Abrindo a fase de debates do julgamento de Dilma Rousseff no Senado, a advogada Janaína Paschoal, que representa a acusação, defendeu nesta terça-feira (30) a legitimidade do impeachment, criticou a tese de que houve um "complô" para afastamento da presidente, pediu desculpas a Dilma pelo "sofrimento causado" e chegou a chorar no fim do discurso.
Janaína chamou o impeachment de "remédio constitucional, ao qual nós precisamos recorrer quando a situação se revela especialmente grave, e foi o que aconteceu".
Citando o argumento da defesa, de que o processo pode ser considerado um golpe, caso haja condenação, a advogada reafirmou que ele segue todos os ritos legais. "Para que o povo brasileiro tenha consciência tranquila de que nada fora do que é legal e do é legítimo está sendo feito nesta oportunidade."
No pedido de desculpas à presidente afastada, Janaína citou os netos de Dilma.
No pedido de desculpas à presidente afastada, Janaína citou os netos de Dilma.
"Eu finalizo pedindo desculpas para a Senhora Presidente da República não por ter feito o que era devido, porque eu não podia me omitir diante de tudo isso.
Eu peço desculpas porque eu sei que a situação que ela está vivendo não é fácil. Eu peço desculpas porque eu sei que, muito embora esse não fosse o meu objetivo, eu lhe causei sofrimento. E eu peço que ela um dia entenda que eu fiz isso pensando também nos netos dela."
'Grande fraude'
Segundo a advogada, que se colocou como "defensora do Brasil", o afastamento de Dilma não foi cogitado por "probleminhas contábeis", mas porque ela fez dos brasileiros "vítimas de uma grande fraude". "Esta grande fraude foi, de maneira muito preciosa, apontada pelo procurador do Ministério Público, Ivan Marx."
Honestidade
Janaína disse que ouviu, reiteradamente, que a presidente afastada é uma pessoa honesta, mas discorda disso.
"Não me parece honesto dizer para um povo que existe dinheiro para continuar com programas que para esse povo são essenciais quando já se sabe que eles não existem; não é honesto juntar um parecer e ler apenas um parágrafo; não é honesto dizer que uma perícia que é absolutamente contrária lhe é favorável; não é honesto vir aqui e não responder a nenhuma das indagações, por mais claras e objetivas que fossem; não é honesto agraciar uma testemunha no curso do processo com um cargo público; não é honesto acusar uma colega sem checar."
A advogada afirmou que tudo isso mostra ao povo "como é o modo PT de ser". "O modo PT de ser é este: é a enganação, é o PT que não pede desculpas, é o PT que nega os fatos, nega a realidade." Ela também disse que Dilma faz o "eterno discurso da perseguição".
Denúncia
Em sua declaração, advogada falou ainda sobre os três pilares iniciais da denúncia: omissão de Dilma diante do petrolão, as "pedaladas fiscais" e os decretos de créditos suplementares editados em desconformidade com a meta. Segundo ela, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitou apenas a parte das "pedaladas" e os decretos de créditos suplementares. Por isso, não se pode falar em "complô".
"Se esta denúncia tivesse sido feita pela orientação do senhor presidente da Câmara teria sentido que ele rejeitasse parte significativa da acusação? O senhor Eduardo Cunha afastou tudo o que dizia respeito a petrolão. O senhor Eduardo Cunha afastou tudo o que dizia respeito aos fatos anteriores a 2015. Mas interpretou-se aquela primeira decisão a afastar tudo o que dizia respeito ao BNDES, inclusive no ano de 2015", afirmou.
Ela rebateu o argumento da defesa de que o processo é um golpe porque foi iniciado pelo presidente da Câmara. "Ontem [segunda-feira] eu fiquei surpresa com a acusação de que teria havido um complô entre os denunciantes, o presidente da Câmara dos Deputados e partidos de oposição. Chegou-se ao absurdo de dizer que o presidente da Câmara dos Deputados teria – se eu entendi – redigido a exordial [denúncia] ou ditado a exordial. Eu fiquei pensando: teria sentido o presidente da Câmara ter preparado uma exordial que, no minuto seguinte, ele simplesmente retaliaria?"
Nesta segunda-feira, a presidente afastada fez um discurso em sua defesa e foi interrogada por senadores.
De acordo com Janaína, a defesa ao mesmo tempo em que aponta a ilegitimidade do pedido de impeachment, se apega à primeira denúncia que foi apresentada, sem modificações. "Ou bem o homem [Eduardo Cunha] tem legitimidade ou o homem não legitimidade. O que não dá para compreender é que a um só tempo o homem seja a expressão do golpe e o limite da legalidade"
Responsabilidade fiscal
Janaína Paschoal, advogada da acusação, afirma que "é coerente" o governo de Dilma ser contra a responsabilidade fiscal, pois seu partido, o PT, votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. "É quase coerente, dentro da incoerência de sempre."
