Carlos Chagas
Pena que os jornalões tenham dedicado pouco ou nenhum espaço à sessão de quarta-feira passada, no Senado, quando foi simbolicamente devolvido o mandato de senador a Luiz Carlos Prestes. Sua família, presente, teve na voz de sua viúva, D.Maria, o eco de uma reparação que já fazia tardar.
Foi o senador mais votado do país, proporcionalmente, em todos os tempos. Eleito pelo Rio de Janeiro,então Distrito Federal,em dezembro de 1945, meses depois de libertado após nove anos de prisão infame, encontrou forças para receber 150 mil votos e reorganizar o Partido Comunista, junto com 14 deputados federais eleitos em todo o país.
Curvou-se agora o Senado ao Cavaleiro da Esperança, depois de haver cassado seu mandato em nome do que de mais reacionário existia entre nós, o preconceito ideológico. Na mensagem em que sancionou a lei restabelecendo ainda que tardiamente o mandato de Prestes, a presidente Dilma reconheceu o erro do passado.
SOCIALISMO
Não é preciso concordar com todas as ideias do senador para reverenciá-lo por setenta anos de lutas e perseguições, sofrimento e afirmação de permanente confiança no socialismo. Foi na maior epopeia de resistência contra as oligarquias que ele passou a conhecer o Brasil. Era apenas um rebelde, junto com outros tenentes,apesar de ser capitão, que por 32 mil quilômetros e não 25 mil, mais 1.500 homens, percorreu o interior e tomou conhecimento da miséria que nos assolava. Tornou-se comunista durante aquela cavalgada, ainda que só anos mais tarde tomasse conhecimento da teoria marxista-leninista.
Negou-se a assumir o comando militar e político da Revolução de Trinta, ciente de tratar-se de um movimento burguês que apenas serviria para mudar os personagens da mesma farsa social. Exilado na União Soviética, retornou em 1935, iludido pelas falsas informações de estar o Brasil preparado para a revolução proletária.
Malograda a tentativa, preso, viu-se vítima de uma perseguição pessoal por parte de Filinto Muller, ex-tenente da coluna Prestes condenado à morte pelo próprio comandante, por haver-se apropriado de recursos do movimento rebelde. Fugiu o traidor, tornando-se depois chefe de polícia do governo implantado com a vitória dos revoltosos burgueses. Foi a hora da desforra contra seu antigo chefe, que manteve em condições piores do que as concedidas a animais em cativeiro, conforme Sobral Pinto, seu advogado.
Foi em 1945, com o fim da ditadura do Estado Novo e a democratização, que o povo do então Distrito Federal o conduziu ao Senado. Durou pouco o sonho de um país livre. As forças reacionárias cassaram o registro do Partido Comunista, em 1947,e o mandato de seus parlamentares, inclusive Prestes, em 1948.
CLANDESTINIDADE
De novo na clandestinidade,voltou à União Sovietica, de lá retornando em 1958, no governo Juscelino Kubitschek, quando suspensa a proibição de funcionamento do Partido Comunista. Participou da campanha do marechal Henrique Lott a presidente da República,em 1960,derrotado por Jânio Quadros. Integrou-se à luta de Leonel Brizola em favor da posse de João Goulart na presidência da República. Com seu partido, formou ao lado da campanha pela reformas de base, sendo surpreendido com o golpe militar de 1964, que o levou novamente à clandestinidade.
Na lista dos procurados,vivo ou morto, novo período de exílio, mas sem deixar de opinar e de participar, mesmo de longe, dos anos de chumbo do regime então instaurado. Com a anistia no início dos Anos Oitenta, retornou outra vez nos braços do povo, de novo reorganizando o Partido Comunista, como seu Secretário-Geral.
Já encanecido, entrado nos oitenta anos, mais uma armadilha da vida. Viu-se traído pelos companheiros que tinha amparado, destituído da direção do partido e em seguida expulso, por insistir na doutrina inflexível do socialismo. Não compactuou com anões. A natureza seguiu seu curso e apenas agora o Brasil lhe faz justiça.( Tribuna da Imprensa )
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