Antigo desejo de deputados e senadores, a restrição ao uso pelo presidente da República de medidas provisórias está no topo da lista de ações do parlamentarismo branco que o Congresso promove em meio à inicial desarticulação política do governo de Jair Bolsonaro (PSL).
Criadas pela Constituição de 1988 em substituição aos decretos-lei da ditadura, as MPs são o principal instrumento do governo para legislar. Elas têm força de lei, mas precisam ser aprovadas em até 120 dias pelo Congresso para virarem, de fato, uma lei.
As MPs são fonte constante de críticas de congressistas porque não há limite ao seu uso pelo presidente, ocupam parte relevante da agenda do Congresso e, em alguns casos, não atendem aos critérios de relevância e urgência exigidos pela Constituição.
A tentativa de restringir o mecanismo conta com o aval de parte da cúpula da Câmara e do Senado e é tratada em duas frentes.
A mais importante delas está no Senado.
No início de abril foi apresentada uma proposta de emenda à Constituição (PEC 43/2019), de autoria dos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Antonio Anastasia (PSDB-MG), que conta com a assinatura de 28 dos 81 integrantes da Casa.
Ela está em análise pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que é o primeiro passo da tramitação, e estabelece regras duríssimas para o uso das medidas provisórias.
Só cinco poderiam ser editadas pelo presidente a cada ano, e não seria permitido que abordassem temas já tratados em projetos em tramitação no Congresso.
Uma das intenções dos defensores da medida é forçar o Palácio do Planalto a conduzir suas propostas por meio de projetos de lei, que só passam a vigorar depois de cumprir toda a tramitação no Congresso e serem sancionadas pelo presidente, ou encampar propostas de parlamentares já em tramitação.
Hoje não há limite para a edição de MPs. Só nos seus primeiros meses de mandato, Bolsonaro editou 14 medidas provisórias. O número é menor do que o de Michel Temer (MDB) em igual período de sua gestão (23), mas supera os de Dilma Rousseff (PT) nos cinco primeiros meses de seus dois mandatos –13 e 9, respectivamente.
Sem uma base formal de apoio no Congresso, Bolsonaro tem encontrado dificuldade em fazer valer suas propostas.
Na semana que passou, o governo conseguiu aprovar no Congresso a MP que reduziu o número de ministérios, mas perto do prazo de 120 dias e com alterações, como a retirada do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) da alçada do Ministério da Justiça de Sergio Moro —o órgão fiscalizador voltou para a pasta da Economia.
Randolfe diz que apresentou a proposta de emenda à Constituição após entendimentos com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), de quem é aliado.
“Eu apresentei a PEC após diálogo com o presidente do Senado e com outros líderes. Tasso [Jereissati, do PSDB], Anastasia… Não conversei com o Maia [Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara], mas sei que existe simpatia na Câmara, inclusive do presidente Maia”, afirma Randolfe.
De fato, a Folha ouviu de vários deputados federais a afirmação de que o tema é uma de suas prioridades em 2019.
Além das tradicionais críticas ao uso indiscriminado de MPs, vários partidos querem dar uma resposta a Bolsonaro, que desde a transição tem estimulado um discurso considerado por esses parlamentares como de criminalização da tradicional atividade política.
Com base em conversas com empresários e representantes do mercado, esses congressistas têm avaliado que o governo não reuniu até agora capacidade real de governabilidade e que, nesse momento pelo menos, cabe ao Congresso tomar as rédeas.
Devido a isso, Câmara e Senado adotam uma espécie de parlamentarismo branco, assumindo a linha de frente das reformas da Previdência e tributária, entre outras ações.
Apesar do clima favorável, o texto que restringe as MPs deve sofrer oposição e provavelmente será modificado.
Relator da PEC na CCJ, o senador Esperidião Amin (PP-SC) diz não ter posição ainda sobre a ideia. Para ele, o principal problema das MPs é o Congresso, não o instrumento.
“Eu sou autor do texto que está em vigor. A Emenda Constitucional 32 [que proibiu a reedição indefinida de MPs não analisadas], de 2001, é proposta minha, copiando modelo de Santa Catarina. A prática de reeditar é muito pior do que é hoje. Hoje a culpa é do Congresso, culpa nossa, porque a Câmara retém [demora a votar as MPs e dá pouco tempo de análise ao Senado]”, diz Amin.
Ele afirma que apresentará um relatório em tempo menor do que a Câmara gasta para votar uma MP. “Não analisei, mas não tenho nenhuma disposição a favor disso, a MP é um instrumento regulado pela Constituição. Ainda não tenho posição, mas não tenho boa vontade”, afirma.
Cabe a Amin apresentar um relatório que será aprovado ou rejeitado pela CCJ, composta de 27 senadores titulares —11 deles signatários da PEC.
SARNEY
A outra frente para modificar as regras de tramitação das MPs está na Câmara, em outra PEC, a 70/2011.
De autoria do ex-presidente da República José Sarney (1985-1990), a proposta já foi aprovada no Senado e nas comissões da Câmara, estando pronta para ser votada no plenário. Ela, inclusive, esteve na pauta de votações da última terça-feira, mas acabou não sendo analisada.
O texto tem como um dos objetivos estabelecer mecanismos para assegurar que o Senado tenha mais tempo para analisar as MPs —hoje é comum a Câmara esgotar praticamente todo o tempo de 120 dias de análise e enviar as medidas para o Senado no limite do prazo.
De 1988 até 2001, o poder das medidas provisórias era mais elevado. Elas podiam ser reeditadas sucessivamente caso não tivessem sido analisadas pelo Congresso.
Com a Emenda Constitucional 32, estabeleceu-se o prazo de até 120 dias para votação por deputados e senadores, período após o qual a MP perde a validade se não tiver sido aprovada. A emenda também proibiu a edição de MPs para temas como direito penal e processual civil, entre outros.
Em 2009 a Câmara passou a adotar uma interpretação do então presidente da Casa, Michel Temer, que afrouxou a camisa de força no plenário, que era impedido de votar outros temas caso houvesse MPs com o prazo mínimo de análise estourado –o chamado “trancamento de pauta”, no jargão legislativo.
A partir de então, a Casa passou a entender ser válida a votação, nessas situações, de projetos que não poderiam ser objeto de MPs, como emendas à Constituição. Da Folha de SP
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