ELIO GASPARI (FOLHA DE SÃO PAULO)
A banca esqueceu-se dos exemplos de empresários como Amador Aguiar, Antunes e Sebastião Camargo
A banca esqueceu-se dos exemplos de empresários como Amador Aguiar, Antunes e Sebastião Camargo
A
quebra da OGX de Eike Batista era pedra cantada e foi a maior
concordata da história do país. Em 2010 suas ações valeram R$ 23,27.
Para desencanto de 52 mil acionistas e algumas dezenas de diretores da
grande banca pública e privada, saíram da Bolsa a R$ 0,13. Todo mundo
ganhará se disso resultar algum ceticismo em relação à exuberância
irracional da cultura das celebridades poderosas. Nela juntam-se sábios
da banca que se supõem senhores do universo e autoridades que se supõem
oniscientes.
Admita-se que um vizinho
propõe sociedade num empreendimento. Ele é um homem trabalhador,
preparado, poliglota, esportista e bem-sucedido. Apesar disso, expôs sua
vida pessoal mostrando que tem um automóvel de luxo na sala de estar,
comunica-se em alemão com o cachorro. (O bicho chegou ao Brasil num
Boeing privado, com dois treinadores.) Sua mulher desfilava numa escola
de samba com uma gargantilha onde escreveu o nome dele e deixou-se
fotografar de baixo para cima usando lingerie transparente. Nomeou para a
diretoria de uma de suas empresas um filho que declarou só ter lido um
livro em toda a vida. Revelou que estava ligado em astrologia, confiando
no seu signo (escorpião) e disse coisas assim: “Tenho alguma coisa com a
natureza. Onde eu furo eu acho”. Quando suas contas começaram a ter
problemas, defendeu-se: “Meus ativos são à prova de idiotas”. Tem jogo?
Eike
tornou-se uma celebridade, listada por oráculos da imprensa financeira
como o homem mais rico do Brasil, oitavo do mundo, e anunciou que
disputaria o primeiro lugar. Até junho, quando as ações da OGX estavam a
R$ 1,21, sentavam-se no seu conselho de administração figuras
respeitáveis como o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan e a ex-presidente
do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie. Lula visitava seus
empreendimentos. A doutora Dilma Rousseff dissera que “Eike é o nosso
padrão, a nossa expectativa e sobretudo o orgulho do Brasil quando se
trata de um empresário do setor privado”. Quem entrou nessa, micou,
inclusive a doutora.
Em seus delírios,
Eike Batista criou uma fantasia que pouco tem a ver com a real economia
brasileira, ou com as bases dos setores de petróleo, mineração e
infraestrutura. Parte do mico ficou para os gênios da banca
internacional. Cada um acreditou no que quis e deu no que deu. Falta de
exemplos, não foi. Para falar só de grandes empresários que já morreram,
a austeridade foi a marca de empreendedores como Augusto Trajano de
Azevedo Antunes, que criou a mineradora Icomi, Leon Feffer, criador da
Suzano Papel, e Amador Aguiar, pai do Bradesco. Não foram celebridades.
Descontando-se o fato de que “seu” Amador não usava meias, não tinham
folclore.
EIKE E AS CONTAS
Se
o processo de recuperação judicial da OGX levar peritos a examinar
saques feitos nos últimos meses no caixa de empresas do grupo, a coisa
ficará feia.
EIKE E OS POÇOS
Entre
as lições deixadas por Eike Batista há uma que vai em benefício dele e
de todos os empresários perseguidos por maledicências. Quando Eike criou
a OGX e levou para sua equipe ex-diretores da Petrobras, a sabedoria
convencional estabeleceu que capturara os segredos das pesquisas
geológicas da empresa. Essa suspeita foi vocalizada até mesmo pela
cúpula da Petrobras. Era lorota. Se eles soubessem onde estava o
petróleo, a OGX não teria quebrado.
EIKE E OS BÔNUS
Numa
das explicações que Eike Batista deu para suas dificuldades estava a
queixa de que diretores de suas empresas inflavam expectativas e
resultados para engordar os bônus de fim de ano. A lição vale para todos
os empresários. Basta ligar um desconfiômetro. Qual dos diretores seria
capaz de sustentar projetos e iniciativas que garantem seu bônus em
dezembro e quebram a empresa daqui a alguns anos, quando ele estará na
praia? Das diretorias de Eike Batista pelo menos dez executivos saíram
com mais de R$ 100 milhões no bolso. Alguns, com R$ 200 milhões. Nenhum
micou.
EIKE EM HOLLYWOOD
Um
produtor de cinema americano veio ao Brasil para oferecer a Eike o
conglomerado da “Playboy” ameri-cana. Durante o jantar, o empresário
ofereceu-lhe um negócio melhor: um filme sobre a sua vida. Punha duas
condições, o Eike jovem deveria ser Leonardo DiCaprio; o maduro, George
Clooney.
EIKE E O PODER
Recordar
é viver. Em junho do ano passado, quando Eike Batista emprestou seu
jatinho a um poderoso amigo para um feriadão na Bahia, respondeu às
críticas dizendo o seguinte: “Tive satisfação em ter colocado meu avião à
disposição do governador Sérgio Cabral. (…) Sou livre para selecionar
minhas amizades, contribuir para campanhas políticas [e] trazer a
Olimpíada para o Rio.” Tudo verdade, menos o piro da Olímpiada.
EIKE E FRICK
Faz
tempo, um homem de negócios chamado Henry Frick habilitou-se para um
empréstimo no banco Mellon. O dinheiro saiu, mas os arquivos do banco
mostram que havia uma recomendação de cautela em relação a ele, porque
comprava muitas obras de arte. Frick comprou três dos 34 Vermeers
conhecidos. Mais três Rembrandts, dois Goyas e até um Cimabue, do século
13. Sua casa, projetada para ser museu, tem uma das melhores coleções
do mundo. Até janeiro, quem quiser poderá ir lá para ver a “Menina com o
Brinco de Pérola”, emprestado pela Holanda. O banco Mellon não
arriscava, nem Frick.
EIKE E O ELEVADOR
Despencou
mais um empresário que tem elevador privativo em sua empresa, ou
bloqueia-o quando está chegando ao prédio. Juntou-se a um grupo onde
estiveram Richard Fuld, que destruiu a Lehman Brothers, Angelo Calmon de
Sá (Banco Econômico), Theodoro Quartim Barbosa (Comind) e Edemar Cid
Ferreira (Banco Santos).
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo magoou-se ao saber que Eike Batista disse que seus negócios eram à prova de idiotas. Ele continua botando fé no doutor.
EIKE, EDUARDO PAES E A MARINA DA GLÓRIA
Em
2009 Eike Batista comprou a concessão da Marina da Glória, uma área
tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Seu
plano era transformá-la num anexo náutico do Hotel Glória, construindo
um centro de convenções que jamais esteve no projeto original.
Esse
patrimônio da Viúva estava nas mãos da Prefeitura do Rio de Janeiro.
Até maio passado o prefeito Eduardo Paes explicitou em diversas ocasiões
seu apoio ao projeto. Sua assessoria dizia que ele fora aprovado pelo
Iphan, mas era patranha. Logo depois a Justiça suspendeu a concessão.
Eike
pôs à venda o hotel e passou adiante a marina. No dia 29 de junho, Paes
criou uma comissão para definir o futuro da área: “Queremos deixar as
regras claras, criar parâmetros. Vai poder ter lojas e centro de
convenções? Não vai poder?”
Caso de curiosidade tardia para quem assumiu a prefeitura em 2009.
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