sexta-feira, 1 de julho de 2016

Por via oblíqua, Paulo Bernardo conseguiu que Toffoli o tirasse da prisão


Decisão de Toffoli é absolutamente inédita na Justiça brasileira
Jorge Béja
Foi na edição de quarta-feira da Tribuna da Internet que tomei conhecimento de que o ministro Dias Toffoli, do STF, havia expedido ordem para que Paulo Bernardo, marido da senadora Gleisi Hoffmann e que se encontrava preso por determinação do Juízo Federal da 6ª Vara Criminal de São Paulo, fosse posto em liberdade. A notícia, cujas fontes eram o Estadão e a Folha, foi publicada aqui na TI com o título “Toffoli tem uma recaída petista e manda soltar Paulo Bernardo, seu amigo pessoal”. No rodapé da notícia, nosso editor, jornalista Carlos Newton, registrou que o ministro tinha fortes relações com o PT e que por isso deveria se julgar suspeito para decidir. E parodiando o ditado popular que diz “onde passa um boi passada uma boiada”, Carlos Newton escreveu que o ministro “abriu a porteira, agora o resto da boiada quer passar”.
Também li outras notícias, especialmente a que informava que o próprio juiz federal, Paulo Bueno Azevedo, que havia decretado a prisão de Paulo Bernardo, desaprovava a decisão do ministro, embora fosse seu dever cumpri-la.
ISENÇÃO E FORO ÍNTIMO – A libertação pelo STF, de uma prisão decretada seis dias antes por um juiz de primeira instância também me deixou surpreso. Não pela relação do ministro Tóffoli com o PT, partido do qual foi advogado e ao qual Paulo Bernardo é filiado e foi ministro petista.
Creio na isenção do ministro, que já votou no plenário do STF contra pretensões petistas, muito embora um juiz jamais deveria julgar causa que tenha como parte interessada pessoa para quem, no passado recente ou remoto e antes de assumir a magistratura, já advogou e de quem foi advogado.
Mas sendo essa uma questão de foro íntimo, cabe exclusivamente ao magistrado levantar sua própria suspeição para permitir que um outro colega seu julgue o caso. Mas uma coisa é certa: a sensibilidade e a moral coletiva não aceitam. E quando a questão diz respeito aos interesses coletivos, públicos e nacionais, aí mesmo é que o povo desconfia ainda mais. Mas não será por isso que vamos lançar desconfiança sobre o referido ministro.
LAÇOS ROMPIDOS – Toffoli foi advogado do PT por longo tempo. Também foi nomeado Advogado-Geral da União pelo governo petista e pelo mesmo governo ascendeu à Suprema Corte. Mas esses laços se romperam para o ministro Dias Toffoli. Tanto romperam que desde que assumiu no STF, Toffoli nunca se julgou suspeito para julgar causas do interesse do Partido dos Trabalhadores e de seus filiados governistas, no Executivo e no Legislativo.
Minha surpresa e perplexidade foi a usurpação da uma instância. Explica-se: quando uma prisão é feita por um delegado de polícia, compete ao juiz criminal da comarca e que tenha jurisdição sobre o delegado, apreciar e decidir sobre a libertação do preso.
Quando a prisão é decretada por um juíz, aí é o tribunal local ao qual pertence o juiz que decide sobre o recurso contra a prisão. E quando a prisão é decretada por um tribunal (estadual ou federal), a competência para examinar recurso contra a prisão é do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando a fundamentação do recurso tem como base a(s) lei(s) e do Supremo Tribunal Federal (STF), caso o fundamento esteja na Constituição Federal. É assim. E assim consta do ordenamento jurídico nacional.
COMPETÊNCIA – No caso Paulo Bernardo, a instância competente para decidir recurso contra a sua prisão era – e continua sendo – o Tribunal Regional Federal (TRF) de São Paulo, a que está subordinado o juiz Paulo Bueno Azevedo, da 6a. Vara Federal Criminal Especializada em Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional e em Lavagem de Valores (nome comprido, mas é este mesmo) e que decretou a prisão do ex-ministro.
Daí me veio a pergunta que fiz a mim mesmo: como pode o STF mandar soltar uma pessoa que um juiz federal de São Paulo prendeu cinco ou seis dias antes? E a competência do Tribunal Regional Federal de SP, que é a devida instância, teria sido usurpada?
RECLAMAÇÃO – Só hoje é que consegui entender o motivo, muito pouco ortodoxo, com todo o respeito. Nosso colega, leitor, articulista e também advogado João Amaury Belem, me fez a gentileza de enviar a íntegra da decisão do ministro Dias Toffoli. É uma decisão longa. Muito longa. Ao lê-la, constatei que o ex-ministro Paulo Bernardo deu entrada diretamente no STF com uma Reclamação que tomou o nº 24506 MC/SP. Reclamação não é recurso. Como a própria palavra indica, é uma petição em que alguém reclama ao STF que decisão(ões) e/ou súmula(s)  da Suprema Corte foi ou foram contrariadas, desobedecidas, desrespeitadas, afrontadas por ato administrativo ou decisão judicial. Portanto, não é Habeas Corpus e também não é recurso nominado. É reclamação. Puramente reclamação, como previsto no Regimento Interno no STF e na própria Constituição (artigo 103-A, § 3º).
