sentam conosco o poeta Armindo Rodrigues e a estrela da noite, o escritor José Saramago.
Nessa época, a Casa do Alentejo era uma espécie de centro cultural do Partido Comunista Português e significativos nomes da intelectualidade lusitana faziam parte.
No momento em que foi autografar o meu exemplar, Saramago abraçou-me e exclamou: “Ó pá, lá vocês tem uma grande, que muito me inspirou, o Guimarães Rosa”. Retribuindo o abraço, sorri e agradeci.
Na época de Salazar, o Alentejo era uma região muito perseguida, foi lá que o PCP organizou a resistência e os campônios, sempre bem articulados, deram muito trabalho à PIDE, a extinta polícia política do ditador. O romance “Levantado do Chão” fala desse tempo, dessa época, desses sonhos, ideais e utopias.
Enquanto a fila de autógrafos aumentava, o Coral dos Camponeses encantou e cantou, desde a Internacional até músicas folclóricas do Alentejo e populares da terra de Camões.
FALA A DOUTORA – Em dado momento o silêncio se fez e a “doutora”, como era camaradamente chamada Maria Lúcia Lepecki resumiu o que me havia contado pela manhã:
“No começo eu fiquei preocupada, pois era uma inovação literária muito grande, enquanto estava lendo os originais datilografados eu não sabia se Saramago ia ter pique para levar até o fim do romance aquele ímpeto, aquela garra, aquela novidade. E de fato foi”.
Tanto foi, que está aí até hoje o primeiro Prêmio Nobel da Literatura em Língua Portuguesa.
A professora doutora Maria Lúcia Lepecki depois se tornou esposa do primeiro-ministro da República de Cabo Verde.

Lembrando Rosa Luxemburgo, a revolucionária que nos legou um sorriso no escuro

 

