segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Aprendiz de Sarney

Por Mary Zaidan
Olhos mareados, voz embargada, choro. Não fosse um rol de deslavadas mentiras, o discurso de José Sarney na última sessão em que presidiu o Senado seria de fazer orgulho. A ele, ao Parlamento, ao País.
Mas qual o quê. Nele, deu como obra feita o que não fez. Mais ainda, encheu de elogios o novo presidente da Casa Renan Calheiros, antes mesmo de ele ser eleito. Desrespeitou seus pares, que, por sua vez, desrespeitaram o Legislativo e os eleitores que representam ao ungir alguém que já renunciara ao mesmo cargo para não ser cassado, e que acaba de ser denunciado pelo Ministério Público por três crimes: peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso.
Não se sabe quanto tempo Renan ficará no posto. Mas, mesmo sendo hábil, dificilmente conseguirá bater o imbatível Sarney.
Com quase 83 anos de idade, 58 de vida pública, Sarney, com senso de autoproteção apuradíssimo, sempre conseguiu estar do lado certo: o seu.
Chegou à Câmara dos Deputados em 1955 pelo PSD. Mudou-se rapidamente para a UDN, agremiação arquirrival.
Foi da Arena, partido de apoio dos governos militares, e integrou a Frente Liberal que formou com o PMDB a Aliança Democrática que elegeu Tancredo Neves no último Colégio Eleitoral parlamentar, realizado após a derrota da emenda das Diretas-já. Virou vice de Tancredo, subiu ao Planalto. Passou a mandar no PMDB.
Sempre no lugar certo na hora certa. Para ele e os seus. Nem aos maranhenses foi fiel. Em 1990, trocou seu estado natal pelo Amapá para garantir o governo do Maranhão à filha, ampliando os poderes do clã.
Aliou-se a Fernando Collor e desaliou-se. Firmou lealdades diversas, de FHC a Lula, esse último um ex-crítico mordaz que, rapidamente, passou a lhe fazer mesuras. Dilma Rousseff completa a lista dos Sarney-dependentes.
Intocável, vai assombrar para sempre.
Talvez se imagine primeiro-ministro e, por isso, tenha feito uma extemporânea defesa do parlamentarismo. Logo ele, que, há 25 anos, se opunha aos constituintes que no primeiro projeto da Carta optaram por esse sistema de governo.
Rejeitado no plebiscito de 1993, o parlamentarismo é adotado nas democracias mais avançadas do mundo. Mas é inviável quando se tem um Congresso que não se dá ao respeito. Que não perde uma só oportunidade para se desmoralizar.
Renan e a maioria absoluta que nele votou que o digam.
O faro para odores mais convenientes Renan também tem. Foi fundador do PSDB, homem de confiança de Collor, ministro de FHC, presidente do Senado na era Lula e, agora, de Dilma. Mas, perto de Sarney, impune e imune, é um aprendiz.
E é isso o que mais assusta.

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