REYNALDO TUROLLO JÚNIOR
Enviado especial da
Folha a São Luís
A entidade criada pelo governo do Maranhão para preservar a memória do senador José Sarney (PMDB-AP) como presidente da República – a Fundação da Memória Republicana Brasileira (FMRB) – vive hoje numa espécie de “limbo institucional”: o acervo está sob os cuidados de servidores públicos, mas continua ligado à entidade privada original, a Fundação José Sarney.
O Ministério Público (Promotoria de Fundações) investiga o caso e já aponta irregularidades porque a antiga fundação – criada pelo ex-presidente em 1990 – não foi liquidada, exigência legal para que pudesse transferir seus bens à nova fundação, pública.
Enquanto isso, a passagem da fundação privada para a pública – iniciada em 2011 pelo governo Roseana Sarney (PMDB) – elevou os gastos do órgão com pessoal em 187% (de R$ 195 mil para R$ 560 mil, por ano) e fez o número de funcionários dobrar, de 22 para 44, todos indicados sem concurso.
Segundo o Ministério Público, o inventário do acervo, outra exigência legal, nunca foi feito, e ninguém sabe ao certo o que há no Convento das Mercês – sede da antiga e da atual fundação. O prédio foi erguido em 1654, e hoje é o mais suntuoso do centro histórico de São Luís.
“Na prática, fica tudo igual: a fundação dentro do Convento das Mercês, que é o principal objetivo dele [Sarney]”, diz o jornalista Emílio Azevedo, autor do livro “O caso do Convento das Mercês”.
“O objetivo maior do senador Sarney é preservar o culto à imagem dele. Não é que ele não tenha condições de bancar isso [a FMRB]. É que ele não quer”, afirma Rodrigo Lago, advogado da Ordem dos Advogados do Brasil (seccional Maranhão).
O Convento das Mercês foi o local escolhido por Sarney para abrigar seu mausoléu. O monumento havia sido construído no jardim, mas, em meio às críticas, foi retirado ainda em 2010. Virou um chafariz, com a estátua de Sarney sentado num bando de madeira.
PINTURAS – Entre obras de arte, condecorações, livros e objetos acumulados por José Sarney ao longo de sua vida pública há uma série de pinturas que retrata o político, familiares e aliados como padres, freiras e apóstolos. A coleção, com cerca de 30 quadros, está em uma sala fechada à visitação.
De acordo com a Promotoria, os bens e o acervo da nova Fundação da Memória Republicana, incluindo as telas religiosas, estão nesse “limbo”: sob tutela pública, mas ligados à fundação privada.
“Considera-se [a situação] uma irregularidade. Adotaremos providências após auditoria”, diz o promotor Paulo Avelar. “Sem inventário há muita dificuldade de detectar o real patrimônio da fundação. Está tudo obscuro. Exemplo: tínhamos lá tantas telas. Hoje não sabemos se estão lá porque não tinha registro.”
No centro da sala “secreta” em que estão os quadros religiosos há uma mesa de reuniões, circundada pelas imagens. Sarney é retratado como cônego (padre). Sua mulher, Marly, como freira.
Roseana aparece como membro de irmandade, levando a faixa de governadora. Os outros filhos do senador, Sarney Filho e Fernando, aparentam estar de apóstolo e discípulo. O ministro maranhense Edison Lobão (Minas e Energia) aparece de hábito religioso.
A direção da fundação não informou qual é o valor repassado pela Secretaria da Educação, por ano, para manter a entidade. Em 2012, o governo remanejou R$ 1,5 milhão da Secretaria da Cultura para a fundação.
SEM CONTABILIDADE – A polêmica em torno da Fundação José Sarney começou em 2011, ano em que a entidade privada iniciou processo de extinção, argumentando não ter mais recursos.
Para absorver o acervo que seria deixado e passar a mantê-lo com verbas do Estado foi criada, então, a Fundação da Memória Republicana.
A lei que a instituiu foi sancionada por Roseana em meio a críticas da oposição. Agora, a Promotoria diz que as irregularidades na liquidação do antigo órgão comprometem a existência do novo.
A liquidação está inviabilizada porque a Fundação Sarney não apresentou balanços contábeis de 2010 a 2012 e doou imóveis de forma irregular, entre outros pontos apontados pela Promotoria.
O Ministério Público deverá começar uma auditoria nos bens e no acervo da fundação em até 30 dias. (Folha de S. Paulo, TV Folha e Redação do JP)
Desembargador diz que processo segue legislação
Responsável pela liquidação da antiga Fundação José Sarney, o desembargador aposentado Fernando Belfort afirmou que o procedimento obedeceu à legislação.
“A extinção [da antiga fundação] deu-se pela absoluta impossibilidade de sua continuidade por inviabilidade econômico-financeira (…) e foi aprovada pela Promotoria de Fundações em 2012.”
