Do site do Jornal Nacional

Começa
nesta semana, no Supremo Tribunal Federal (STF), um dos principais
julgamentos da vida política do Brasil: o escândalo conhecido como
mensalão. Ele foi revelado pela imprensa há sete anos. Motivou
investigações pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pelo
Congresso. A acusação do procurador-geral da República é de que
políticos e partidos aliados ao governo do presidente Lula receberam
dinheiro em troca de apoio no Congresso Nacional. Nesta segunda (30) e
nesta terça (31), o Jornal Nacional vai relembrar o surgimento e a
evolução do caso. Os fatos que ajudam a entender tanto as acusações
quanto os argumentos dos advogados de defesa dos 36 réus.
A
história se desenrolou no subterrâneo do mundo da política. O ano era
2005 e a acusação era de que deputados vendiam apoio político ao governo
do presidente Lula em troca de uma mesada.
O
escândalo começou com a divulgação de um vídeo, pela revista Veja, no
dia 14 de maio de 2005. O então funcionário dos Correios Maurício
Marinho aparecia recebendo propina e contando sobre um esquema montado
dentro dos Correios para desvio de dinheiro dos contratos com outras
empresas. “Aqui nós somos três que trabalhamos fechado. Os três são
designados pelo PTB, pelo Roberto Jefferson”, disse Maurício Marinho.
Roberto
Jefferson era deputado federal e presidente do PTB. Ao ser acusado no
esquema dos Correios, resolveu denunciar, em uma entrevista bomba ao
jornal Folha de S. Paulo, a existência do mensalão. Segundo ele,
deputados do PP e do PL, atual PR, recebiam R$ 30 mil por mês para votar
os projetos de interesse do governo Lula. No dia 7 de julho, o PL
reagiu: pediu a cassação de Roberto Jefferson.
O
assunto paralisou o Congresso. Ao se tornar alvo de investigação pelos
colegas deputados, Roberto Jefferson reforçou a denúncia do mensalão.
Para
o plenário lotado do Conselho de Ética, Roberto Jefferson disse que
recebeu R$ 4 milhões do PT sem declarar à Justiça Eleitoral e que tinha
contado ao então Chefe da Casa Civil, José Dirceu, tudo sobre o mensalão
e a participação do tesoureiro do PT, Delúbio Soares.
“Zé,
tem um negócio ruim que está acontecendo. Partidos da base estão
distribuindo para os deputados um mensalão de R$ 30 mil”, disse Roberto
Jefferson.
Mas inocentou o Presidente Lula. “A reação do presidente foi como se tivesse levado uma facada nas costas”, afirmou.
E
usou um estilo teatral para dar um conselho a José Dirceu em tom de
ameaça: “Zé Dirceu, se você não sair daí rápido, vai fazer réu um homem
inocente que é o presidente Lula”.
Poucos
dias depois, em 16 de junho, o ministro-chefe da Casa Civil caiu. “Não
me considero fora do governo, me considero parte integrante do governo. O
governo do presidente Lula é a minha paixão, é a minha vida, e eu, ao
sair, deixo aqui parte da minha alma, do meu coração. Todos sabem, mas
não deixo a minha alma, ela vai comigo para luta, eu sei lutar”,
declarou José Dirceu na ocasião.
Naquelas
semanas, três comissões parlamentares de inquérito funcionavam ao mesmo
tempo, em Brasília. Depoimentos eram colhidos quase todos os dias. E
mesmo o deputado Roberto Jefferson ainda tinha o que contar na CPI dos
Correios.
O personagem central da
história apareceu de olho roxo, segundo ele por causa de um acidente
doméstico. Ele estava disposto a fazer novas revelações. “Vejo que
muitos que ontem exorcizavam aqueles fantasmas agora se abraçam com
eles”, declarou Roberto Jefferson em 30 de junho de 2005.
Ele
contou que o dinheiro do mensalão era pago no Banco Rural. E que
assessores dos parlamentares eram encarregados de buscar a propina na
agência. “Subiam até o escritório do banco para receber entre R$ 20 e R$
60 mil”.
Um dos saques, de R$ 50 mil, foi feito pela mulher do deputado João Paulo Cunha, do PT, que na época era presidente da Câmara.
E
assim surgiu a figura de Marcos Valério, um empresário da área de
propaganda, de Minas Gerais, e que seria o responsável pelo dinheiro do
mensalão.
As contas de das duas
principais agências de Marcos Valério movimentaram mais de R$ 25 milhões
entre 2003 e 2004. Para tentar justificar tanto dinheiro que saía das
contas dele, Valério contou que tomava empréstimos bancários e repassava
o dinheiro para o PT pagar despesas de campanhas eleitorais. Disse
também que foi avalista de um dos empréstimos do partido, no valor de R$
2,4 milhões. Mas negou qualquer irregularidade. “Eu desconhecia o
assunto mensalão”, disse ele.
