segunda-feira, 3 de junho de 2019

Assessores de Flávio Bolsonaro não tinham crachá e jamais compareciam à Assembleia

 

Andrea Siqueira Valle, a fisiculturista que vive de faxina Foto: Juliana Dal Piva/Agência O Globo
Quando viu a equipe de reportagem, Andrea saiu logo correndo
Juliana Dal PivaO Globo
O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) empregou nove parentes de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, no período em que foi deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). A maioria deles vive em Resende, no Sul do estado do Rio e todos tiveram o sigilo fiscal e bancário quebrado por decisão do Tribunal de Justiça do Rio.
Nas últimas semanas, O Globo apurou que ao menos quatro deles têm dificuldades para comprovar que, de fato, assessoraram Flávio. Em Resende, o vendedor aposentado José Procópio Valle e Maria José de Siqueira e Silva, pai e tia de Ana Cristina, jamais tiveram crachá funcional da Alerj. Ele ficou lotado cinco anos e ela, nove.
SEM CRACHÁ – Apesar de ter nascido em Resende, a cidade não é reduto eleitoral de Flávio. Ele também não possui escritório político lá. Já a irmã Andrea Siqueira Valle e o primo Francisco Diniz constaram como funcionários por mais de uma década e só há registro de crachá para o ano de 2017.
Diniz é o que ficou mais tempo lotado, um total de 14 anos. Durante esse tempo, ele cursou a faculdade de veterinária, em período integral, em Barra Mansa, também no Sul do estado.
O grupo de familiares é alvo da investigação que apura a prática de “rachadinha” no gabinete, devido às movimentações atípicas, em um total de R$ 1,2 milhão, de Fabrício Queiroz, outro ex-assessor.
A FISICULTURISTA – Em Guarapari, no litoral do Espírito Santo, a fisiculturista Andrea Siqueira Valle, de 47 anos, é uma mulher com medo. Ao encontrar a reportagem na esquina de sua casa, Andrea começou a correr em direção ao portão de entrada do pequeno prédio onde aluga uma quitinete a R$ 800 por mês. Questionada se trabalhou para Flávio Bolsonaro, repetiu, insistentemente, que “não tinha nada a declarar”.
Quem conhece Andrea agora não imagina que, até agosto de 2018, ela tinha um salário bruto de R$ 7.326,64, além de receber um auxílio educação de R$ 1.193,36. Ela esteve lotada no gabinete de Flávio Bolsonaro desde 2008, sendo que, por nove anos, jamais teve identificação funcional. Apenas em 2017 foi pedido um crachá da Alerj em seu nome. Nesse período, ela sempre viveu em Resende, na casa dos fundos dos pais.
FAZ FAXINAS – Na cidade, Eliane Montaglione, dona da Academia Physical Form, disse que, no passado, Andrea era conhecida por participar de concursos de fisiculturismo e malhar várias vezes ao dia. O Globo apurou que Andrea trabalhava com faxina para residências. Questionada se soube que ela trabalhava na Alerj, Eliane demonstrou surpresa: “Nossa! Nunca soube.”
Atualmente, em Guarapari, as dificuldades financeiras de Andrea não são segredo. A três quadras de casa, ela malha na academia Sports Center. A proprietária Renata Mendes contou que tem permitido que ela use a academia de graça como meio de patrocínio. “Ela também me ajudou com faxina na academia. Ela faz esse tipo de serviço aqui na academia”. — contou Renata. “A filha dela já foi morar com o pai, para poder ajudar ela também”.
A única lembrança de uma pessoa próxima da família sobre a vida política de Andrea é vê-la distribuindo santinhos em período eleitoral.
O VETERINÁRIO – Lotado no gabinete de Flávio Bolsonaro por 14 anos, o veterinário Francisco Siqueira Guimarães Diniz, de 36 anos, é primo de Ana Cristina e filho de Marina Siqueira Diniz, tia da ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro e também ex-assessora de Flávio. Tanto mãe como filho tiveram os sigilos fiscal e bancário quebrados pela decisão judicial.
Chico Diniz é conhecido em Resende por estar sempre no campo com cavalos e outros animais, exatamente como mostra sua página no Facebook. Ele foi lotado inicialmente no gabinete de Flávio quando tinha 21 anos, em fevereiro de 2003.
Dois anos depois, em 2005, ele começou a cursar a faculdade de Medicina Veterinária no Centro Universitário de Barra Mansa, cidade a 140 quilômetros do Rio e próxima a Resende.
HORÁRIO INTEGRAL – Dalila Fernanda Manduca cursou faculdade junto com Diniz e contou ao Globo que ele frequentava as aulas e se formou com ela. A faculdade era integral, as aulas ocupavam manhã e tarde. A turma concluiu o curso no fim de 2008 e Diniz se formou.
