Vicente NunesCorreio Braziliense
As denúncias de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), tribunal que avalia as punições impostas pela Receita Federal, acenderam as luzes do governo para outro órgão, o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro, conhecido como Conselhinho, responsável por ratificar ou derrubar multas aplicadas pelo Banco Central (BC) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Há o temor de que, também no Conselhinho, os bancos acusados de imporem perdas bilionárias aos cofres públicos tenham cometido as mesmas irregularidades para se livrarem das penas. As suspeitas ganharam força depois que técnicos do governo resgataram um caso polêmico: a liberação do Santander de pagar multa de R$ 580 milhões ao BC. O banco espanhol está na lista dos principais acusados de lesarem a Receita ao negociar, com conselheiros do Carf, a redução de uma multa de R$ 3,3 bilhões, como mostra investigação da Polícia Federal e do Ministério Público.
O que mais assusta no benefício concedido ao Santander, no caso da punição dada pelo BC, foi o motivo que levou ao não pagamento dos R$ 580 milhões: a burocracia. A instituição se beneficiou de um jogo de empurra entre o BC, o Ministério da Fazenda e o Conselhinho. O prazo para o acerto da multa caducou. Isso mesmo: caducou.
IRREGULARIDADES
As irregularidades investigadas pelo BC começaram em 2000. A autoridade monetária encontrou falhas cometidas pelo Banco Bozano, Simonsen, no recolhimento de depósitos compulsórios, recursos que devem ser, obrigatoriamente, entregues ao BC. Como o Santander havia arrematado o controle do Bozano, cabia à instituição espanhola arcar com as responsabilidades.
Aproveitando-se da indústria de recursos, o Santander conseguiu protelar o pagamento do débito, que, em 2004, totalizava R$ 210 milhões. Em 2006, o processo chegou ao Conselhinho, que o devolveu dois anos depois para o BC. O caso só voltou ao Conselho de Recursos em 2010. Curiosamente, em janeiro de 2012, o mesmo BC que insistia na cobrança avisou que o processo havia prescrito.
Ciente da decisão da autoridade monetária, meses depois, o Santander desistiu de todos os recursos que protelavam o acerto de contas. Em janeiro de 2014, o Conselhinho decidiu que houve “perda de objeto”, e o banco espanhol se livrou, definitivamente, de pagar a multa que, naquele momento, havia chegado aos R$ 580 milhões.
DECISÃO INACEITÁVEL
Para o presidente do Sindicato Nacional dos Servidores do BC, Daro Piffer, é inaceitável que uma multa tão grande tenha deixado de ser honrada por causa da burocracia. “Com o Carf sob suspeição, não há como não fazer alguma inferência ao Conselhinho”, diz. No entender dele, nada justifica o jogo de empurra, pois se acredita que os processos preparados pela área de fiscalização do BC sejam bem fundamentados.
“Caso as falhas estejam na elaboração dos processos feitos pelo BC, que se corrija isso o mais rapidamente possível, porque, senão, continuaremos vendo vários casos sendo arquivados e irregularidades, não punidas”, destaca Piffer. Ele cobra mais transparência sobre as decisões do Conselhinho. “Hoje, não se sabe o que está sendo julgado e as decisões tomadas. Não há publicidade.”
Piffer conta que ele e alguns colegas tentaram ter acesso a processos originários do BC julgados pelo Conselhinho. Apesar da insistência, não conseguiram. A mesma burocracia que favoreceu o Santander impediu a liberação das informações. É o mais claro sinal de que há muito de errado nesses tribunais, que deveriam defender os interesses públicos, mas se curvam aos que cometem delitos.
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