Se houve fraude ou não na eleição para
governador do estado em 2010, no qual a governadora Roseana Sarney
sagrou-se vitoriosa, só uma investigação profunda pode esclarecer. No
entanto, não é possível mais afirmar com tanta convecção, depois dos
indícios consistentes de irregularidades nos últimos pleitos, de que o
processo eleitoral brasileiro é totalmente seguro.
O relato de um
jovem hacker de 19 anos feito no dia 12 de dezembro do ano passado,
durante seminário “A urna eletrônica é confiável?”, promovido por
institutos de estudos políticos no Rio de Janeiro, demonstrou por A mais
B que é possível fraudar uma eleição.
Identificado
apenas como Rangel por questões de segurança, o hacker mostrou como —
através de acesso ilegal e privilegiado à intranet da Justiça Eleitoral
no Rio de Janeiro, sob a responsabilidade técnica da empresa Oi –
interceptou os dados alimentadores do sistema de totalização e, após o
retardo do envio desses dados aos computadores da Justiça Eleitoral,
modificou resultados beneficiando candidatos em detrimento de outros –
sem nada ser oficialmente detectado.
“A
gente entra na rede da Justiça Eleitoral quando os resultados estão
sendo transmitidos para a totalização e depois que 50% dos dados já
foram transmitidos, atuamos. Modificamos resultados mesmo quando a
totalização está prestes a ser fechada”, explicou Rangel, ao detalhar em
linhas gerais como atuava para fraudar resultados. O hacker que está
vivendo sob proteção policial e já prestou depoimento na Polícia
Federal, declarou que não atuava sozinho: fazia parte de pequeno grupo
que – através de acessos privilegiados à rede de dados da Oi – alterava
votações antes que elas fossem oficialmente computadas pelo Tribunal
Regional Eleitoral (TRE).
Um dos
beneficiários diretos da fraude seria o atual presidente da Assembléia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), o deputado Paulo Melo
(PMDB).
Suspeita nas urnas do MA
Alguns
dias após a eleição de 2010, o ex-candidato ao governo, Flávio Dino (PC
do B), segundo colocado no pleito, com 856.402 votos (29,49%),
comunicou ao MPE “possível irregularidade” em Paço do Lumiar e Raposa,
onde foram usadas urnas biométricas. Usadas em 60 cidades, as urnas
biométricas identificam eleitores por impressão digital.
A
coordenação da coligação de oposição “Muda Maranhão” (PCdoB, PSB e
PPS), que teve como candidato ao governo o presidente da Embratur Flávio
Dino, recebeu um relatório com os detalhes da eleição para governador
no Estado.
Flávio
Dino (PCdoB) ficou a apenas 4.877 votos de disputar o segundo turno com
Roseana Sarney (PMDB), reeleita em primeiro turno com 50,08% dos votos
válidos. A diferença de 0,08% de votos dados a Roseana em relação à soma
dos votos de Dino e dos outros quatro candidatos – Jackson Lago (PDT),
Saulo Arcangelo (PSOL), Marcos Silva (PSTU) e Josivaldo Correa (PCB) –
levou a coligação “Muda Maranhão” a pedir, na época, ao TRE o acesso aos
chamados “logs” de todas as urnas.
Os
logs contêm as informações sobre tudo o que ocorreu no dia da eleição
em todas as 15.393 seções eleitorais dos 217 municípios maranhenses.
Entre os dados obtidos pela coligação, os horários de início e fim da
votação nas seções e a quantidade de votos dados após as 17 horas,
quando apenas eleitores que aguardavam na fila com senhas distribuídas
pelos mesários em mãos puderam votar.
Um
dos problemas encontrados é a existência de vários votos dados em
sequência em uma mesma seção após as 17 horas, quando a eleição foi
encerrada, com curto espaço de tempo entre um e outro. Como o voto é
secreto, as informações contidas no log não incluem a quem foram dados
os votos de cada urna. Em uma das seções eleitorais da cidade de São
José de Ribamar houve 26 votos após as 17 horas, um atrás do outro, com
um pequeno intervalo de tempo entre eles.
Um
estudo da área jurídica da ex-coligação de Dino (Muda Maranhão) apontou
que as urnas de Raposa e Paço do Lumiar, mesmo sob sistema biométrico,
foram provavelmente “emprenhadas”.