Resultado de imagem para ROSA LUXEMBURGO FRASESDaniel Aarão ReisO Globo
Ela veio ao mundo em Zamosc, no interior da Polônia russa, em 5 de março de 1871. De família judia, teve uma infância difícil. Uma displasia congênita deixou-a manca. O nariz grande e os cabelos crespos não se enquadravam nos padrões estéticos. Em compensação, a família amorosa e bem-humorada envolveu-a com afetos. Admiravam sua inteligência sensível, crítica e rebelde. Havia fogo naquela alma, observara o pai.
A rebeldia aumentou em Varsóvia, para onde se mudou a família. Como compreender a combinação de opulência e miséria? O pensamento de Marx pareceu-lhe persuasivo, mas teve que partir, com apenas 17 anos, para Zurique, na Suíça, onde havia uma universidade aberta para mulheres. Ao dizer-lhe adeus, segredou-lhe a irmã: “Vai, mana, você é a única que pode fazer famoso o nome de nossa família”.
HORIZONTES – Em Zurique, abriram-se amplos horizontes. Ali encontrou o primeiro amor: Leo Jogiches. Com ele fundou, em 1893, o Partido Social-Democrata do Reino da Polônia e da Lituânia e discursou num congresso internacional. Anos depois, publicou sua tese de doutorado sobre o desenvolvimento industrial da Polônia. A mãe ainda pôde ver o livro de autoria da Doutora Rosa Luxemburgo, e chorou, comovida.
Em 1898, com 27 anos, desembarcou em Berlim, sede do Partido Social-Democrata alemão, considerado o maior do mundo. Comentou: “Cheguei como estrangeira e completamente só”.
Afirmou-se onde pontificavam, salvo exceções, apenas homens. Oradora, redatora, professora, teórica, lidaria com as questões candentes do movimento revolucionário.
POLEMIZANDO – Com Eduardo Bernstein, discutiu as relações complexas entre reforma e revolução. Não havia por que separá-las, deveriam, antes, articular-se, em proveito da segunda. Polemizou com Vladimir Lenin sobre a questão nacional, enfatizando o caráter internacional da proposta socialista.
Questionou o autoritarismo leninista. O socialismo deveria ser expressão da consciência, das lutas e das organizações autônomas dos trabalhadores, e não obra de vanguardas iluminadas.
E deveria ser, necessariamente, livre e democrático. Contra K. Kautsky e A. Bebel, principais lideranças alemãs, denunciou o abandono dos princípios em benefício de uma gestão “social” do capitalismo.
GREVE POLÍTICA – Inspirada pelos revolucionários russos de 1905, cultivando ilimitada confiança na classe operária, Rosa elaborou a experiência da greve política de massas. Acreditava no movimento para superar a estagnação política.
Quando explodiu a Primeira Grande Guerra, quase todos os companheiros aliaram-se, a reboque, aos governos europeus na maior carnificina que a história jamais concebera. Era para desesperar.
Em julho de 1916, Rosa foi presa, pela terceira vez, agora por seus escritos contra a guerra. Da cadeia, continuou denunciando aquela orgia de horrores.
ESPERANÇOSA – Acompanhou esperançosa e inquieta a Revolução Russa. Lamentava “a imobilidade de cadáver do proletariado alemão” e as tendências antidemocráticas dos bolcheviques.
Em novembro de 1918, afinal, proclamou-se a República Alemã. Anistiada, Rosa reganhou a liberdade. Nesta altura formara-se um partido alternativo à social-democracia. Dali nasceu o Partido Comunista alemão, ao qual se filiou, sem grandes certezas.
Empolgados com o rumo e o ritmo dos acontecimentos, os comunistas envolveram-se numa insurreição em Berlim. Cedo demais? Depois da tentativa derrotada, o cerco apertou. Foi presa e espancada, antes de ser assassinada, em 15 de janeiro de 1919. Triplamente culpada: mulher, judia e revolucionária.
SEMPRE AMANDO – Ao longo da vida, no turbilhão da militância, Rosa nunca desistiu de amar. Namorou diversos homens de diferentes idades, desafiando, sempre, o senso comum e a moral estabelecida.
Ela gostava de dizer: “No escuro, sorrio para a vida… procuro dentro de mim alguma razão para esta alegria, e nada encontrando… acredito que o segredo não é senão a própria vida…”
Morreu acreditando na revolução inevitável que não aconteceu e no socialismo democrático que ainda está por nascer. Legou-nos a difícil arte de sorrir no escuro.

Paulo Coelho relata torturas que sofreu: “É isso que Bolsonaro quer celebrar?”

 

