Leonardo Boff
Sempre se diz que a Igreja é “santa e pecadora” e deve ser “sempre
reformada”. Mas não foi o que ocorreu durante séculos nem após o
explícito desejo do Concílio Vaticano II e do atual papa Bento XVI. A
instituição mais velha do Ocidente incorporou privilégios, hábitos,
costumes políticos palacianos e principescos, de resistência e de
oposição, que praticamente impediram ou distorceram todas as tentativas
de reforma.
Só que, desta vez, se chegou a um ponto de altíssima desmoralização,
com práticas até criminosas que não podem mais ser negadas e que
demandam mudanças fundamentais. Caso contrário, esse tipo de
institucionalidade tristemente envelhecida e crepuscular definhará até
entrar em ocaso. Os atuais escândalos sempre houve na cúria vaticana,
apenas não havia um providencial Vatileaks para trazê-los a público e
indignar o papa e a maioria dos cristãos.
Essas perversidades no espaço do sagrado e no centro de referência
para toda a cristandade – o papado – são consequência da centralização
absolutista do poder papal. Um poder absoluto, por sua natureza, limita e
até nega a liberdade dos outros, favorece a criação de grupos de
antipoder, capelinhas de burocratas do sagrado contra outras, promove
adulações e destrói os mecanismos da transparência. No fundo, todos
desconfiam de todos. E cada qual procura a satisfação pessoal da forma
que melhor pode. Por isso, sempre foi problemática a observância do
celibato dentro da cúria vaticana.
Enquanto esse poder não se descentralizar e não outorgar mais
participação de todos os estratos do povo de Deus, homens e mulheres, na
condução dos caminhos da Igreja, o tumor causador dessa enfermidade
perdurará. Desde o tempo da Reforma que se ouve o grito: “reforma na
cabeça e nos membros”. Porque nunca aconteceu, surgiu a Reforma como
gesto desesperado dos reformadores.
ESCÃNDALOS
Para ilustração dos cristãos e dos interessados em assuntos
eclesiásticos, voltemos à questão dos escândalos. A intenção é
desdramatizá-los, permitir que se tenha uma noção menos idealista e, por
vezes, idolátrica da hierarquia e da figura do papa, e libertar a
liberdade para a qual Cristo nos chamou. O cristão tem que ser adulto,
não pode se deixar infantilizar nem permitir que lhe neguem
conhecimentos em teologia e em história para dar-se conta de quão humana
e demasiadamente humana pode ser a instituição que nos vem dos
apóstolos.
Há uma longa tradição teológica que se refere à Igreja como casta
meretriz. Em várias ocasiões, o teólogo J. Ratzinger se reportou a essa
denominação. A Igreja é uma meretriz que toda noite se entrega à
prostituição; é casta porque Cristo, a cada manhã, se compadece dela, a
lava e a ama.
O “habitus meretrius” da instituição, o vício do meretrício, foi
duramente criticado pelos santos padres da Igreja, como santo Ambrósio,
santo Agostinho, são Jerônimo e outros. São Pedro Damião chega a chamar
Gregório VII de “Santo Satanás”. Essa denominação dura nos remete àquela
de Cristo dirigida a Pedro. Por causa de sua profissão de fé, o chama
de “pedra”, mas, por causa de sua pouca fé e por não entender os
desígnios de Deus, o qualificou de “satanás” (Evangelho de Mateus 16,
23). São Paulo parece um moderno falando quando diz a seus opositores
com fúria: “Oxalá sejam castrados todos os que vos perturbam” (Gálatas
5, 12).
Há, portanto, lugar para a profecia na Igreja e para as denúncias dos
malfeitos que podem ocorrer no meio eclesiástico e, também, no meio dos
fiéis.
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