O
índice de abstenções baixíssimo (6,56% e 7,48%) destoa não só da taxa
maranhense (23,9%) como da de outros municípios onde o sistema foi
testado (entre 10% e 12% de abstenção). E ainda: nos dois municípios,
autorizaram que 2.991 eleitores (6,3% do total) depositassem seu voto
mesmo sem terem suas digitais reconhecidas. Roseana Sarney venceu em
Paço, com 52,38% dos votos válidos, e em Raposa, com 51,71%.
Professor explica como ocorre fraude nas urnas
O
professor da Ciência da Computação da Universidade de Brasília, Pedro
Antônio Dourado de Rezende, em entrevista ao site do jornalista Luiz
Azenha, disse que a Justiça Eleitoral sempre restringiu os testes e
avaliações à urna eletrônica. E quando questionada sobre a segurança do
processo de votação como um todo, “ela desconversa”. Sempre confunde o
entendimento da questão com o da urna simplesmente.
De
acordo com ele, a fraude descrita no seminário pelo hacker não tem nada
a ver com a questão do TSE utilizar ou não criptografia no processo, ou
se a utiliza bem ou mal.
“A
criptografia opera apenas em canais de comunicação, no tempo ou no
espaço. No caso em questão, nos canais entre o gateway de saída de um
ponto de coleta de Boletins de Urna (BU) eletrônicos, no cartório
eleitoral que os recebe de seções eleitorais, e o gateway da rede
interna do TRE (Tribunal Regional Eleitoral), onde se inicia o
processamento da totalização. A modalidade de fraude que o jovem Rangel
descreveu no seminário ocorre dentro da rede interna do TRE que totaliza
a eleição, na etapa final da fase de totalização, através de um
backdoor no firewall que protegeria o correspondente gateway. A fraude é
executada alterando-se as tabelas de totais parciais. Portanto, após os
BUs eletrônicos terem sido descriptografados (decifrados) e os números
de votos por candidato para a seção eleitoral correspondente terem sido
lidos do resultado desta decifragem e tabulados em uma planilha de
totais parciais da eleição. Consequentemente, após o uso da
criptografia”, afirmou.
Segundo Pedro
Rezende, as fraudes se dão por meio de pregões virtuais para leiloar
lotes de votos a serem burlados em tempo real, durante a totalização.
“Em termos leigos, assim: é através de uma porta de fundo oculta
(backdoor) na barreira externa de proteção (firewall) operada por uma
companhia telefônica, que controla canais de comunicação para a rede
virtual privada (VPN) da Justiça Eleitoral. Por meio dessa porta oculta
se tem acesso aos computadores da rede interna ao Tribunal Regional,
onde é processada a totalização. Por meio de um nome de usuário (ID) e
senha vazados por quem organiza o leilão, ali ele burlava votos,
executando a venda dos lances arrematados, durante as últimas duas horas
da fase de totalização, isto é, entre aproximadamente 19 e 21h do dia
da votação,” contou o professor.
Abaixo, trechos da entrevista do professor da UNB ao blog Viomundo.
Viomundo – Daria para traduzir pro “leiguês” como esse tipo de fraude é praticado?
Pedro Rezende
– Segundo o Rangel, nesse tipo de pregão, o lote de votos que será
retirado de um ou mais candidato-vítimas corresponde a um terço ou à
metade dos votos obtidos numa parcial de totalização por essas vítimas.
Esse lote é oferecido em leilão, com preço mínimo.
Pelo
que eu pude entender, complementado por outros depoimentos como o do
delegado Neto, o preço mínimo do lote varia conforme o cargo, a
porcentagem de seções eleitorais acumuladas para aquela parcial de
totalização e a posição das vítimas no ranking da totalização geral
divulgada até ali. Os lances, por telefone, precisam ser comunicados em
código, via nomes de animais, ou são invalidados se o participante na
linha falar diretamente em dinheiro. Quando o lance mínimo é coberto e o
lote arrematado, os votos correspondentes ao lote são subtraídos
diretamente do montante obtido pelos candidato-vítimas nessa parcial de
totalização, e somados ao montante correspondente do candidato que
arrematou o lote.
O perfil de
permissões do usuário, cujo ID e senha são vazados por quem organiza o
leilão para quem vai operar um pregão nesse leilão (o Rangel não seria o
único), dá a este operador a capacidade de congelar a inclusão desta
parcial no total geral divulgado.
