quinta-feira, 1 de maio de 2014

Gogoboys à procura de um palco

 

 

Sem espaço para apresentações em Salvador, dançarinos foram "empurrados" para saunas e eventos particulares
Alexandre Galvão (alexandre.souza@redebahia.com.br)
Do alto de seu 1,75m ele observa o público aos seus pés. Apesar da música alta, todos estão estáticos. Se nem o jogo frenético de luzes consegue desviar os olhares daquele corpo escultural, só lhe resta uma coisa: continuar o show.
Jean Desterro tem 24 anos. Há quatro é gogoboy. O "lance", segundo ele, é sensualizar , deixar o público à flor da pele e fazer exatamente aquilo que o Trabalho com Sexo presenciou naquela noite: hipnotizar a plateia com uma dança em que os braços não param um segundo e piruetas seguidas são executadas de forma provocante.
O público se divide entre os que assistem e os que tentam tirar uma “lasquinha” do “body dream” (corpo dos sonhos) que o gogo conseguiu esculpir após anos de musculação. “Quando passam a mão onde não deve, eu reclamo. Faço de uma forma que não fique agressivo”, diz, sem revelar onde seria esse tal lugar proibido.
Reconhecido por empresários e pelo público como um dos gogoboys mais requisitados do mercado de Salvador, Jean recusa o título e, após tantos anos de profissão, prefere usar outro termo. “Uso gogodance. Se eu disser gogodance, as pessoas associam mais a dançarino, que é o que eu sou”, afirma. A escolha, segundo Jean, é para se afastar o máximo possível de uma ideia errada que se criou da profissão: a de que os gogoboys são garotos de programa. Ele não revela quanto ganha por mês com as apresentações que acontecem quase que sempre aos finais de semana, mas garante que elas bancam seus gastos.
Ofertas para fazer programas sexuais sempre aparecem, segundo Atila Britto, gogoboy de 26 anos que foi descoberto por um olheiro no Orkut. “Um dia eu estava saindo do camarim na boate e um homem me chamou para ‘uma volta’ e me mostrou o dinheiro. Eu sorri e disse que não fazia esse tipo de trabalho”, conta ao lembrar que o mesmo homem disse que “todos fazem”. “Sabe de nada, inocente”, disse Atila ao relembrar do caso.
Jean Desterro/ Foto: Arquivo Pessoal
É com a dança que Jean paga a faculdade e, quando a coisa aperta, ele abre mão de tudo que faz para se dedicar ao ofício. Se nos palcos ele encara personagens como bombeiro e policial, na vida real, o que Jean sonha mesmo é concluir o curso e ser engenheiro. “Dançar, por enquanto, dá um retorno [financeiro] legal, mas não é para sempre”, reconhece.
Mercado em baixaMesmo para quem tem o título de “top”, dançar em Salvador está cada vez mais difícil. “O mercado mudou muito nos últimos anos. Agora é mais complicado ser contratado”, admite Atila, que já pensa em se aposentar pela pouca procura.
Carla O’hara, 25 anos, atravessou a fronteira: passou de gogogirl para empresária do ramo. Há dois comanda a O’Hara Entretenimento  que realiza despedidas de solteiro, 15 anos e formaturas. A empresária também sentiu a mudança no comportamento do consumidor. “Aqui em Salvador temos um grande problema: não existem boates para os gogoboys se apresentarem, eles fazem os shows em festas particulares”, aponta.
Sócio da The Hall, casa de shows no Jardim de Allah, Rodrigo Smith admite que ter a presença do gogoboy na lista de apresentações influencia pouco na decisão final do público de ir ou não a um evento. “O gogoboy é um dos elementos que compõe a festa. A festa é um encontro de forças que gera o entretenimento para o cliente”, avalia.
Atila Britto/ Foto: Arquivo Pessoal
Atualmente, além da The Hall, a boate Tropical – localizada no Campo Grande – e a San Sebastian, que fica no bairro do Rio Vermelho, são os únicos clubes a ofertarem o serviço. Com a falta de mercado, os dançarinos passaram a ocupar novos espaços, segundo o jornalista Rafael dos Anjos: “As saunas estão virando mais referência quando a questão é gogoboy. Elas são lugares mais reclusos, e só vai quem ver o show ou fazer pegação... ou os dois”.
Mas não é só a falta de espaço que contribui para essa quase extinção da arte de sensualizar. O preconceito também tem a sua parcela nesse processo, ainda de acordo com Rafael. “O gogoboy fazia parte da cultura das boates, mas as pessoas têm preconceito contra o trabalho deles. O que acontece no palco é um grande culto ao corpo. A mesma coisa que fazemos no cotidiano. A sociedade é hipócrita”, avalia.
Empurrados para as saunas, aniversários, despedidas de solteiros e paradas gays, os gogoboys procuram uma nova maneira de mostrar o seu trabalho e longe do preconceito. Em Salvador, eles estão à procura de novos palcos.

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