segunda-feira, 6 de julho de 2015

A mãe da democracia disse não

Sebastião Nery
Ao lado do hotel estaciona um caminhão. Leio na carroceria: – “Metáforas”. Pergunto ao porteiro italiano:
– O que é isso?
– Caminhão de “metáforas”.
Não era uma jamanta de poesia. Era apenas um caminhão de mudanças. “Metáfora” é mudança. Como se fosse o apartamento de Drummond levado para Itabira. São os mistérios das línguas, tão diversos e tão diversas, embora o grego seja a avó do português, que é filho do latim.
Mesmo para quem como eu inutilmente estudou grego no Seminário é impraticável no dia a dia. E o grego moderno, depois de tantas invasões, mudou muito o velho grego clássico. Para esperar o ônibus você não fica no “ponto”, mas no “êxtase”. Quando você sai do ônibus, do restaurante, da igreja, não sai pela “saída”. Sai pelo “êxodo”. Como Moisés.
A França não é França, lugarzinho onde viveram Napoleão e De Gaulle. É “Gália”, como dizia Julio César o imperador-jornalista, E a própria Grécia não é Grécia. É “Hellas”, “Helada”. Homero puro.
PÉRICLES
O rosto sereno, os olhos vazados, a barba encaracolada, no famoso busto que os ingleses roubaram e levaram para o Museu de Londres, onde está lá até hoje, durante 30 anos ele fez questão de se submeter, todos os anos, ao voto do povo, a eleições livres. E foi sempre reeleito.
A democracia, a mais perfeita instituição política que o homem conseguiu criar em toda a sua história, da qual Churchill disse que é a “pior forma de governo, com exceção de todas as outras”, nasceu sobretudo de suas mãos, de seu exemplo, de sua vida, 500 anos antes de Cristo.
Quando Péricles, o ateniense, deu aos representantes da “terceira classe” o direito de serem “arcontes” (parlamentar, magistrado com poder de legislar e executor das leis); quando distribuiu dinheiro aos pobres para que também eles pudessem exercer funções públicas; quando deu aos indigentes o direito de irem ao teatro de graça, Péricles estava instalando a primeira constituinte democrática, fazendo a primeira Constituição democrática, criando a democracia, 2.500 anos atrás.
O que dói na Grécia dói em mim.
GRÉCIA
Em Atenas, em janeiro de 1988, dei uma entrevista a TVs, rádios, revistas e jornais sobre o Brasil e a Constituinte que tinha acabado de aprovar nossa nova Constituição. Era difícil explicar-lhes como sair de uma ditadura de 20 anos sem punir os militares golpistas. Os deles estão presos.
Dois dias depois, era 17 de janeiro, lá estava eu nas bancas de jornais, com fotos e tudo, no meio daquelas manchetes incompreensíveis em letras do alfabeto grego, numa pagina inteira de entrevista ao jornal “Eleftherotypia”, assinada pela jornalista Stela Hoyda:
– “A Grécia continua uma janela aberta ao mundo. Sócrates e Péricles não passaram – disse-nos o jornalista Sebastião Nery, escritor, político, que já esteve aqui outras vezes e prepara um livro – “Grécia, a Mãe da Democracia” – cuja história antiga e moderna conhece, e destaca como personagem importante Markos Vafiadis, o comandante “Narkos” da resistência aos alemães e aos ingleses, na década de 1940”.
Desde 1958, sempre voltei à Grécia. Em 1963 e varias outras vezes, viajei o país todo, terras e ilhas, pesquisando, escrevi dezenas de textos, reuni tudo numa síntese histórica e política, mas nunca editei meu livro sobre a Grécia. Traí Sócrates, Péricles, a Stela Hoida. E minha deusa grega.
ABISMO
O Plebiscito de domingo mostrou um pais sofrido, dilacerado, esquartejado pela gula dos banqueiros internacionais, sobretudo os europeus. Quem fez a dívida brutal que hoje estrangula a Grécia e a jogou no abismo não foi o atual governo, com meses no poder. Foram os anteriores.
Foi a alemã dona Angela Merkel, que há mais de dez anos comanda seus aliados, os banqueiros alemães, e estimulou o endividamento grego. Foi o FMI (Fundo Monetário Internacional), já há vários anos dirigido por essa estranha girafa rebolante, a dona Christine Lagarde. Foi a direita grega reunida na “Nova Democracia”, sempre aliada, associada, submissa e servil aos banqueiros europeus, alemães, ingleses, suíços. Todos vorazes.
Tinha razão o lúcido historiador brasileiro Daniel Aarão Reis:
– “No referendo, o povo grego escolherá entre a submissão e a autonomia. Entre os velhos engravatados da Europa dos bancos e os jovens de Atenas, da Europa da solidariedade e das indumentárias informais. O comportamento deles evoca uma frase de Hélio Pellegrino, referindo-se aos líderes estudantis das passeatas brasileiras de 1968, barrados no Palácio do Planalto por impropriamente vestidos: “Não têm gravatas mas têm caráter.”
NÃO
A Grécia de Alexandre, que um dia derrotou a Pérsia, e Hitler e Stalin e os ingleses, derrotou os banqueiros europeus dizendo-lhes “Não”.
O que canta na Grécia encanta em mim.
 
 

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