Fátima Oliveira
Nas soleiras da aposentadoria, tenho a honra de dizer que nunca faltei, nem sequer cheguei atrasada em toda a minha vida laboral. Em nenhuma profissão as pessoas são iguais, por que deveriam ser em medicina? Ganhar dinheiro com o suor do próprio trabalho nunca foi crime ou pecado, mas parece que para quem faz medicina é! Em tempo: não sou pobre, mas não enriqueci!
Será que confundem o exercício da medicina com sacerdócio de graça, que não existe em nenhuma religião, ou “profissão de fé” de não receber pelo trabalho realizado? Ou é má-fé inominável? Num país capitalista os salários são regulados pelo mercado. Assalariados não impõem quanto vão ganhar, por que só médicos teriam de dizer que querem menos do que paga o mercado, que aqui é majoritariamente precarizado: sem carteira assinada e sem concurso público?
Os planos/convênios de saúde ficaram milionários porque médicos recebem por “produção”, sem lenço e sem documento, sob as bênçãos de todos os governos, até hoje! Conhece algum convênio em que, mesmo em hospitais próprios, médicos são funcionários? E não fomos nós quem estabelecemos o mercado assim, abrindo mão de direitos trabalhistas, regra tão arraigada que o governo dela compactua, tanto que no programa Mais Médicos não se paga salários, se dá bolsas! Ou trabalhamos assim, ou nada!
GENERALIZAÇÕES
Há uma expectativa cultural leviana de que médicos são ricos ou vão ficar, e há certeza que querem ficar. São generalizações furadas. A aura cultural da sociedade exige de que médicos ganhem bem, morem bem, tenham carros sempre novos e top de linha e se vistam nos trinques – que suas mulheres andem na última moda, que as médicas se vistam como modelos. Quem não se encaixa no figurino imaginário fracassou porque os bons mesmo ganham rios de dinheiro, pois o mito da medicina profissão liberal diz que temos um consultório abarrotado de pagantes!
Quase sempre quem faz algum trabalho para médicos cobra “os olhos da cara”. Um bombeiro fez um pequeno reparo hidráulico num apartamento em meu prédio e cobrou R$ 30. O mesmo serviço no meu apartamento cobrou R$ 100)! A vizinha havia dito que eu era médica! Em geral, quem já trabalhou para nós, sendo regiamente pago, adquire o direito eterno de telefonar a qualquer hora da noite para uma “consultinha telefônica”; trocar a receita do “remédio controlado” da vizinha; quer 0800 sempre e, sinceramente, crê que merece favores infinitos e quando trabalhou para nós “meteu a faca”! E a parentada toda VIP é outro departamento, a querer para o saco e para o bisaco 24 horas por dia!
Há um comportamento bipolar generalizado em relação a médicos de tirar proveito, meio sanguessuga e parasitário, que se revela até em festas: “Ah, pode dar uma olhadinha aqui?”. Ora, a olhadinha 0800 é uma consulta… no meio da festa! Ai que fadiga! (transcrito do jornal O Tempo)
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