Ela disse que a lei foi criada na década de 1990, para impedir que bancos estaduais fizessem mau uso dos recursos públicos. "Vejam, senhores, como isto é importante: a Lei de Responsabilidade Fiscal nasce por isso e para coibir essa situação. Quando poderíamos imaginar que 16 anos depois do advento da lei, o governo federal faria pior – faria pior –, por muito mais tempo e na casa dos bilhões? Quando poderíamos imaginar?"
A advogada defendeu que o acompanhamento de metas fiscais seja feita bimimestralmente, e não apenas no final do ano. Segundo ela, apesar de a defesa falar que, pela lei, a única meta que deve ser cumprida é a anual, testemunhas confirmaram que há reuniões de acompanhamento bimestral, que são feitas a cada dois meses com a presidente da República.
De acordo a advogada, o Tribunal de Contas da União (TCU) não mudou regras, e a defesa não pode alegar que estaria sendo aplicada a retroatividade da lei.
"É falacioso o argumento de que o TCU teria mudado de posicionamento. Primeiro, ainda que isso tivesse ocorrido, uma eventual decisão do TCU não afastaria a Constituição Federal, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a legislação orçamentária vigente para o ano, a LOA. Mas isso não aconteceu." Ela disse que todas as normas já existiam e que as próprias testemunhas da defesa confirmaram isso.
Apoio popular
Janaína Paschoal disse que o processo de impeachment "é do povo". "É não só dos movimentos sociais que nos apoiaram, mas esse processo é de cada um dos brasileiros que se manifestou e deu forças para conseguíssemos chegar até aqui."
Janaína falou sobre a importância do Poder Legislativo e disse que prefere falar em República, e não democracia, porque a primeira palavra significa "aquilo que é de todos". "Ao trazer este pleito, de afastamento da senhora presidente da República, estou renovando a confiança que tenho nesta Casa."
"Foi Deus que fez que, ao mesmo tempo, várias pessoas percebessem o que estava acontecendo no país" e se organizassem para iniciar o processo do impeachment, afirmou a advogada.
Fala de Reale Júnior
Falando logo após Janaína, o advogado da acusação Miguel Reale Júnior criticou a presidente afastada Dilma Rousseff por atribuir o processo "uma trama urdida por Eduardo Cunha, sem se aperceber que o processo nasceu das ruas".
Em um discurso inflamado, Miguel Reale Júnior disse que a "sociedade brasileira" foi às ruas não por revanche partidária, mas porque viu que estava havendo "descaso". Ele pediu que os senadores punam Dilma e a afastem da vida pública.
Para o advogado, "há crime de responsabilidade e há dolo". Segundo ele, o crime está, inicialmente, no uso dos bancos oficiais para financiar o Tesouro. Miguel Reale Júnior reafirmou que as "pedaladas fiscais", que são atrasos nos repasses da União para os bancos públicos, são operações de crédito. "O fato se consumou e está consumado. O fato está absolutamente configurado."
De acordo com ele, as "pedaladas fiscais" foram ocultadas da dívida pública, gerando resultado primário falso e enganando o mercado e a população. O advogado acusou a presidente afastada de fazer isso para poder continuar gastando.
Miguel Reale Júnior disse que Dilma demonstrou, em seu interrogatório nesta segunda-feira (29), que tinha conhecimento de detalhes da política fiscal, por isso, deve ser responsabilizada. "Imaginem se não conhecia o gigantesco problema de uma dívida do Tesouro no valor de R$ 60 bilhões."
'Fim da esperteza malandra'
Miguel Reale Júnior disse que o país não está prestes a mudar de governo, mas a "mudar de mentalidade". Ele criticou o que chamou de descontrole das contas públicas e o aparelhamento do estado, que difundiu no país que o importa é ser malandro. "O lulo-petismo é a legitimação da esperteza malandra. O país não quer mais isso."
Assim como Janaína Paschoal, o advogado afirmou que o processo de impeachment é legítimo e não feriu o direito de ninguém. "Não haverá nenhuma injustiça. Tenham a consciência tranquila." De acordo com ele, "não houve um risco sequer nas instituições" e o Brasil vive uma maturidade política. "Estamos dando uma demonstração imensa de democracia ao mundo", disse.
O advogado afirmou que a pena - a perda do mandato - é justificável pelas graves crises política e econômica que o país enfrenta.
Próxima etapa
O advogado de Dilma, José Eduardo Cardozo, falou após o discurso da acusação. Depois, estão previstas réplica e tréplica de 1h cada. Com isso, a fase de debates entre os advogados deve durar, ao todo, 5h.
Após o debate entre os advogados, terá início a fase de manifestação dos senadores sobre o processo. Cada um terá até 10 minutos para discursar, o que deve fazer com que a sessão se estenda por muitas horas. Caso os 81 senadores decidam se pronunciar pelo tempo máximo, a previsão é de que, só esta fase, dure 13 horas e meia.
Fonte: G1
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