Sérgio AbranchesBlog do Matheus Leitão
A Venezuela está presa em um labirinto sem heróis. Cada lado é culpado das acusações que lhe fazem o outro lado. É uma história sem um lado bom, com um grande e sofrido perdedor, que é o povo venezuelano. Ele acreditou no sonho com Chávez e perdeu. Nos estertores do governo, já enfrentava muita privação. Com o sucessor, mergulhou na fome e na desesperança. Maduro é um ditador improvisado de um quadro treinado para ser teleguiado. Era para ser manipulado e virou dono do poder.
Não há dúvida de que a cúpula da Venezuela hoje está mergulhada na corrupção e de mãos dadas com o banditismo. Mas os venezuelanos não podem esperar muito, também do outro lado. Juan Guaidó, aliou-se com lideranças cuja agenda nada tem a ver com o drama venezuelano. Atende mais aos impulsos de Donald Trump, que tem se provado mais irresponsável do que se imaginava possível no establishment americano.
SEM ALTRUÍSMO – Não se pode acreditar, nem por ingenuidade, que Trump tenha alguma inclinação altruísta. EUA, Brasil e Colômbia estão usando a ajuda humanitária como arma política contra Maduro, não por ser um governo tirânico, mas por não estar alinhado ideologicamente com eles. Maduro queima alimentos e medicamentos necessários à população, como se fossem tóxicos e não agudamente necessários. Mas não foram enviados por solidariedade e sim como aríete para arrombar as portas do regime. É um confronto sem inocentes com milhões de vítimas.
O quadro é de um impasse de alto risco e muito dano. Maduro escala no front diplomático, rompe relações com a Colômbia, fecha as fronteiras, mas até agora não buscou o confronto violento.
Nos discursos à militância faz ataques violentos e dispara bravatas. A violência dos últimos dias é resultado da situação arriscada a que o impasse chegou. Excessos, com mortes, são quase inevitáveis nessas circunstâncias.
MILITARISMO – A Venezuela tem as forças armadas mais bem equipadas da América do Sul. Chávez comprou a lealdade dos militares armando-os até os dentes com armamento comprado na Rússia. Ao mesmo tempo, começou a armar militantes, organizados em milícias e outras modalidades de distribuição do poder e de uso da força física. Maduro apóia-se tanto mais nessas forças paramilitares, quanto maior é a ameaça de deserção nas forças armadas.
Por enquanto, estas se limitaram à média e baixa oficialidade e a oficiais de alta patente na reserva. Não se pode descuidar, todavia, do fato de que Chávez, eleito, consolidou seu poder, assumindo o controle das forças armadas, com base na média oficialidade. Coroou os coronéis, como ele, para as patentes mais altas e forçou a transferência em massa para a reserva de oficiais generais que se mostravam recalcitrantes em apoiá-lo.
O comando militar, hoje, está inapelavelmente atrelado à rede de corrupção. Mas, os que não estão nela incluídos ou que ainda podem se afastar, constituem ameaça real à permanência de Maduro no poder. É um ditador que só resiste, e como tem resistido, apoiado no poder militar.
É INTERVENÇÃO – Não há boas intenções na política dos países que se opõem a Maduro. Trump, desde o início de seu governo, vinha procurando uma forma de intervir na Venezuela. O alinhamento do governo colombiano não era suficiente. Agora, está mais perto do que desejava, com a adesão da facção mais aventureira do governo Bolsonaro. Todos os sinais são de que os generais que cercam o presidente têm impedido esse grupo, até agora, de entrar numa aventura na fronteira sem bom desfecho possível. Mas não conseguem impedir os erros e desacertos da facção rápida no gatilho.
O Itamaraty está entregue a aprendizes de embaixador. Eles atropelam toda a inteligência e os procedimentos que fizeram de nossa diplomacia profissional uma das mais respeitadas do mundo. É esse arroubo da inexperiência que permite ao chanceler Ernesto Araújo formular declarações com duas cláusulas, uma contrariando a outra. Não consegue sequer disfarçar, no manejo das palavras, a natureza puramente política da carga enviada à Venezuela como ajuda humanitária.
CAVALO DE TRÓIA – Não é ajuda, nem é humanitária. Não passa de um cavalo de Tróia mal-ajambrado. A declaração do chanceler revela que a ação humanitária é de inspiração política. Disse que era importante que as autoridades venezuelanas deixassem passar a ajuda, por seu sentido humanitário, e pelo significado simbólico político de apoio ao governo Guaidó, o único legítimo.
A oposição no Brasil, ao apoiar Maduro para se opor a Bolsonaro e a Trump, sacrifica a legitimidade da crítica à falsidade do humanitarismo desses governos. A oposição interna a Maduro fracassa em oferecer ao povo de seu país a esperança de uma saída democrática e progressista, ao aceitar fazer o jogo de Trump e sua coalizão.
A solidão do povo venezuelano é perturbadora e inquietante. Há uma sombra a avançar pelo continente, sob a qual esquerda e direita perseguem seus fantasmas ideológicos e deixam o povo só e vulnerável.
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