Essas
parciais de totalização devem periodicamente ser alimentadas pelo
tribunal regional ao TSE, através do canal de VPN entre o TRE e o TSE,
já que nessa eleição o TSE, por motivos não divulgados, centralizou as
divulgações dos totais gerais para cada Estado, enquanto iam se
acumulando ao longo da fase de totalização. A parcial de totalização
sobre a qual se oferecem lotes fica então congelada para essa
transmissão até o arremate dos lotes oferecidos e à execução das
manipulações correspondentes aos lotes que foram arrematados.
Assim,
pelo que entendi da explicação do jovem Rangel e de outros no
seminário, via de regra, as manipulações nos totais parciais por
candidato, relativas aos lotes de votos arrematados no pregão, não são
redistribuídas depois em correspondentes parcelas de BUs que compõem em
soma aquela parcial, o que seria necessário para manter a consistência
da totalização oficial.
É por isso
que, neste caso, os BUs impressos não permitem detectar manipulação
alguma, pois esses vão coincidir — a menos que eventualmente haja outra
forma de fraude executada em fase anterior — com as correspondentes
versões eletrônicas. Somente a soma dos dados de todos BUs eletrônicos,
que depois são divulgados pelo TRE, comparada ao total de votos do
candidato na totalização final pronunciada como resultado oficial, é que
poderia detectar inconsistência na soma. No seminário, quando
questionado sobre essa possibilidade de detecção, o jovem Rangel
declarou que os leiloeiros não se preocupam com ela porque “ninguém faz
essa soma”.
Viomundo – Isso faz sentido?
Pedro
Rezende – Para mim, sim, devido à forma como a Justiça Eleitoral
divulga oficialmente os BUs eletrônicos, tornando impraticável essa
verificação. A divulgação, pela internet, é em momento e endereço não
anunciados previamente, e dentro de um prazo elástico – na eleição de
2010 era de 24 horas, na de 2012 saltou para três dias. E depois da
divulgação do resultado oficial, e com modo de acesso assaz peculiar,
conforme observo em artigo recentemente publicado.
Explico.
Após esses BUs eletrônicos serem disponibilizados, o tempo que se tem
para efeito de prova de irregularidade na soma divulgada como resultado
oficial é de até 72 horas. Só que a gente não fica sabendo exatamente
quando isso acontece, pois a divulgação, pela internet, é em momento e
endereço não anunciados previamente, com modo de acesso manual seção por
seção, via formulário. Parece irracional, mas é desse jeito que
determina a resolução TSE 23.372, em seus artigos 145 e 150, aprovada em
plenário do Tribunal Superior Eleitoral em 14/12/11.
Assim, é praticamente impossível verificar isso com precisão. Razão pela qual ninguém a faz mesmo, como afirma o jovem Rangel.
(PS
do professor nesta sexta feira 14: Se agora, depois da denúncia, alguém
for verificar, poderá encontrar BUs eletrônicos reajustados para
baterem nas somas com o resultado oficial divulgado, em cujo caso o
rastro que comprovaria a denúncia estaria transferido para a
equivalência desses BUs eletrônicos com os BUs impressos na origem.
Nessa eleição de 2012, não sei como ocorreu na região dos Lagos no
Estado do Rio de Janeiro, mas em Niterói soube que esses foram
sistematicamente negados pelos mesários aos fiscais de pelo menos um
partido político.)
Quando se quer
provar que uma soma está correta, não há razão lógica para se publicar
tantas parcelas tão sorrateiramente, em até três dias depois do
resultado. A não ser que o real objetivo seja dificultar a verificação
externa dessa “prova” ou impedir sua utilidade, enquanto se pode afirmar
que ela está disponível a qualquer um. E, de fato, não conheço ninguém
que a tenha feito.
Viomundo — O senhor já sabia dessa possibilidade de fraude ou foi novidade?
Pedro
Rezende — Eu sabia que essa possibilidade era latente a uma análise de
riscos equilibrada do nosso processo de votação. Mas não tinha elementos
concretos para especular ou elaborar honestamente. De um lado, devido
ao ofuscamento com que o seu contexto sempre foi tratado oficialmente.
De outro, como a mídia corporativa sempre prestou serviço a esse
ofuscamento, sempre se fazendo de boba quanto à diferença entre
segurança “da urna eletrônica” e segurança do processo de votação como
um todo. Consequentemente, nesta situação, não convinha, para mim e para
o valor das minhas críticas, nutrir com especulações puramente teóricas
a pecha de paranoico conspiracionista que ambas sempre tentaram me
impingir, ao longo de mais de dez anos de críticas ao nosso processo de
votação. ( Jornal Pequeno )
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