O escritor Paulo Coelho, que hoje mora em Genebra, publicou artigo sobre a tortura que sofreu durante o regime militar brasileiro Foto: Bisson Bernard / AP
“Queriam que delatasse pessoas que nem conhecia”, diz o escritor
João Paulo SaconiO Globo
 O jornal “The Washington Post” publicou neste sábado um artigo assinado pelo escritor brasileiro Paulo Coelho , autor de best-sellers como “O Alquimista” e “Brida”, em resposta à determinação do presidente Jair Bolsonaro para que o aniversário de 55 anos do golpe militar de 1964 seja lembrado neste domingo. O título do artigo, escrito em português e traduzido para o inglês pela equipe da publicação, é “Fui torturado pela ditadura do Brasil. É isso que Jair Bolsonaro que celebrar?”.
No texto, Coelho, de 71 anos, contou detalhes de como foi torturado após ter sido detido e liberado pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) , em maio de 1974. Segundo o relato, após ser fichado e fotografado pela polícia, o autor teve o táxi em que voltava para casa interceptado e foi levado para um local desconhecido, onde foi agredido e ameaçado por homens armados, interrogado sobre assuntos que diz desconhecer e submetido a choques elétricos.
DÉCADAS DE CHUMBO – Durante a semana, quartéis em São Paulo e em Brasília fizeram atos alusivos ao golpe que iniciou a ditadura militar no Brasil. Para o escritor, trata-se de uma comemoração de “décadas de chumbo”.
“Saí da prisão, mas ela me acompanha. Meus pais nunca se recuperaram. Décadas depois, os arquivos da ditadura são abertos e meu biógrafo consegue todo o material. Pergunto por que fui preso: uma denúncia, ele diz. Quer saber quem o denunciou? Não quero. Não vai mudar o passado”, escreveu Coelho, que completou: “São essas décadas de chumbo que o presidente Jair Bolsonaro – depois de mencionar no Congresso um dos piores torturadores como seu ídolo (o general Carlos Alberto Brilhante Ustra) – quer festejar nesse dia 31 de março”.
“APENAS UM COMPOSITOR” – Na época, o escritor havia acabado de mergulhar no movimento hippie. Dois anos antes, conheceu Raul Seixas, com quem chegou a compor, assim como fez com Rita Lee e Elis Regina. A ligação com a música, para ele, não era o suficiente para explicar a chegada de um grupo de homens armados que fizeram buscas na residência dele e o levaram para prestar depoimento.
“Começam a revirar gavetas e armários – não sei o que estão procurando, sou apenas um compositor de rock. Um deles, mais gentil, pede que os acompanhe ‘apenas para esclarecer algumas coisas’. O vizinho vê tudo aquilo e avisa minha família, que entra em desespero. Todo mundo sabia o que o Brasil vivia naquele momento, mesmo que nada fosse publicado nos jornais”, relembrou Coelho, que manteve a narrativa no presente, mesmo que o registro tenha sido feito agora, 44 anos depois do ocorrido.
TÁXI E TORTURA – Após ter respondido às perguntas de um tenente, que classificou como “tolas”, o escritor mencionou a interceptação do táxi, momento que deu início aos episódios de tortura.
“Quando saio, o homem que me levara ao DOPS sugere que tomemos um café juntos. Em seguida, escolhe um táxi e abre gentilmente a porta. Entro e peço para que vá até a casa de meus pais – espero que não saibam o que aconteceu. No caminho, o táxi é fechado por dois carros; de dentro de um deles sai um homem com uma arma na mão e me puxa para fora. Caio no chão, sinto o cano da arma na minha nuca”, descreveu.

