Gustavo Villela (O Globo)
Após iniciar a carreira política como secretário de Turismo na gestão de Mário Covas na Prefeitura de São Paulo, João Doria Júnior chegou à presidência da Embratur no governo José Sarney. No cargo, o hoje prefeito da maior cidade do país e presidenciável envolveu-se numa polêmica com os nordestinos. No dia 30 de junho de 1987, durante debate em Fortaleza com cerca de cem empresários do setor, Doria propôs que a seca virasse atração turística.
Na ocasião, o então presidente da Embratur sugeriu que a seca fosse explorada turisticamente, a exemplo do trabalho de milhares de homens em busca de ouro, na Serra Pelada, que se tornara atração turística, conforme noticiou O GLOBO na edição do dia seguinte. A reportagem dizia ainda que, para justificar a sugestão, Doria afirmou que os brasileiros têm o direito de conhecer “a riqueza e a pobreza do Brasil”.
— A Caatinga nordestina poderia ser um ponto de visitação turística e gerar uma fonte de renda para a população sofrida da área, respeitando as características culturais e humanas da população, sem exploração da miséria — disse Doria para uma plateia, reunida em um hotel de Fortaleza, que incluia o então governador do Ceará, Tasso Jereissati, hoje seu colega de legenda no PSDB.
Doria também afirmou, para defender a sua proposta, que o governo federal deveria aumentar os investimentos no turismo e reduzir a verba para a irrigação. A ideia do então presidente da Embratur de fazer da seca atração turística não agradou a nordestinos. O próprio ministro do Interior de Sarney, João Francisco Cavalcante, foi um deles. Um dia após a declaração de Doria, Cavalcante disse que, como nordestino, não poderia concordar que se transformasse um problema como a seca em atração turística. Ele acrescentou que preferia “imaginar que essas declarações não existiram”.
Ex-governador de Pernambuco, Roberto Magalhães, por sua vez, disse acreditar que a proposta de Doria tenha sido feita com a melhor das intenções, mas ressaltou que a seca e o turismo são coisas incompatíveis.
— Turismo não se faz com o sofrimento, porque a seca é, na realidade, um drama causado pela conjunção da probreza da natureza com a do homem sertanejo. Ela é uma vergonha nacional porque jamais se fez dela uma prioridade.
Para Jereissati, entretanto, as declarações de Doria foram deturpadas. Segundo ele afirmou na época ao jornal, o então presidente da Embratur se referia à exploração turística da Caatinga, como fazem os Estados Unidos no Arizona. Mas o governador do Ceará admitiu que Doria “não foi muito feliz” ao fazer a proposta. A ideia do atual prefeito paulistano também repercutiu negativamente nas rádios cearenses. As emissoras de Fortaleza dedicaram grande espaço na sua programação para debater o assunto. Os ouvintes que ligaram para as rádios foram unânimes em reprovar a sugestão de Doria.
Em artigo de opinião, publicado na edição do dia 2 de julho de 1987, O GLOBO também fez comentário sobre a declaração do então presidente da Embratur. Com o título “Turismo geral”, o artigo destacou que, ao propor a exploração turística da seca do Nordeste, Doria sugeriu também a redução dos recursos para a irrigação. “Do ponto de vista de quem só pensa em sua área de especialização, a ideia tem lógica: se continuarem nessa insensata irrigação, um dia ainda acabam com a seca — e onde é que os turistas vão gastar os dólares?”.
O texto do artigo, em tom irônico, diz ainda que seria bom programar roteiros alternativos, concluindo que “teríamos excursões anuais às enchentes no Sul, caminhadas noturnas na Baixa Fluminense para presenciar o ritual de desova, visitas ao Manicômio do Juqueri, caçadas de jacarés no Pantanal e assim por diante — até o bom senso voltar”.
No mesmo dia 2 de julho, a Embratur divulgou nota esclarecendo as declarações de João Doria. Segundo a assessoria de imprensa da Embratur, conforme noticiou o jornal, Doria não sugeriu que o fenômeno da seca deveria ser usado para incrementar o turismo no Nordeste. A nota acrescenta que Doria “não teve qualquer intenção de promover o desrespeito pelo ser humano ou a exploração da miséria ou do flagelo da seca”, nem propôs que se diminuíssem os investimentos em irrigação, mas que se ampliasse o investimento da Sudene em projetos turísticos.
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