Além de
Valério, foram avalistas do empréstimo três dirigentes do partido dos
trabalhadores: José Genoino, então presidente do PT, o tesoureiro
Delúbio Soares, e Sílvio Pereira, secretário-geral.
O
presidente do PT apresentou uma explicação para a assinatura dele ao
lado do nome de Marcos Valério no contrato dos empréstimos. José Genoíno
disse que tinha assinado os documentos sem ler. “Esse empréstimo teve o
aval do Marcos Valério, eu assinei em confiança ao companheiro Delúbio,
e no PT é normal os dirigentes assinarem cheque, assinarem contrato em
confiança a outro dirigente. Eu não conhecia Marcos Valério, a relação
dele é com o Delúbio, eu assinei em confiança ao Delúbio”, disse José
Genoíno no dia 3 de julho de 2005.
No
Congresso, a explicação do PT era que o esquema se tratava de caixa
dois, dinheiro não declarado à Justiça Eleitoral, e não de mensalão. “O
PT, durante 2003 e 2004, usou recursos não contabilizados para quitar
dívidas das nossas campanhas. Todos nós sabemos como é feito uma
campanha eleitoral”, afirmou Delúbio Soares no dia 20 de julho de 2005.
No
fim de julho, o Jornal Nacional revelou que Silvio Pereira tinha
recebido de presente um carro de uma empresa que tinha negócios com a
Petrobras, a construtora GDK. Era um veículo importado: um Land Rover
Defender, no valor de R$ 80 mil.
No mesmo mês, Delúbio Soares, José Genoíno e Silvio Pereira acabaram tendo que se afastar da direção do PT.
E
um novo personagem apareceu: o publicitário Duda Mendonça admitiu
publicamente que recebia pagamentos do PT em uma conta bancária fora do
Brasil, que teria sido aberta por ordem de Marcos Valério. Ele admitiu
que era pago com dinheiro não declarado. “Não podia emitir nota fiscal.
Está na cara que esse dinheiro não é oficial”, afirmou Duda Mendonça.
O
escândalo atingiu, então, o ex-ministro da Secretaria de Comunicação.
Luiz Gushiken foi acusado de mandar o Banco do Brasil assinar contrato
de publicidade, sem licitação, com a empresa DNA, de Marcos Valério, e
pagar antecipadamente mais de R$ 20 milhões à empresa. Em meio às
denúncias, Gushiken acabou saindo do governo.
Em
2011, depois de concluir a investigação, o procurador-geral da
república, Roberto Gurgel, pediu a absolvição do ex-ministro Gushiken ao
STF, por considerar que não havia provas contra ele.
No Congresso, um dos momentos mais marcantes: o autor das denúncias e um dos principais acusados ficaram frente a frente.
O
dia era 2 de agosto. Conselho de Ética. O depoimento era do ex-ministro
José Dirceu, acusado de ser um dos responsáveis pelo mensalão. E, na
primeira fila da plateia, estava o autor das denúncias. Os ataques foram
bem diretos.
José Dirceu: “Não organizei, não sou chefe. Jamais permitiria compra de voto e pagamento de parlamentares”.
Roberto Jefferson: “Tratei de todos os assuntos com Vossa Excelência, deputado José Dirceu. Os assuntos republicanos e os não republicanos”.
José Dirceu: “Não é verdade! O senhor está mentindo”.
Roberto Jefferson: “Tenho medo de Vossa Excelência, porque provoca em mim os instintos mais primitivos”.
Nove
semanas tinham se passado desde o surgimento do escândalo. Foi quando o
então Presidente Lula falou sobre o assunto, durante uma viagem a
Paris.
A entrevista foi divulgada em
primeira mão pelo Fantástico no dia 17 de julho de 2005. “Doa a quem
doer, vamos continuar implacáveis com a apuração da corrupção. O PT tem
que explicar para a sociedade brasileira que erros cometeu. O que o PT
fez no ponto de vista eleitoral é feito em todo país sistematicamente”,
afirmou Lula.
Menos de um mês depois,
o presidente voltou à televisão, desta vez em um pronunciamento em
cadeia nacional. “Quero dizer a vocês, com toda a franqueza, eu me sinto
traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive
conhecimento”, declarou Lula em 12 de agosto de 2005.
Mas
não disse quem o havia traído. E, sem usar a palavra mensalão, Lula
admitiu que o partido e o governo tinham errado. “Nós temos que pedir
desculpas. O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que
pedir desculpas”, disse.
No
Congresso, deputados tentavam salvar seus mandatos ou pelo menos evitar a
perda dos direitos políticos. Quatro renunciaram: Valdemar da Costa
Neto e Carlos Rodrigues, os dois do antigo PL; José Borba, do PMDB; e
Paulo Rocha, do PT. Três foram cassados: Roberto Jefferson do PTB; José
Dirceu, do PT; e Pedro Côrrea, do PP.
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