sábado, 3 de março de 2018

Há risco de “militarização” na intervenção mal planejada no Rio

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Charge do Ziraldo (Arquivo Google)
Luís Costa PintoPoder 360
No dia seguinte à deposição de Dilma Rousseff um dos ministros palacianos do governo derrubado pelo impeachment liderado por Eduardo Cunha alertou-me: vai dar confusão.
– Vai dar confusão o quê?, quis saber. E ainda provoquei: – Mais confusão do que essa? A inapetência política da presidente nos trouxe até aqui…
– Sérgio Etchegoyen vai dar confusão, explicou-me o ex-ministro. E emendou: – Nem o Fernando Henrique, nem nós, cometemos a loucura de botar um general da ativa dentro do Palácio do Planalto. Desde Itamar Franco, na verdade, só generais de pijama, da reserva, foram para o Palácio. Etchegoyen é competente, mas é ousado e tem um lado. Mais que isso – tem linhagem fardada. Vai dar problema.
PALAVRAS SÁBIAS – A advertência do antagonista derrotado pelo grupo de Michel Temer no teatro político de 2016 ecoou por uns dias em minha cabeça. Depois arquivei-a. Entretanto, eram sábias e premonitórias aquelas palavras.
Açulado pelo faz-tudo (ou faz-qualquer-coisa) Moreira Franco no bivaque palaciano, Sérgio Etchegoyen foi conquistando mais e mais poder no núcleo operacional do governo. Começou a espalhar colegas de tropa, alguns deles de sua turma de generalato, em cargos outrora civis nos ministérios da Justiça e da Defesa e em áreas diversas do Poder Federal. Na esteira da implantação dessa capilaridade o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional foi forjando uma liderança entre os servidores fardados do Executivo e aumentando a voz e a autoridade com os colegas de ministério.
O píncaro da glória para o 1º general da ativa a desfrutar de entrada franca no gabinete presidencial desde a redemocratização deu-se com a decretação da intervenção no Estado do Rio de Janeiro.
SEM OBSTÁCULOS – Egresso da Cavalaria, Etchegoyen sentou praça na oportunidade que se descortinou a seus olhos e agora porta-se como um São Jorge destinado a debelar os dragões da maldade na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
A presença do nem psicólogo nem filósofo (foi jubilado nos dois cursos em faculdades privadas do Recife, Unicap e Fafire) Raul Jungmann no Ministério da Segurança Pública não é obstáculo para Sérgio Etchegoyen. Ao contrário, é elemento facilitador.
Conhecido desde o início dos anos 1990, em Pernambuco, quando ocupou o primeiro cargo público de sua vida no mandato tampão de Carlos Wilson no Governo do Estado, por ser capaz de teorizar sobre tudo –desde a migração das borboletas mexicanas até a aparição de tubarões tigre na orla recifense– sem jamais conhecer a fundo qualquer assunto, Jungmann é daqueles que se adequam às situações que lhe são oferecidas. No momento, é o biombo civil para a aventura militar que se descortina no Rio de Janeiro.
MESTRE-SALA – Jungmann sentir-se-á à vontade como mestre-sala do palco onde generais desfilam com a pretensão de se tornarem líderes no futuro, aglutinando tropas e reconhecimento popular. Foi assim que quarteladas, grandes tragédias e golpes começaram em nossa História.
A República brasileira é consequência tardia da Guerra do Paraguai. A Abolição da Escravatura é a filha mais dileta das batalhas nos charcos paraguaios, mas a República também começou a nascer nos longos acampamentos de tocaia às falanges de Solano López. O senso de hierarquia e o respeito às lideranças fardadas se consolidaram também em meio àquela carnicenta disputa pelo controle dos rios Paraná e Prata.
A proclamação da República foi uma quartelada. Éramos uma monarquia razoavelmente consolidada cercada por jovens repúblicas em ebulição na América do Sul. Dom Pedro II, descrito pelo The New York Times em seu obituário como “o mais ilustrado monarca do Século XIX”, foi derrubado numa madrugada de 15 de novembro por um marechal Deodoro da Fonseca de maus bofes e insone. Assim como a intervenção no Rio neste ano de 2018, em 1889 não havia um planejamento dos “republicanos” para o funcionamento da República –mas o movimento criou válvulas de escape para as lideranças forjadas nas batalhas guaranis.
MILITARIZAÇÃO – Testemunhamos agora um Rio de Janeiro remilitarizado. O Estado está sob intervenção comandada por militares da ativa que respondem em Brasília ao general que atingiu o tempo de serviço necessário à remoção para a reserva, mas não larga a titularidade e frequenta diariamente o Palácio do Planalto sem vestir pijamas. Sérgio Etchegoyen é sujeito ativo dessa intervenção, liderança ascendente na caserna.
A intervenção urdida por Moreira Franco, tocada por Etchegoyen e sua turma e autorizada por Temer deu aos militares um projeto de reaglutinação de lideranças e a oportunidade de buscar apoio popular. A aventura militar no Rio só não deu, nem a eles nem à sociedade brasileira, uma rota de fuga à marcha da insensatez.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Enviado pelo advogado João Amaury Belem, o artigo era bem mais extenso, rememorando em detalhes o passado militarista do país. Tomamos a liberdade de reduzir um pouco o excelente texto, para adaptá-lo ao estilo do blog. (C.N.) 

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