Segundo Belfort, os bens da fundação foram revertidos para o criador da entidade, José Sarney, e doados para a fundação pública após serem devidamente inventariados.
A informação contraria o Ministério Público, que diz que o acervo não foi registrado e contabilizado, permanecendo, assim, desconhecido.
Belfort diz que “as prestações de contas de 2010 e 2011 [da antiga fundação] foram aprovadas pelo conselho curador e fiscal” da entidade, mas não informou se essa contabilidade já foi submetida ao Ministério Público. Ele admitiu, porém, que o processo de liquidação da fundação ainda não foi concluído.
Sobre doações de imóveis sob suspeita de irregularidades, Belfort disse que os atos foram autorizados pelo Ministério Público em 2011.
Sobre a sala em que estão os quadros da família Sarney, a Fundação da Memória Republicana disse que o local é fechado à visitação porque não tem ventilação nem iluminação adequadas. Todo o restante do acervo passa por reforma e será reaberto ao público em agosto ou setembro. (FSP)
Entidade também enfrenta ação movida pela OAB-MA
Além dos problemas apontados pelo Ministério Público, a fundação que preserva a memória e os objetos do ex-presidente e senador José Sarney ainda enfrenta na Justiça uma ação de inconstitucionalidade movida pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Maranhão.
Para a entidade, um dos pontos inconstitucionais da lei que criou a nova fundação pública é o direito “vitalício e hereditário”, conferido a Sarney, de indicar membros do conselho curador.
“A última vez que isso, a sucessão hereditária na gestão pública, foi previsto expressamente num texto legal, foi na Constituição de 1824, a Constituição do Império, que dizia exatamente isso, que o governo era ‘monárquico e hereditário’, e que ‘os palácios e terrenos possuídos por Dom Pedro 1º passariam aos seus sucessores’. É mais ou menos o que está acontecendo ali [na FRMB]”, compara o advogado Rodrigo Lago.
Segundo Lago, pelo estatuto da atual fundação, decisões importantes da instituição – como a alienação de bens –exigem consenso do conselho curador.
Como Sarney indica dois membros e, após sua morte, seus herdeiros ficarão encarregados de fazer as indicações, o senador terá poder eterno sobre a fundação, afirma. A ação aguarda julgamento na Justiça do Estado. (Folha de S. Paulo e TV Folha)
Enviado especial da
Folha a São Luís
A entidade criada pelo governo do Maranhão para preservar a memória do senador José Sarney (PMDB-AP) como presidente da República – a Fundação da Memória Republicana Brasileira (FMRB) – vive hoje numa espécie de “limbo institucional”: o acervo está sob os cuidados de servidores públicos, mas continua ligado à entidade privada original, a Fundação José Sarney.
O Ministério Público (Promotoria de Fundações) investiga o caso e já aponta irregularidades porque a antiga fundação – criada pelo ex-presidente em 1990 – não foi liquidada, exigência legal para que pudesse transferir seus bens à nova fundação, pública.
Enquanto isso, a passagem da fundação privada para a pública – iniciada em 2011 pelo governo Roseana Sarney (PMDB) – elevou os gastos do órgão com pessoal em 187% (de R$ 195 mil para R$ 560 mil, por ano) e fez o número de funcionários dobrar, de 22 para 44, todos indicados sem concurso.
Segundo o Ministério Público, o inventário do acervo, outra exigência legal, nunca foi feito, e ninguém sabe ao certo o que há no Convento das Mercês – sede da antiga e da atual fundação. O prédio foi erguido em 1654, e hoje é o mais suntuoso do centro histórico de São Luís.
“Na prática, fica tudo igual: a fundação dentro do Convento das Mercês, que é o principal objetivo dele [Sarney]”, diz o jornalista Emílio Azevedo, autor do livro “O caso do Convento das Mercês”.
“O objetivo maior do senador Sarney é preservar o culto à imagem dele. Não é que ele não tenha condições de bancar isso [a FMRB]. É que ele não quer”, afirma Rodrigo Lago, advogado da Ordem dos Advogados do Brasil (seccional Maranhão).
O Convento das Mercês foi o local escolhido por Sarney para abrigar seu mausoléu. O monumento havia sido construído no jardim, mas, em meio às críticas, foi retirado ainda em 2010. Virou um chafariz, com a estátua de Sarney sentado num bando de madeira.
PINTURAS – Entre obras de arte, condecorações, livros e objetos acumulados por José Sarney ao longo de sua vida pública há uma série de pinturas que retrata o político, familiares e aliados como padres, freiras e apóstolos. A coleção, com cerca de 30 quadros, está em uma sala fechada à visitação.