Em 2016, o primo de Ana Cristina também apareceu em uma foto da equipe H.G.VET Comércio de Produtos Agropecuários e Veterinários. A empresa, com sede na cidade paulista de Cruzeiro, confirmou que Diniz trabalhou lá por um período, mas não quis detalhar por quantos anos.
Diniz chegou a ganhar um salário bruto de R$ 7.326,64, com direito ainda a auxílio-educação de R$ 1.052,34. Ele só foi exonerado em fevereiro de 2017. Apesar de estar lotado por 14 anos, somente em 2017, quando ele só constou como funcionário por dois meses, é que foi pedido um crachá funcional da Alerj para ele.
Procurado pelo GLOBO, Diniz disse que trabalhou para Flávio Bolsonaro, mas não recordava por quanto tempo. “Trabalhei, sim. Não lembro de cabeça (o tempo)” — disse ele, por telefone. Ao ser questionado como trabalhava quando estava na faculdade em Barra Mansa, desligou o telefone.
A PROFESSORA – A aposentada Maria José Siqueira e Silva, de 77 anos, enfrenta depressão há anos. Tia de Ana Cristina, ela era professora do ensino fundamental e trabalhou no Colégio Estadual Antonina Ramos, em Resende. Devido à doença, foi deslocada para atuar na secretaria da escola. Essa situação perdurou até outubro de 2003, quando o deputado estadual Flávio Bolsonaro, em seu primeiro mandato, a requisitou para seu gabinete na Alerj.
Nessa época, já com 61 anos, Maria José deixou de vez a escola. Ficou lotada no gabinete até maio de 2012 e chegou a receber um salário bruto de R$ 4.400,06. Nunca teve crachá funcional da Alerj.
Ex-vizinha de Maria José, Maria Helena Correia trabalhou como diarista na casa da professora em 2010, quando ela estava lotada no gabinete. Disse, porém, que nunca soube que Maria José trabalhasse para Flávio. “Ela nunca saiu daqui para trabalhar fora não” — contou a ex-vizinha.
Maria José se aposentou em 2012, logo depois da exoneração no gabinete de Flávio. Procurada, disse que não iria se pronunciar.
O Ex-sogro – O vendedor aposentado José Cândido Procópio da Silva Valle, de 76 anos, é pai de Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro. Ele foi nomeado no gabinete de Flávio em 2003. Lá, teve um salário bruto que chegou a R$ 6.322,28 em 2007. Ele foi exonerado um ano depois. Durante todo o período jamais teve crachá da Alerj.
Questionado se trabalhou para Flávio Bolsonaro, ele disse que não queria falar: “Olha não tenho nada a declarar nesse momento”. Valle, no entanto, não desligou o telefone propriamente e continuou conversando com pessoas a seu redor sobre o telefonema recebido pelo Globo.
“Bati o telefone. Mas toda hora ligam, quando não é um é outro (jornalista)”— disse. Depois emendou: “Eu não ligo para isso não, que isso vai acabar em pizza mesmo. Vai dar em nada”.
Valle disse temer grampos: “Não posso falar muito nisso que posso estar grampeado“ — disse. “Falei para a (Ana) Cristina, para a Henriqueta (sua mulher), não vamos falar antes do tempo. Talvez não aconteça nada”.
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FLÁVIO: FUNCIONÁRIOS DO GABINETE ERAM ‘QUALIFICADOS’
O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) disse que os parentes da ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro foram nomeados em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) porque eram “qualificados para as funções que exerciam”.
Por meio de nota, Flávio disse que eles “trabalharam em diferentes áreas, mas sempre em prol do mandato, tanto que as votações enquanto deputado estadual foram crescentes”. Segundo o senador, as contratações dessas pessoas ocorreram “de forma transparente e de acordo com as regras da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj)”.
A execução do trabalho, diz o senador, também “ocorreu de acordo com as normas”. Ele disse ainda que os cargos comissionados da Alerj são de duas naturezas: “técnica (com o profissional no gabinete) e de natureza política (com o profissional na base eleitoral)”. O senador, porém, não respondeu às perguntas formuladas pelo Globo.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
 – O problema de Flávio é gravíssimo e o sigilo vai confirmar se houve ou não “rachadinha”. Como diz o Ministério Público estadual, os indícios são robustos, não somente contra ele, mas atingindo também muitos outros deputados. (C.N.)

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