Folha de São Paulo
– A duas semanas das novas manifestações contra o governo, Marina Silva
afirma que está disposta a pagar o preço por não defender o impeachment
de Dilma Rousseff.
Ela prega “responsabilidade” com a
democracia e diz que não vai “instrumentalizar a crise” para tentar
ampliar o desgaste da presidente.
Sem citar o PSDB de Aécio Neves, que
convocará eleitores para os protestos do dia 16, a ex-senadora sustenta
que os políticos devem “respeitar a sociedade” e evitar o “oportunismo”.
“O momento é de escutar. Ouvir e compreender, olhar e perceber”, rimou.
Marina recebeu a Folha na última quarta
(29), em São Paulo. Segurava seu programa de governo da campanha de
2014, em cópia xerocada e cheia de anotações a lápis.
Ela manifestou incômodo com as críticas
de que estaria muito calada diante da crise. “Estou trabalhando muito.
Não estou sumida não, viu?”
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Folha – A senhora consegue ver uma saída para a crise?
Marina Silva – A
contração da economia vai se estender por um período que ainda não
sabemos qual é. Se o país perder o grau de investimento, a situação vai
se agravar.
Neste momento, é preciso ter muita
responsabilidade. Já tivemos perdas em relação às conquistas econômicas.
Agora estamos tendo perdas em relação às conquistas sociais, com
inflação e desemprego. Uma coisa que não podemos perder é a nossa
confiança na democracia.
Não podemos, em hipótese alguma, colocar
em xeque o investimento que fizemos na democracia. Você não troca de
presidente por discordar dele ou por não estar satisfeito. Se há
materialidade dos fatos, não há por que tergiversar. Se não há, o
caminho doloroso de respeito à democracia tem que prevalecer.
As manifestações do dia 16 devem pedir o impeachment de Dilma. Qual a sua opinião?
A sociedade tem todo o direito de se
manifestar, porque foi enganada quando negaram os problemas e não
fizeram o que era preciso.
Mas esse protesto não pode antecipar o
que a Justiça ainda não concluiu. Uma coisa é o que a sociedade pauta,
outra é o que as lideranças políticas têm que ponderar.
Alguns políticos estão tentando
instrumentalizar a crise, em vez de resolvê-la. Na democracia, não se
resolve a crise passando por cima do processo constitucional.
Isso tem um custo? Claro. Mas a liderança
política não tem apenas que repetir o que se quer ouvir. Às vezes, ela
tem que pagar um preço. Não podemos deixar de considerar o valor da
democracia, até pelos traumas que passamos.
A sra. é cobrada por não defender o impeachment?
O presidente Fernando Henrique tem uma
postura ponderada e paga um preço por isso. Eu tenho pago o meu. Não
estou fazendo isso porque quero agradar A ou B. É porque acho que é o
certo. É muito fácil pensar que existe uma saída mirabolante.
Dilma tem responsabilidade pelo escândalo da Petrobras?
Ela foi ministra de Minas e Energia,
chefe da Casa Civil e presidente do conselho da Petrobras. Eu não seria
leviana de dizer, sem provas, que ela tem responsabilidade direta.
Sinceramente, torço para que não. Ela tem responsabilidades políticas e
administrativas. Não há como ser isentada politicamente.
Mas a legislação brasileira diz que é
preciso ter envolvimento direto para o impeachment. Não podemos ter uma
atitude leviana com isso.
A presidente voltou a falar em diálogo. A sra. aceitaria um convite para conversar?
Agora que estamos com o leite derramado, as pessoas se dispõem ao diálogo…
O caminho do diálogo é sempre bem-vindo, desde que se saiba em que direção. Na direção de mais do mesmo, não há o que conversar.
Torço para que a presidente e sua equipe
reconheçam a gravidade dos problemas e os erros que foram cometidos.
Reconhecer isso é a base para encontrarmos uma solução.
Qual a saída possível?
Temos que seguir dois trilhos. Um é o das
investigações, com autonomia para o Ministério Público, a Polícia
Federal e a Justiça. O outro trilho é o dos rumos da nação.
Talvez seja o momento de um pacto em
torno de uma agenda comum aos interesses do país. Qualquer governo
deveria ter apoio para medidas estruturantes. Eu não posso ser a favor
do desenvolvimento sustentável e votar contra ele porque quem está
propondo é a Dilma ou o Aécio. Isso seria incoerente.
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Detalhe do anel usado por Marina Silva
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Quais são os erros que o governo precisa reconhecer?
Em 2008, todo o mundo decidiu fazer o
dever de casa. O Brasil simplesmente negou a crise. Negou o princípio da
realidade. Tomamos medidas inicialmente acertadas, de estímulo ao
mercado interno, mas em algum momento a corda iria quebrar.
O governo criou a expectativa de que o país poderia continuar crescendo 7% ao ano, como em 2010.
Se a sra. fosse eleita, não faria um ajuste igual ao de Dilma?
A dose não seria de morfina, como a que
está sendo dada agora. Com mais credibilidade, com certeza se criaria um
ciclo virtuoso de investimento e mobilização dos setores produtivos. O
remédio seria menos amargo.
Eduardo Cunha pode continuar à frente da Câmara?
Nenhum de nós está acima da lei, por mais
que tenhamos cargos importantes no Congresso. Uma vez denunciado, é
óbvio que ele deve ser afastado, sem que isso seja um pré-julgamento.
Mas a função que ele ocupa pode criar impedimentos ao andamento das
investigações.
Alguns eleitores reclamam que a sra. anda distante do noticiário. A Marina sumiu?
Em 2010, as pessoas me faziam a mesma pergunta. Esse não é o momento de ficar gesticulando, tagarelando. É o momento do gesto.
Não estou aqui para instrumentalizar a
crise. Nunca parei de trabalhar. Continuo na militância socioambiental e
sou professora associada da Fundação Dom Cabral.
Pretende se candidatar a presidente de novo em 2018?
Ainda não sei. Estou ajudando a criar a
Rede [seu novo partido, ainda não registrado]. Quero fazer as coisas sem
estar presa ao que pode ser eleitoralmente melhor.
A gente está no fundo do poço porque a preocupação é maior com as eleições do que com o futuro da nação.
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