De acordo com a Promotoria, os bens e o acervo da nova Fundação da Memória Republicana, incluindo as telas religiosas, estão nesse “limbo”: sob tutela pública, mas ligados à fundação privada.
“Considera-se [a situação] uma irregularidade. Adotaremos providências após auditoria”, diz o promotor Paulo Avelar. “Sem inventário há muita dificuldade de detectar o real patrimônio da fundação. Está tudo obscuro. Exemplo: tínhamos lá tantas telas. Hoje não sabemos se estão lá porque não tinha registro.”
No centro da sala “secreta” em que estão os quadros religiosos há uma mesa de reuniões, circundada pelas imagens. Sarney é retratado como cônego (padre). Sua mulher, Marly, como freira.
Roseana aparece como membro de irmandade, levando a faixa de governadora. Os outros filhos do senador, Sarney Filho e Fernando, aparentam estar de apóstolo e discípulo. O ministro maranhense Edison Lobão (Minas e Energia) aparece de hábito religioso.
A direção da fundação não informou qual é o valor repassado pela Secretaria da Educação, por ano, para manter a entidade. Em 2012, o governo remanejou R$ 1,5 milhão da Secretaria da Cultura para a fundação.
SEM CONTABILIDADE – A polêmica em torno da Fundação José Sarney começou em 2011, ano em que a entidade privada iniciou processo de extinção, argumentando não ter mais recursos.
Para absorver o acervo que seria deixado e passar a mantê-lo com verbas do Estado foi criada, então, a Fundação da Memória Republicana.
A lei que a instituiu foi sancionada por Roseana em meio a críticas da oposição. Agora, a Promotoria diz que as irregularidades na liquidação do antigo órgão comprometem a existência do novo.
A liquidação está inviabilizada porque a Fundação Sarney não apresentou balanços contábeis de 2010 a 2012 e doou imóveis de forma irregular, entre outros pontos apontados pela Promotoria.
O Ministério Público deverá começar uma auditoria nos bens e no acervo da fundação em até 30 dias. (Folha de S. Paulo, TV Folha e Redação do JP)
Desembargador diz que processo segue legislação
Responsável pela liquidação da antiga Fundação José Sarney, o desembargador aposentado Fernando Belfort afirmou que o procedimento obedeceu à legislação.
“A extinção [da antiga fundação] deu-se pela absoluta impossibilidade de sua continuidade por inviabilidade econômico-financeira (…) e foi aprovada pela Promotoria de Fundações em 2012.”
Segundo Belfort, os bens da fundação foram revertidos para o criador da entidade, José Sarney, e doados para a fundação pública após serem devidamente inventariados.
A informação contraria o Ministério Público, que diz que o acervo não foi registrado e contabilizado, permanecendo, assim, desconhecido.
Belfort diz que “as prestações de contas de 2010 e 2011 [da antiga fundação] foram aprovadas pelo conselho curador e fiscal” da entidade, mas não informou se essa contabilidade já foi submetida ao Ministério Público. Ele admitiu, porém, que o processo de liquidação da fundação ainda não foi concluído.
Sobre doações de imóveis sob suspeita de irregularidades, Belfort disse que os atos foram autorizados pelo Ministério Público em 2011.
Sobre a sala em que estão os quadros da família Sarney, a Fundação da Memória Republicana disse que o local é fechado à visitação porque não tem ventilação nem iluminação adequadas. Todo o restante do acervo passa por reforma e será reaberto ao público em agosto ou setembro. (FSP)
Entidade também enfrenta ação movida pela OAB-MA
Além dos problemas apontados pelo Ministério Público, a fundação que preserva a memória e os objetos do ex-presidente e senador José Sarney ainda enfrenta na Justiça uma ação de inconstitucionalidade movida pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Maranhão.
Para a entidade, um dos pontos inconstitucionais da lei que criou a nova fundação pública é o direito “vitalício e hereditário”, conferido a Sarney, de indicar membros do conselho curador.
“A última vez que isso, a sucessão hereditária na gestão pública, foi previsto expressamente num texto legal, foi na Constituição de 1824, a Constituição do Império, que dizia exatamente isso, que o governo era ‘monárquico e hereditário’, e que ‘os palácios e terrenos possuídos por Dom Pedro 1º passariam aos seus sucessores’. É mais ou menos o que está acontecendo ali [na FRMB]”, compara o advogado Rodrigo Lago.
Segundo Lago, pelo estatuto da atual fundação, decisões importantes da instituição – como a alienação de bens –exigem consenso do conselho curador.
Como Sarney indica dois membros e, após sua morte, seus herdeiros ficarão encarregados de fazer as indicações, o senador terá poder eterno sobre a fundação, afirma. A ação aguarda julgamento na Justiça do Estado. (Folha de S. Paulo e TV Folha)
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