Paulo Coelho conta que, após chegar em um local desconhecido, foi espancado enquanto andava pelo que parecia ser um corredor. No fim dele, estaria o que o autor chamou de “sala de torturas”, com uma soleira que o fez perceber que se tratava de um lugar a prova de som.
CHOQUES NAS GENITAIS – Encapuzado, relatou que sentiu os pés molhados e em contato com uma máquina com eletrodos, fixados nos genitais. Os choques o levaram, segundo o artigo, a arranhar a pele e “tirar pedaços” de si.
“Grito, mas sei que ninguém está ouvindo, porque eles também estão gritando. “Terrorista, dizem. Merece morrer. Está lutando contra seu país. Vai morrer devagar, mas antes vai sofrer muito”, registrou Coelho.
A tortura, escreveu o autor, era acompanhada de pedidos para que ele delatasse “gente de quem nunca ouvi falar”.
MAIS TORTURA – Uma segunda sessão ganhou nota no texto, referente ao dia seguinte à chegada. Paulo teria se oferecido para assinar uma confissão em troca do fim das agressões, o que não aconteceu. Foi levado, conforme detalhou, para uma sala pequena, com as paredes pintadas de preto e com o ar condicionado “fortíssimo”. Apesar do frio, foi o barulho o fez passar perto da loucura.
“Apagam a luz. Só escuridão, frio, e uma sirene que toca sem parar. Começo a enlouquecer, a ter visões de cavalos. Bato na porta da ‘geladeira’ (descobri mais tarde que esse era o nome), mas ninguém abre. Desmaio. Acordo e desmaio várias vezes, e em uma delas penso: melhor apanhar do que ficar aqui dentro”, recordou.
NA GELADEIRA – Coelho não soube precisar quanto tempo passou na “geladeira”, uma vez que a luz estava sempre acesa e não era possível, para ele, notar o passar dos dias. Do lado de fora, ficou sabendo depois que os pais não conseguiam dormir — a mãe chorando continuamente, e o pai “já não falava”. O cárcere chegou ao fim, após ele ter sido abandonado em uma praça em local desconhecido do Rio.
“Sou levado até um carro e posto na mala. Giram por um tempo que parece infinito, até que param – vou morrer agora? Mandam-me tirar o capuz e sair da mala. Estou em uma praça com crianças, não sei em que parte do Rio. Vou para a casa de meus pais. Minha mãe envelheceu, meu pai diz que não devo mais sair na rua”, destacou Coelho.
###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG 
– Conheci Paulo Coelho através de nossa amiga Maria do Rosário Nascimento Silva, que era atriz e ex-mulher de outro amigo, Walter Clark, que então dirigia a TV Globo. Depois, meu relacionamento com Paulo Coelho se estreitou, porque ele se casou com minha amiga de infância Cristina Oiticica. Seu depoimento é estarrecedor. Fiquei triste, pensando também na dor de outra amiga, Hildegard Angel, cujo irmão, Stuart Angel, foi barbaramente torturado e morreu amarrado ao parachoque traseiro de um jipe, que o arrastava com o rosto preso ao escapamento, para respirar a fumaça. O mais triste e ver cada vez mais pessoas a defender a tortura que manchou as fardas militares de forma indelével. O fato é que os torturadores jamais foram punidos e alguns se tornaram “heróis” neste inusitado país. (C.N.)

Ouça um bom conselho, que eu lhe dou de graça: não há nada a comemorar, mesmo se o Presidente mandar!

 

*Ana Paula Barreto
Há um velho ditado que diz: é preciso lembrar para não esquecer! Diante da ordem do chefe de Estado do Brasil a seus chefes militares para que “comemorem” o abuso e a força bruta dos agentes que atuaram em nome do poder constituído para aniquilar aqueles que discordavam de suas crenças arbitrárias de governo, só há uma coisa a fazer: lembrar, lembrar, lembrar. 
Lembrar da ferida aberta durante o período da ditadura civil/militar brasileira instalada no peito de famílias destroçadas pela perda de mães, pais, filhas, filhos, netas, netos, tias, tios, primas, primos... enfim, por todas e todos aqueles que deram a vida para que tivéssemos o direito de discordar garantido e respeitado como elemento fundamental para a construção de um país democrático.
 
