domingo, 18 de abril de 2021

Revista Science aponta que governo federal é o maior responsável por erros na pandemia

 

 

Omissão de Bolsonaro conduziu o país ao agravamento da crise

Rafael Garcia
O Globo

O fracasso brasileiro no combate à pandemia pode ser parcialmente atribuído a falhas de gestores públicos em diferentes lugares, mas o peso do governo federal tem um tamanho proporcionalmente muito maior na tragédia. A conclusão é de um estudo assinado por dez cientistas do Brasil e dos EUA, liderado pela demógrafa Márcia Castro, professora da Universidade Harvard, publicado na revista Science, vitrine da ciência mundial.

O trabalho, que mapeou o espalhamento da doença com detalhes no Brasil entre fevereiro e outubro do ano passado, sai na mesma semana em que o Senado prepara uma CPI (comissão parlamentar de inquérito) para investigar a responsabilidade por equívocos na resposta à epidemia.

OMISSÃO E ERRO – Alavancada por outros estudos realizados antes, a pesquisa mostra houve grande variedade na qualidade da resposta à pandemia, e isso é uma marca típica de problemas de “omissão” e “erro” do governo federal, porque o Ministério da Saúde e o SUS são os grandes responsáveis por atenuar as desigualdades regionais nas políticas de saúde.

“Apesar de nenhuma narrativa única explicar a diversidade do espalhamento do vírus no Brasil, uma falha maior em implementar respostas ágeis, coordenadas e equânimes no contexto de desigualdades locais marcantes alimentou a disseminação da doença”, escrevem os pesquisadores que apontam cinco ingredientes capazes de explicar por que o país foi tão mal na resposta à pandemia.

Se o primeiro ingrediente da falha foi a própria desigualdade já instalada no país, outros são problemas mais relacionados ao momento político que o país vive. O segundo problema foi a falta de bloqueios que pudessem evitar o espalhamento da doença entre municípios e estados, porque o Brasil é um país grande e relativamente bem conectado.

FATOR POLÍTICO – O terceiro ingrediente foi o fator político em si, porque cidades e estados governados por aliados do presidente Jair Bolsonaro tomaram menos ações, e a polarização ideológica prejudicou a adesão a medidas.

O quarto elemento (o mais bem documentado no estudo de Márcia Castro) é a falha de testagem e acompanhamento da epidemia, com várias cidades tendo começado a registrar alta nas mortes por Covid-19 antes da alta de casos.

“Isso tem a ver com questões de notificação e de falha na vigilância, porque não faz sentido que seja assim. Os casos precisam aparecer antes das mortes”, diz Castro, lembrando que se estima que o vírus tenha circulado por mais de um mês no país antes de ser detectado.

SINCRONIA – O quinto ingrediente, finalmente, foi a falta de sincronia nas medidas de distanciamento e contenção do vírus. A falta de uma política nacional de distanciamento social ajudou o vírus a encontrar sempre um refúgio onde pudesse crescer, explicam os cientistas.

Questionada sobre a possibilidade do uso de seu estudo como instrumento para a CPI da pandemia, Márcia Castro afirma que as conclusões tiradas ali não foram produzidas com finalidade jurídica, e que este não foi o único estudo científico a apontar as origens dos problemas na política brasileira contra o coronavírus.

“O que estamos mostrando são associações e correlações, mas nenhum desses trabalhos vai apontar uma causalidade definitiva”, diz a cientista.”Mas mesmo não sendo uma causalidade, esses trabalhos se unem num quebra-cabeça, bem complicado, em que todos convergem para a mesma coisa”, afirma.

LEVANTAMENTO –  Entre os trabalhos citados pelo estudo de Castro está o levantamento produzido pela sanitarista Deisy Ventura, da USP, que compilou atos administrativos do governo federal e declarações de Bolsonaro e ministros sobre a Covid-19 para avaliar sua atuação na pandemia. Para a pesquisadora de Harvard, há alguns elementos, como a subutilização da estrutura de saúde do país, que são evidências gritantes de omissão.

“Não há como negar que a rede do SUS não esteja sendo usada e que a estrategia de saúde da família não é envolvida. Os agentes estão até hoje sem treinamento e sem equipamento de proteção”,afirma. “Se os estudos tivessem chegado a conclusões diferentes, seria outra situação, mas essas coisas não são subjetivas. É ciência. Os números estão aqui e não dá para negar”, acrescenta.

APELO POR AÇÃO –  O estudo da Science termina em tom de apelo, afirmando que a situação atual da pandemia agora é ainda mais preocupante, dada a demora do país na campanha de vacinação e à emergência de  variantes mais contagiosas do vírus, como a P.1.

“Sem contenção imediata, medidas coordenadas de vigilância epidemiológica e genômica e um esforço para vacinar o maior número de pessoas o mais rápido possível, a propagação da P.1 provavelmente vai emular o padrão mostrado aqui (no estudo), levando a uma perda de vidas inimaginável”, escrevem os cientistas

Nenhum comentário:

Postar um comentário