Nesse caso, a Reclamação não precisaria ser apreciada primeiro pelo TRF de São Paulo. A Reclamação é para ser apresentada diretamente ao STF, em razão do afrontamento, da desobediência de uma decisão proferida pelo próprio STF e sempre relacionada diretamente ao reclamante, que não deve e não pode ser desafiada ou desrespeitada.
SÍNTESE DA RECLAMAÇÃO – Mas de que reclamou Paulo Bernardo? O ex-ministro reclamou que o juiz da 6a. Vara Federal de SP era incompetente para decidir o processo criminal que culminou com sua prisão. Ele alegou “concurso necessário”, pois na sua visão as denúncias a ele atribuídas eram condutas ligadas à sua esposa, a senadora Gleisi Hoffmann que desfruta do privilegiado foro do STF.
Logo, no entender de Paulo Bernardo, ele pediu na Reclamação “a suspensão da investigação do reclamante e da Senadora Gleisi Hoffmann no âmbito dos autos de nº 5854-75-2016.403.6181”. E, logicamente, por se tratar de juiz incompetente, ele também formulou pedido de soltura, sob o fundamento que entendeu cabível.
A DECISÃO DE TOFFOLI – O ministro Dias Toffoli não aceitou a Reclamação de Paulo Bernardo. E precisou de muitas páginas para fundamentar e, finalmente, assim decidir: “Diante dessas circunstâncias, não vislumbro neste juízo de delibação, situação prevista no artigo 102, inciso I, da CF (este artigo trata da competência do STF), para justificar a liminar pleiteada”.
Dias Toffoli – mesmo sem haver a competência do STF – foi mais além. E passou a examinar as razões que Paulo Bernardo apresentou para demonstrar o que considerou ilegalidades da prisão. E a tal respeito, decidiu o ministro: “Entretanto, vislumbro, na espécie, constrangimento ilegal passível de ser reparado mediante concessão de Habeas Corpus de ofício. Nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal, os juízes e os tribunais têm competência para expedir, de ofício, ordem de Habeas Corpus quando no curso de processo, verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal. Ante o exposto, indefiro a liminar requerida. Todavia, por reputar configurado flagrante constrangimento ilegal, passível de correção por Habeas Corpus de ofício, determino a revogação da prisão preventiva de Paulo Bernardo Silva, decretada no processo 5854-75.2016.403.6181”.
Pronto. Sem precisar enfrentar a instância do TRF de São Paulo e por via oblíqua, eis que a Reclamação que apresentou ao STF não foi aceita no tocante ao mérito da competência para tirar das mãos do juiz paulista o processo que o levou à prisão, Paulo Bernardo conseguiu que o STF, por seu ministro Dias Toffoli, o libertasse.
LEI E RAZOABILIDADE – Realmente o artigo 654, § 2º do CPP diz: “Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso do processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal”.
Embora o comando deste artigo seja seco, é plausível e razoável interpretar que Habeas Corpus de ofício somente é para ser dado quando os juízes e os tribunais  também tiverem competência para decidir o mérito da causa. Fora disso, ou seja, sem esta competência, juízes e tribunais devem remeter os autos ao juízo competente. Isto é, declinar da competência e, sem libertar o réu preso, enviar os autos do processo para a autoridade ou órgão judicial competente. A este, sim, é quem competirá decidir sobre a libertação do preso. E no caso Paulo Bernardo, o órgão competente era –e continua sendo – o Tribunal Regional Federal de São Paulo. Caso contrário, um Habeas Corpus de réu preso pela Justiça do RJ e apresentado ao Tribunal de Justiça do Estado do Acre será recusado, evidentemente, por incompetênciaa territorial. Mas o TJ do Acre poderá mandar soltar o preso, mediante Habeas Corpus de ofício! Basta que os fundamentos sejam fortes e a prisão se mostre escancaradamente injusta.
FATO INÉDITO – Isso nunca aconteceu na história do Judiciário nacional. Mas quem garante que doravante não acontecerá?  No caso Paulo Bernardo, o ministro Toffoli declarou a incompetência do STF para julgar o mérito. Não, para conceder o HC de ofício. E nem enviou os autos ao TRF paulista para que os recebesse na classe-categoria de Habeas Corpus. E os retém no STF, com o réu já libertado.
Não vai aqui nenhuma censura à decisão do ministro. O propósito deste modesto artigo é provocar o debate sobre tão relevante e tema.  No ordenamento jurídico não há outro meio de levar a questão da prisão do Paulo Bernardo à analise pelo STF. Por enquanto, por ora. E a via escolhida, a via oblíqua, equivaleu a um bem sucedido triplo mortal carpado, como fazem os especialistas em saltos ornamentais.

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