Então, carece perguntar ao senhor Presidente como ficam os casos emblemáticos como o de Vladimir Herzog, enforcado na foto histórica dentro do DOI-Codi em São Paulo e que a Corte Interamericana de Direitos Humanos puniu recentemente o Brasil por crime de lesa humanidade, uma vez que, além de assassinado, Herzog não teve sequer o direito de ser investigado e ter o suposto crime esclarecido para talvez garantir um pouco de conforto a sua esposa e seus filhos?
Como ficam as mulheres estupradas pelos homens de farda e seus coturnos impiedosos dentro dos porões mantidos com o aparato do Estado? Como ficam os filhos sequestrados, vendidos, roubados por agentes de Estado que escondiam atrás de seus uniformes a perversidade que só é atribuída aqueles que não nutrem nenhuma compaixão pela dor do outro? Como ficam as mães, milhares, que não puderam tocar seus filhos, nem ver seus corpos, pois estes foram queimados, mutilados, esquartejados, enterrados e desapareceram para sempre sem deixar rastros, descartados como lixo nas vielas, valas, mares, rios do nosso tão grande país continental?
Como ficam as histórias não contadas, reveladas quando já crescidos estamos, de que em quase todo “berço” familiar existiu um caso de dor pungente que alterou a trajetória de muitos – assim também aconteceu com os meus, quando por dois anos meu pai (que morreu jovem aos 44 anos) ficou preso enquanto minha mãe esperava seu primeiro filho, meu irmão? Poderia o senhor Presidente apagar da memória de minha mãe e minha avó, mãe de meu pai, o ano de 1971, nos dias em que estas procuraram por meu pai ou talvez seu corpo por IMLs e delegacias, já que não tinham notícias do seu paradeiro há uma semana? Poderia o senhor Presidente resgatar o convívio dos primeiros anos de vida de meu irmão na companhia do pai, pois este estava detido em um manicômio judiciário por desobedecer a lei e a ordem vigente?
Certamente o Chefe desta Nação, eleito democraticamente pelo poder do voto popular, pensa que pode deixar pra trás, ou melhor, contar outra história, que não essa grotesca e desumana que o Brasil viveu por duas décadas. Lembro de quando entrei pela primeira vez na “casa administrativa do Presidente”, que nesta época, ainda tão recente, era Presidenta, e ouvir alguém dizer com voz tímida em uma reunião ministerial onde chefes militares chegavam com seus uniformes e medalhas no peito: - É engraçado como parecem inofensivos! E rapidamente escutar uma voz de mulher dizer com muita assertividade: - Eles sempre estiveram aqui, nos rondando, com ou sem farda, esperando a hora de “salvarem a Nação” do que consideram ofensivo. Inofensivos somos nós que não conseguimos cravar na memória dos que não tem memória alguma que só estamos aqui, falando com eles abertamente, pois muitos morreram em suas mãos para garantir que pudéssemos dizer agora, mesmo que de forma tímida, neste diálogo travado entre eu e você, que não há ação “inofensiva” quando a força do Estado pesa sobre a liberdade do cidadão. 
Não há mesmo que se aceitar o acinte que é ver o mandatário maior de um país “esfregar na cara” dos que tem farta memória que é preciso comemorar a barbárie. Não é razoável, seja para os que acham que são de “direita”, comemorar a morte e a tortura de milhares pelas mãos e cassetetes de homens que respondiam pela Nação naqueles tempos sombrios (ou seriam nestes?). Há um ar rarefeito pairando sobre nós, pesado, irrespirável, um ar tóxico que consegue entorpecer as mentes, envenenar corações e cegar os olhos dos que deveriam enxergar o óbvio. É preciso tornar o ar respirável principalmente para os mais jovens, pois são estes que poderiam assistir as “homenagens” à tortura e à morte virarem atos de heroísmo em nome da defesa da pátria amada. São estes que podem entender como disciplina um “pouquinho” de falta de liberdade, como retidão um “pouquinho” de brutalidade na abordagem policial, como patriotismo um “pouquinho” de totalitarismo.
Não em tempo, uma corajosa juíza da 6ª Vara da Justiça Federal em Brasília tentou impedir que “homenagens” autorizadas e incentivadas pelo Presidente fossem continuadas, mas muitas já tinham sido feitas na forma de declarações dos velhos homens de farda na chamada Ordem do Dia. Mais triste foi a narrativa de um ministro da Corte Superior do Brasil de comparar o uso do aparato do Estado aos atos de resistência dos que clamavam por democracia. Mais grave, o pedido da Advocacia Geral da União, atendido por uma desembargadora, voltando a autorizar os “festejos” das atrocidades iniciadas em 31 de março de 1964.
É a advocacia do Estado negando a responsabilidade estatal no assassinato de dezenas de brasileiras e brasileiros. Será que é necessário lembrar aos conhecedores do Direito que o Estado não salvou o país do “terrorismo” como os militares chamavam as ações da luta armada (e aqui quero deixar claro que não corroboro com qualquer luta armada)? Mas sim, nos entregou a um verdadeiro terrorismo de Estado, pois foram os instrumentos do Estado que estavam “subversivamente” (termo tão distorcido nos 21 anos da ditadura) colocados à disposição de homens, também do Estado, para vigiar, caçar, torturar e matar ao invés de proteger o cidadão.
E como diria aquela canção que nunca fica velha: “ouça um bom conselho, que eu lhe dou de graça, inútil dormir que a dor não passa”. A dor não passa para todas aquelas e aqueles que sofreram na pele os crimes cometidos pela mão implacável do poder estatal. A dor é revisitada quando o “seu” Presidente diz que é legítimo comemorar os crimes de lesa humanidade praticados pelo Estado em território nacional.
Não temos escolha, senhoras e senhores, se não lembrar, lembrar, lembrar para que jamais se esqueça. Contar aos nossos filhos, vizinhos, amigos, lembrá-los que o Estado e seus agentes não são inofensivos, sempre estiveram ali, à espreita, nos rondando, esperando o dia do arbítrio voltar. Sejamos vigilantes, estejamos nós todas e todos à espreita também, inclusive para lembrar aos que querem data tão funesta comemorar, que existem muitos de nós vivos e prontos a gritar que em 31 de março, neste país, não há nada a festejar mesmo se o Presidente mandar!
* Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pós-graduada em Comunicação Legislativa pelo Universidade do Legislativo Brasileiro (Unilegis). Ex-assessora de Comunicação no Senado e ex-chefe de Comunicação da Secretaria das Relações Institucionais da Presidência da República. Atualmente é responsável pela assessoria de comunicação do escritório Cezar Britto & Advogados Associados

