quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Sistema francês não é suficiente para sustentar o volume de indivíduos que vivem à sombra do Estado.



João Luiz Mauad (Diário do Comércio)


A grande nação francesa, terra de tantas belezas, delícias e homens admiráveis, parece estar num beco sem saída. Já se vão mais de 60 anos de “socialismo light”, cujo preço está sendo cobrado agora. Falei em “socialismo light”, mas malgrado sua concepção eminentemente coletivista, o modelo social-democrata francês, erguido após a Segunda Guerra, manteve a estrutura capitalista, ao menos no sentido de que a propriedade privada dos meios de produção foi preservada, ainda que concentrada nas mãos de poucos e fortemente regulada pela burocracia.




O famigerado “capitalismo selvagem” foi substituído por um sistema híbrido, que combina grandes conglomerados industriais e financeiros, frequentemente patrocinados e tutelados pelo Estado, uma agricultura altamente subsidiada, além de empresas miúdas – quase sempre comerciais ou de prestação de serviços.
Tal modelo, embora bem mais eficiente que o comunismo outrora existente atrás do Muro de Berlim, não tem sido suficiente para sustentar o enorme contingente de indivíduos vivendo à sombra do Estado. A alternativa de sucessivos governos, à direita e à esquerda, tem sido financiar os generosos “direitos” com impostos cada vez mais altos sobre a parcela produtiva da sociedade, além de uma enorme e crescente dívida pública.
Vejam o tamanho do problema: segundo reportagem de Sylvain Charat para a Revista Forbes, 11,2 milhões de franceses receberam algum pagamento do estado de bem-estar em 2009, numa população total de 65,3 milhões. Como esses donatários têm famílias, estima-se que mais de 35 milhões de indivíduos são beneficiados, direta ou indiretamente, por esses pagamentos. Falamos aqui, pois, de mais de 50% da população.
Com tanto dinheiro derramado em programas de bem-estar, seria de se esperar algum retorno social do investimento, além da melhoria paulatina das condições de vida dos cidadãos, mas isso parece não ocorrer, pelos indicadores do próprio governo. Os índices de pobreza, por exemplo, são teimosos. Em 1990, 13,8% da população francesa estavam abaixo da linha da pobreza. Após 20 anos, em 2009, o percentual era de 13,5%.
O principal programa de benefícios do sistema de bem-estar francês chama-se Renda de Solidariedade Ativa. Criado em 1989, com o não menos pomposo nome de “Renda Mínima de Inserção”, o programa abrangia um volume de 370 mil pessoas. Depois de 20 anos, em 2009, o mesmo benefício era distribuído a um contingente perto de 1,7 milhão de pessoas. Ora, se o número de necessitados não para de crescer, o mínimo a se inferir é que há algo errado.
Na prática, por qualquer ângulo que se olhe, o sistema de bem estar francês é um fracasso, cujas causas a boa teoria econômica explica. Nesse modelo, apesar das boas e belas intenções, não há incentivos ao trabalho árduo e, consequentemente, para a criação e multiplicação da riqueza. A França, para tristeza de muitos que, como eu, aprenderam a admirá-la, parece ter mergulhado, definitivamente, numa armadilha sem volta – a armadilha da pobreza.
ARMADILHA
Vejamos como funciona esta armadilha, na prática, de acordo com a reportagem da Forbes. Suponha uma mãe desempregada, que vive sozinha com dois filhos menores, entre seis e dez anos de idade – em 2010, havia 284.445 famílias francesas nesta situação, amparadas pelo sistema de bem-estar. A esta mulher será fornecida a “Renda de Solidariedade Ativa”. Como ela tem dois filhos, o valor total será de 1.100 euros. Além disso, ela mora de aluguel e terá direito a um benefício de 620 euros, a título de “Ajuda de Habitação”. Há ainda o “Abono de Família”, equivalente a mais 160 euros. Finalmente, receberá uma “Provisão para o início do ano letivo”, no valor de 750 euros, uma vez por ano, ou US $ 62,50 por mês. Somando tudo, ela receberá do Estado provedor um total de 1.942,50 euros por mês. Nada mal!
Agora, digamos que esta mulher encontre trabalho, ao preço de um salário mínimo, equivalente a 1.820 euros brutos, ou 1.430 euros após deduzidos os tributos. Empregada, ela não receberá mais o “Rendimento de Solidariedade Ativa” e a “Ajuda Habitação” será reduzida para 460 euros, embora permaneçam o “Abono de Família” e o “subsídio para o início do ano letivo”. Tudo somado, sua renda total passaria para 2.112,50 euros mensais.
Fechadas as contas, o emprego novo traria à família uma renda adicional de apenas 170 euros. Entretanto, esse acréscimo provavelmente seria consumido com despesas inerentes ao próprio trabalho (transporte, alimentação, etc.). Em qualquer caso, a pequena diferença não seria incentivo suficiente para que ela voltasse a trabalhar. Entre o ócio remunerado e o trabalho, a escolha parece simples.
Como resolver o problema? Difícil dizer, especialmente quando se levam em conta noções de direito adquirido e outras filigranas jurídicas e institucionais mantenedoras do f status quo. Que o caso francês sirva de exemplo para um certo país tropical.

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