Irmãos empresários e financiadores de campanhas no Maranhão são
suspeitos de homicídio, mas têm liberdade garantida por amigos políticos
e magistrados do TJ.
Outdoors espalhados em São Luís (MA), Imperatriz (MA), Anápolis (GO) e
Brasília fazem lembrar um crime brutal que muita gente poderosa no
Maranhão tenta esquecer – e esconder. Ezir Souza Leite Júnior, 22 anos,
casado e pai de dois filhos, foi sequestrado no dia 13 de janeiro de
1995 por jagunços do armazém Nádia, maior concorrente de sua família nos
negócios em Imperatriz. Quatro dias depois, Ezir Júnior foi enforcado e
enterrado numa cova rasa nos fundos de uma chácara. Apontados como
mandantes do crime, Hassan Yusuf, dono do Nádia e de um império em
fazendas e armazéns atacadistas, e seu irmão Jamal continuam tocando os
negócios como se nada tivesse acontecido. Eles estão certos da
impunidade. A liberdade dos irmãos empresários é assegurada por amigos
importantes no Tribunal de Justiça do Maranhão e também nos principais
grupos políticos do Estado. ISTOÉ teve acesso a oito fitas com o
conteúdo de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça e gravadas nos
últimos meses. Elas mostram que a morte de Ezir Júnior esconde um crime
que pouca gente quer ver solucionado.
Diálogos mostram que o secretário de Segurança Pública do Maranhão,
Raimundo Cutrim, montou uma apuração paralela para impedir que a
investigação chegasse em Hassan e respingasse no senador Edison Lobão
(PFL-MA), amigo e um dos principais beneficiários de doações de campanha
feitas pelo empresário. Cutrim mandou até investigar os promotores de
Imperatriz que cuidam do caso. “Não querem que cheguemos aos verdadeiros
culpados”, afirma o promotor Luiz Muniz, ameaçado de morte. Outros
diálogos gravados mostram como Hassan, o rei do atacado no Norte e
Nordeste, transporta cargas pelas estradas da região sonegando,
subornando e alardeando a proteção de amigos influentes.
O caso, investigado pelas polícias federal, civil e militar, só tem
uma pessoa presa até agora: o desempregado Raimundo Alves, o Guina, que
cuidava da chácara na ocasião do sequestro e do crime. Os “peixes
grandes”, como são chamados nas fitas os demais envolvidos no
assassinato, continuam soltos.
Renascimento – O esquema para acobertar os irmãos Hassan e Jamal só
veio à tona porque Benito Miranda Muradás dado como morto “ressuscitou”.
Benito, ex-capanga do empresário, foi aconselhado a desaparecer. Um
corpo totalmente carbonizado foi reconhecido por Hassan como o do
empregado. Benito, preso em Natal (RN), denunciou a trama aos promotores
de Imperatriz. Contou em detalhes como o sequestro de Ezir Júnior foi
planejado por seus ex-patrões. Um carro e duas armas de propriedade dos
irmãos foram usados no sequestro. Benito acusou os Hassan e Jamal de
serem sócios do ex-deputado estadual José Gerardo, preso e investigado
pela CPI do Narcotráfico como cabeça de uma quadrilha de roubo de cargas
e assassinatos. Mas a rede de proteção aos “irmãos sírios”, como são
conhecidos, é forte e influente no Estado.
Amizades influentes – Amigo da corte maranhense, Hassan é um dos
maiores financiadores de campanhas no Estado. Segundo o Ministério
Público, contribuiu para as eleições de Edison Lobão, de sua mulher, a
deputada Nice Lobão (PFL-MA), e da governadora Roseana Sarney. Ele é
amigo de Fernando Sarney, que cuida dos negócios da família do senador
José Sarney (PMDB-AP), pai da governadora. Hassan foi coordenador
financeiro da campanha do prefeito de Imperatriz, Ildon Marques (PMDB),
indicando até o vice da chapa, o filho do senador Lobão, Luciano. Numa
conversa recente, Hassan resumiu sua relação umbilical com o amigo: “Meu
nome está ligado com o do senador. Qualquer besteira que eu fizer, vai
sujar o nome dele.”
Hassan também é amigo do secretário de Segurança Pública Raimundo
Cutrim. O secretário, quando soube que Benito havia sido preso e que
incriminara o amigo, despachou para Natal um delegado de sua confiança:
Paulo Márcio Tavares da Silva. Um relatório reservado assinado por
Geraldo Luiz de Albuquerque, chefe da Delegacia de Homicídios de Natal,
denunciou a missão do delegado enviado de Cutrim. “Sempre que o nome de
Hassan Yusuf era ventilado”, diz o documento, “o delegado Paulo Tavares
demonstrava falta de interesse em explorar o assunto.” No início de
novembro, Benito decidiu seguir o conselho que mais ouvia. Em depoimento
a um juiz de Natal, sem a presença de representantes do Ministério
Público do Maranhão, mudou a versão e inocentou Hassan. Dois dias
depois, fugiu misteriosamente do presídio de Alcaçuz, em Natal. Na
verdade, durante o último mês, Benito foi mantido em cativeiro. Na
madrugada da sexta-feira 8, ele apareceu assassinado com 20 tiros.
No Judiciário maranhense, Cutrim também conta com aliados. As prisões
de Hassan e Jamal, pedidas pela juíza Cleonice Nascimento, da 2ª Vara
Criminal de Imperatriz, vêm sendo negadas pelo Tribunal de Justiça. O
desembargador José Pires da Fonseca, que concedeu habeas-corpus em favor
dos irmãos, é tio de um juiz do Fórum de Imperatriz. O próprio
presidente do Tribunal de Justiça, Jorge Rachid, nomeado para o tribunal
pelo então governador Edison Lobão, tentou transferir Benito para
Imperatriz à revelia do Ministério Público. Ele conseguiu fugir antes.