Charge do Duke

 

Charge O Tempo 30/03/2019

Lula deve ser julgado terça-feira no STJ, mas não tem chance de ser inocentado

 

Resultado de imagem para lula preso charges
Charge do Nani (nanihumor.com)
Carlos Newton
Não há data marcada, mas tudo indica que será julgado nesta terça-feira, às 14 horas, o recurso da defesa de Lula da Silva contra a condenação no caso do tríplex do Guarujá, que levou o ex-presidente à prisão em abril do ano passado. O julgamento do recurso especial está a cargo da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo relator, ministro Félix Fischer, já se manifestou contra a libertação de Lula. As possibilidades de aceitação são mínimas, porque nos julgamentos de recursos anteriores Lula sempre perdeu por unanimidade na Quinta Turma.
Diante desse retrospecto negativo, a defesa de Lula pede a absolvição, mas também tenta reduzir a pena imposta pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Regional, que por unanimidade elevou para 12 anos e um mês a condenação anterior do juiz Sergio Moro, que tinha sido de 9 anos e seis meses.
ESTRATÉGIA – Os advogados usam a tese de que estaria havendo dupla condenação pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Citam a jurisprudência da decisão do julgamento do ex-deputado petista João Paulo Cunha no caso do Mensalão, em 2014, quando a maioria dos ministros do Supremo absolveu o ex-parlamentar do crime de lavagem de dinheiro, reduzindo expressivamente a pena dele.
Mas acontece que o caso de Lula é muito diferente, porque o crime de corrupção era relacionado a benefícios à empreiteira OAS, mas a materialidade da lavagem de dinheiro está configurada no próprio apartamento tríplex. Como se sabe, a mulher de Lula, dona Marisa da Silva havia comprado um apartamento simples, de 84 metros quadrados, que a construtora gentilmente trocou por uma cobertura tríplex com piscina e elevador interno, dotada de equipamentos de cozinha comprados sob encomenda pela OAS, sem nenhum acréscimo no valor da venda original.
MISTÉRIO – A grande dúvida é a data do julgamento na Quinta Turma do STJ.  O julgamento está sendo esperando há mais de um mês, mas o relator Félix Fischer até agora não colocou a questão em mesa, conforme se diz no linguajar forense. E só depende dele.
É esperado que seja nesta terça-feira, dia 2, porque o relator pretende realizá-lo antes do dia 10, quando o Supremo julgará o cumprimento da pena de prisão após condenação em segunda instância, como é o caso de Lula. Se o STF passar a exigir terceira instância, Lula será solto. Mas voltará à prisão assim  que o STJ julgue e recuse seu recurso especial, vejam a baita confusão que esse solta e prende Lula poderá causar. Ou seja, se não for nesta terça-feira a decisão do STJ terá de se ser na próxima, dia 9, véspera do julgamento do Supremo.
###
P.S. – 
Façam suas apostas. Eu estou confiante em que o STJ decidirá a questão nesta terça-feira, confirmando a condenação de Lula e sua manutenção na cadeia. (C.N.)

