Ao mesmo tempo em que registra um aumento no número de infectados, o Brasil adota tratamentos considerados de ponta por especialistas e impulsiona o combate à Aids em países da América Latina
Bruna Sensêve - Diarios Associados
A perigosa estabilidade é observada nos três anos anteriores: 37.359, 38.188 e 38.529, respectivamente. O número de óbitos também encontrou ameaçador equilíbrio, com cerca de 12 mil mortes pela doença desde 2009. A taxa só é menor que a registrada em meados da década de 1990, antes do coquetel de antirretrovirais ser oferecido no atendimento público de saúde. Os dados não chegam a anunciar uma segunda epidemia da doença, apesar de se aproximarem dos números que causaram tanta comoção na época em que a Aids eclodiu no mundo ocidental.
“Em alguns meios artísticos, por exemplo, as pessoas perdiam alguém conhecido praticamente de três em três meses”, conta Edgar Hamann, professor e médico do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. Mas o especialista desconfia que haja, no Brasil, um processo de banalização da doença, fenômeno também observado em países europeus. “As pessoas pensam: ‘Agora estão sobrevivendo, estão bem’. Então, acham que a Aids é curável, o que não é verdade.”
A mudança de mentalidade é vista como um retrocesso pelo médico, pois pode ter motivado uma queda no uso do preservativos, já constatada em pesquisas com jovens. “A gente não pode ver isso como um fenômeno individual. A pessoa está se descuidando por que não sabe, por que não procura se interar ou por que não está entendendo bem? Não é nenhuma dessas respostas. Normalmente, são atitudes que por baixo têm uma partilha, uma concessão de um grupo”, analisa o professor.
Epidemia concentrada
Diretor do Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita considera a “nova interpretação” sobre a Aids controversa. “Precisamos ter um mecanismo de esclarecimento de que o medicamento é bom, tem eficiência e pode tornar a doença uma condição crônica controlável, mas o melhor é não tê-la.” Segundo Mesquita, o Brasil nunca esteve sob uma epidemia da doença que fosse considerada generalizada. Entre as três gradações usadas para a classificação internacional, o país sempre esteve em um estágio intermediário, chamado de epidemia concentrada.
“Ela é associada principalmente à população de alto risco, mas não só”, explica. A epidemia generalizada é vista em regiões como a África Subsaariana, onde mais de 1% da população tem o HIV (leia Para saber mais). “O Brasil nunca teve esse perfil da epidemia. Embora tivesse avançando bastante, (a doença) nunca tomou essa dimensão”, garante.
O mundo também observa um ressurgimento da infecção causado por comportamentos de risco, aumentado entre homens que fazem sexo com homens em vários cidades europeias. Em Amsterdã, por exemplo, foi relatado um aumento de 68% no comportamento sexual de risco entre esses homens — apesar das altas taxas de testes de HIV e acesso à terapia antirretroviral.
Esse fenômeno mostra sinais em terras brasileiras desde 2008, ano em que o número de homens infectados expostos por relação com outros homens era de 3.120. Nos três anos seguintes, subiu para 3.386, 3.678 e 3.709, respectivamente. Ainda assim, as maiores taxas de infecção desde os anos 2000 permanece entre a população heterossexual, especialmente mulheres. Essa é a forma de exposição que mais levou brasileiras a adquirirem o HIV — uma média de 90% das infecções no sexo feminino desde que o vírus surgiu no país.
Esforço regional
Apesar dos números intrigantes, o Brasil tem posição de destaque na América Latina e no Caribe quanto à garantia de acesso ao tratamento contra a Aids. O país está entre as sete nações que alcançaram uma cobertura universal (maior de 80%). As outras são Argentina, Barbados, Chile, Cuba, Guiana e México, de acordo a Organização Mundial da Saúde e Organização Panamericana de Saúde (OMS/OPAS). Segundo Monica Alonso, conselheira da OMS/OPAS para HIV e Doenças Sexualmente Transmissíveis, o Brasil é um dos líderes da região quanto ao acesso e à medicação antirretroviral, e caminha para políticas que permitirão a intervenção mais precoce contra o vírus. “Melhorias no Brasil têm um impacto nas figuras regionais, sim, no entanto, há uma direção comum de todos os países da região.”
Para Alonso, a América Latina e o Caribe contam com um forte apoio político para o HIV, bem como as redes da sociedade civil. “Um exemplo disso é o Grupo de Cooperação Técnico Horizontal, em que os chefes dos programas nacionais de HIV trocam informações e discutem ações para uma resposta mais articulada na região.” Os números referentes a 2012 representam uma melhoria de 10% em comparação aos coletados dois anos antes pela instituição. Em dezembro de 2012, 725 mil pessoas recebiam antirretrovirais na região, ou 75% do total estimado com necessidade de tratamento.
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