“Hassan só está livre por causa das amizades com políticos, como Lobão, e
juízes, como o presidente do TJ”, comenta Ezir de Souza Leite, pai de
Ezir Júnior. “Existe uma rede de proteção a Hassan. Lobão é muito
influente na Justiça do Maranhão”, afirma o deputado federal Sebastião
Madeira (PSDB-MA).
Vazamento – Raimundo Cutrim começou a vazar informações confidenciais
sobre o caso e seus envolvidos para o ex-secretário de Segurança
Pública no governo Lobão, coronel Guilherme Ventura. Com muitos negócios
em Imperatriz, onde preside o Sindicato Rural, Ventura passou a se
empenhar para salvar a pele dos acusados, entre eles Francisco Machado
Portela, o Dourado, apontado como agenciador dos sequestradores e braço
direito de Hassan. Numa das conversas com Dourado, Ventura revelou seu
trunfo.
– Falei com o Lobão e a coisa está resolvida. Inclusive o Hassan
estava junto. Não posso falar mais por telefone, mas pode ficar
despreocupado.
Depois da prisão do ex-capanga Benito, Cutrim e Ventura passaram a se
falar diariamente. Numa conversa, Cutrim admitiu a culpa dos irmãos
Yusuf e demonstrou sua preocupação com as investigações.
– O irmão (Jamal) tem (envolvimento). Eu acredito que ele (Hassan)
soube depois. A campanha vai ser muito grande em cima do Lobão.
O coronel Ventura concordou:
– O mal já foi feito. O Lobão já foi atingido. A eleição (em Imperatriz) está perdida.
Suborno – Flagrado em animadas conversas ao telefone, algumas delas
em árabe, o empresário Hassan fala da liberação de cargas, de suborno a
fiscais rodoviários e explica a seus funcionários como se livrar da
Receita, sempre com o conhecimento de autoridades maranhenses. Sua maior
preocupação é com o posto fiscal em Estreito, na divisa com Tocantins,
por onde passam mercadorias para o sul do país.
– Não dá pra passar esse creme dental? – pergunta Hassan, durante num telefonema.
– O que você quiser chefe.
– Paga alguma coisa para o pessoal passar sem carimbar. Dá para cada um R$ 50, R$ 100…
As conversas misturam negócios ilícitos com as eleições municipais
ocorridas em outubro último. Em outro telefonema, também antes das
eleições, Hassan diz que é preciso acionar os amigos para evitar que
seus caminhões sejam parados no posto de Estreito.
– Cadê o João Alberto (Souza, senador do PMDB-MA)? – quis saber Hassan.
– Não consegui falar com ele ainda – responde seu interlocutor.
– Tô estranhando. Como é que eu consigo falar com o Lobão a qualquer hora?
– Com você é diferente.
– Mês que vem tenho certeza que a coisa vai amolecer. Acho que ela (a
governadora Roseana) vai chamar a gente pra uma conversa. Ela vai
lançar candidato próprio, do PFL, aqui (Imperatriz) e lá (São Luís). Se
lançar, ela vai procurar a gente.
O senador Edison Lobão nega conhecer os negócios ilícitos do amigo e
garante que nunca intercedeu em seu favor no caso Ezir Júnior. “Se o
Hassan teve participação no crime, deve ser punido”, recomendou o
pefelista.
Cada vez mais próspero, e sem ser incomodado, Hassan continua morando
em Imperatriz. Seu irmão Jamal cuida dos negócios da família em
Anápolis. A “turma do sírio”, como é chamado o grupo político que
gravita em torno do empresário sob suspeita, continua assegurando seus
mandatos, mas não como antes. Nas urnas, a memória de Ezir Júnior já fez
diferença. O prefeito Ildon Marques, mesmo apoiado por Hassan, perdeu a
reeleição em Imperatriz. Foi derrotado pelo candidato do PT, Jomar
Fernandes.
Colaborou Andrei Meireles (DF)
Fugindo do cerco
Hassan Yusuf e o deputado federal Francisco Coelho (PFL-MA) andaram
preocupados com um amigo comum, Wilson Mateus Rodrigues, ex-motorista de
caminhão que hoje é um dos homens mais ricos da região. E foi por
telefone que eles combinaram como tentar fugir ao cerco contra as
irregularidades.
PRESSÃO Murad atrás de bode expiatório
– Fala, deputado! – saúda Hassan.
– Tive uma reunião com a governadora (Roseana) e falei bem dele. Fui
tomar café com o Jacinto (Oswaldo dos Santos Jacinto, secretário de
Fazenda e primo do senador João Alberto Souza) e ele estava muito
preocupado com nosso amigo de Balsas. Estão fechando o cerco e ele
continua no mesmo estilo. Tentei falar com o (senador) João Alberto, sei que ele demonstra muito interesse.
– Eu avisei.
– Uma reincidência ali, do mesmo jeito, nos mesmos volumes, é
complicadíssimo. O Jorge (Murad, secretário de Planejamento) vive
querendo pegar um de bode expiatório. Falei com o nosso amigo (Jacinto):
tu sabe das implicações se isso chegar lá.
– Falei com ele: já pegaram fulano…
– Amanhã, qual a moral que tu, amigo do Lobão, vai ter quando ele for governador e tu segurando…
– Isso é verdade.
– Não tá na hora de dar uma organizada? Tá cheio de fiscalzinho em
Balsas comprando fazenda. Pega mal demais. E termina respingando em todo
mundo.
R.M.
( Do Portal Coelho Neto )
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