Desemprego cresce, dívida atinge 5,3 trilhões de reais e o governo não se manifesta

 

Resultado de imagem para divida publica charges
Ilustração reproduzida do Arquivo Google
Pedro do Coutto
Pesquisa do IBGE com base no índice de fevereiro revela que o desemprego voltou a subir no país e está atingindo 13 milhões de brasileiros e brasileiras. Esse número representa uma diferença para menos de cerca de 1 milhão de postos de trabalho que desapareceram do mapa estatístico. Reportagem de Daiane Costa, O Globo edição de sábado, desenvolve de forma bastante ampla as implicações do resultado negativo. Entre eles a faixa dos que estão procurando trabalho, e não encontrando, revelam sinais de desalento.
A interpretação de estatísticas representa, quando procedente, uma atmosfera difícil, à primeira vista, de ser notada numa primeira leitura. Na minha opinião já na segunda leitura pode-se chegar a conclusões melhores e mais claras.
CRUZAR OS NÚMEROS – Por exemplo: admitamos que no mês de março o desemprego tenha ficado estacionado. Mas em fevereiro recuou. Se em março registrar algum impulso positivo, se comparado a fevereiro representa um avanço. Porém se comparado a janeiro representa um retrocesso.
Portanto, em matéria de comparações, há necessidade fundamental de se cotejar números de períodos iguais ao longo do ano. Representa o seguinte: pode haver algum índice ilusório quando se coteja, por exemplo, realidade de março em relação a de fevereiro. Mas é preciso comparar também quanto a situação de janeiro.
Outra coisa. É indispensável quando se manipula uma estatística comparar seu resultado percentual e também o quanto representa em relação ao total da matéria.
FÓRMULA CORRETA – Assim, se o Produto Interno Bruto cresceu 2%, indispensável dizer-se o que representa o avanço em número absolutos como em relação ao aumento do número de habitantes etc.
Esta fórmula era sempre defendida pelo ministro Roberto Campos que destacava a exigência de se comparar percentagens com seu efeito em números absolutos. Tenho a impressão que seu neto, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, situa-se dentro do mesmo pensamento crítico para chegar a um resultado verdadeiro.
DÍVIDA EM ALTA – Na mesma edição de O Globo, página 20, matéria redigida com base em resultado do Banco Central acentua que a dívida pública do país saltou em março para 5,3 trilhões de reais. Sobre esse endividamento, o governo paga juros anuais, taxa Selic, de 6,5%. Nos últimos 10 anos, a dívida pública triplicou. Hoje representa 77% do PIB. A tendência aponta para um aumento ainda maior nos próximos meses, em decorrência de o governo estar capitalizando juros. Isto é, fornecendo mais papeis ao mercado em face de não possuir recursos para pagar cerca de 300 bilhões de reais por ano.
Chama atenção o fato de o governo condicionar a estabilização financeira à reforma da Previdência e omitir que o problema principal não está na Previdência e sim na dívida pública.
Quando se trata de reduzir encargos com pessoal, o caminho é sempre mais curto para o governo. Mas quando se trata de interesse dos bancos, a coisa muda de figura.