Ontem
à noite pessoas sérias e que em tese deveriam estar vacinadas contra a
forma como a mídia brasileira se comporta, repercutiram e se apavoraram
com uma nota de um blogue de um pianista do jornal o Estado de S. Paulo.
O blogueiro afirmava que Lula havia sugerido o nome de José Sarney para
ministro da Cultura de Dilma, que Dilma já o havia convidado e que o
ex-presidente havia aceitado.
A nota, como se costuma dizer na
linguagem de internet, bombou na rede e causou comoção. Ontem à noite ao
menos umas dezena de pessoas me procurou por inbox para saber mais
detalhes do assunto. Umas tantas outras, como ontem foi dia de aula na
Cásper Líbero, me indagaram sobre o tema pessoalmente. E o autor do
texto deve ter visto seu blogue ter audiência como nunca dantes no
quartel de Abrantes.
Não serei leviano (ops, isso não tem nada
a ver com o Aécio) de dizer que o blogueiro em questão fez isso para
aparacer. Mas hoje não é incomum a invenção de boatos e a criação de
fatos que não ficam em pé à menor checagem. Esses posts são produzidos
apenas para ganhar cliques. Ou seja, audiência.
Quem conhece um pouco de política, de
Lula, de PT, de Dilma e de formação de ministérios nunca entraria na
barca furada do blogueiro Alvaro Siviero. Seguem alguns dos motivos, em
ordem numérica, para não haver dúvida alguma de que é sempre bom como
leitor e como multiplicador de notícias se ater primeiro aos fatos do
que os boatos.
1) Nem se vivêssemos no país dos recitais
o primeiro ministro a ser escolhido por um presidente da República
seria o da Cultura. Simplesmente porque trata-se de um ministério que
tem uma das menores arrecadações da Esplanada. E montagem de governo é
quase um quebra-cabeça, principalmente quando de se tem uma base aliada
hostil. Dilma terá de conversar com vários partidos antes de sair
anunciando nomes do primeiro escalão ou ir convidado pessoas para
cargos. A única exceção pode ser o ministério da Economia. Depois de
conversar com todo mundo, provavelmente ela vai tentar deixar o
ministério da Cultura fora das divisões partidárias, porque sabe que o
setor é bastante refratário a esse tipo de indicação. E como se trata de
um ministério menor (infelizmente) ela vai tentar evitar problemas com
ele.
2) Lula indicou Juca Ferreira para
coordenar a área de cultura da campanha de Dilma e muita gente garante
que defendia o nome dele para compor o governo de Dilma já em 2011,
quando a presidenta escolheu Ana de Hollanda. Por que agora indicaria
Sarney depois da boa participação de Juca na campanha?
3) Sarney já anunciou sua saída da vida
pública e seu grupo controla um importante ministério, o das Minas e
Energia, o que lhe dará ainda bastante poder se vier a permanecer no
controle daquela pasta. Por vaidade ele trocaria um ministério como o
das Minas e Energia pelo da Cultura? Você acha que isso faz sentido?
4) Com todo carinho do mundo, mas talvez
por ser um pianista fazendo uma nota com pretensões jornalísticas, o som
ficou mais claro. O blogueiro diz que Sarney fez uma declaração de que
poderia ser presidente da Academia Brasileira de Letras e ministro,
rasga elogios ao governo do maranhense na Cultura e depois termina com
um seja bem-vindo. Hã…
Sinceramente, eu não sei o que é pior, se
é o Estado de S. Paulo permitir a reprodução de uma nota dessas
associando a notícia à marca da empresa que perde reputação com este
tipo de boataria, ou se é esse tipo de nota bobagem viralizar entre
pessoas bem informadas depois de tudo que já vimos de jogo rasteiro da
mídia tradicional.
A internet não permite ingenuidade. Tudo tem que ser colocado à prova. E nesta prova a nota do blogueiro do Estadão levou zero.
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