
Feliciano, Pereira e Sóstenes fingem que estão descontentes
Thiago Prado
O Globo
Em meio a sinais dados por partidos de esquerda de que tentarão se reaproximar de igrejas evangélicas para as eleições de 2022, o Planalto enfrenta o seu momento de maior estremecimento na relação com lideranças do segmento desde o início do mandato de Jair Bolsonaro. O atrito é notícia ruim para o presidente: a última pesquisa do Ipec do mês passado apontou que 38% dos eleitores evangélicos consideram o governo ótimo ou bom, dez pontos percentuais a mais do que a população no geral.
Uma reunião na última quarta-feira, entre o ministro da Educação, Milton Ribeiro, e o pastor e deputado federal Marco Feliciano (Republicanos-SP), vice-líder do governo na Câmara, tentou apaziguar um dos vários focos recentes de insatisfação de lideranças cristãs.
ESTRANHA NO NINHO – O encontro com o parlamentar, um dos mais assíduos interlocutores de Bolsonaro, deu-se a partir da crise causada pela nomeação da advogada Claudia Toledo para a presidência da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Há duas semanas, Feliciano havia encrencado com a escolha após divulgar artigos de Claudia defendendo pautas LGBT e métodos do educador Paulo Freire. Pelas redes, o deputado chamou-a de “esquerdopata” e ameaçou deixar a vice-liderança do governo caso a escolha não fosse cancelada.
O GLOBO apurou que dois acontecimentos fizeram Feliciano se irritar e dizer que abandonaria a base de Bolsonaro: um telefonema entre Ribeiro e o deputado em que os dois se ofenderam e não arredaram o pé das suas posições; e mensagens de WhatsApp que o ministro da Educação enviou para interlocutores compartilhando vídeos antigos em que Feliciano declarava apoio à ex-presidente Dilma Rousseff.
TERRIVELMENTE… – Graças a uma iniciativa do advogado-geral da União, André Mendonça, que procura se cacifar para a vaga “terrivelmente evangélica” no Supremo Tribunal Federal (STF), Ribeiro e Feliciano se encontraram na quarta para baixar a guarda. Não está claro, contudo, quem recuará entre os dois para ratificar o cessar-fogo.
É de dentro do mesmo Republicanos de Feliciano que ocorreu outro movimento neste mês que acendeu o alerta de Bolsonaro para o momento ruim com evangélicos. Há dez dias, um jantar de Marcos Pereira, bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, e Guilherme Boulos, do PSOL, despertou incompreensão no Planalto.
Dias depois, um texto publicado por Pereira no site “Poder 360” realçou ainda mais o sentimento de que estava em curso um processo de alfinetada da Universal no governo:
DISSE PEREIRA – “Não podemos mais imaginar que um presidente da República, um governador ou um prefeito devam governar apenas para 30% de seguidores”, escreveu Pereira.
Embora tenha emplacado o deputado João Roma no Ministério da Cidadania em fevereiro, a Universal se mostra incomodada com Bolsonaro desde o ano passado.
Dentro da igreja e do Republicanos, há convicção de que o presidente pouco trabalhou pelos seus candidatos a prefeito no Rio (Marcelo Crivella) e em São Paulo (Celso Russomanno).
MAIS CRÍTICAS – No início desta semana, mais um sinal de incômodo se deu dentro da base de apoio evangélica. O deputado Sóstenes Cavalcanti (DEM), ligado ao pastor Silas Malafaia, foi duro em críticas públicas ao governo. Reclamou da falta de políticas públicas do Planalto para o segmento (ainda que tenha sido durante a atual administração que as igrejas tenham conseguido um perdão bilionário de débitos com a Receita Federal).
Por trás da reclamação de Sóstenes está o fato de não ter conseguido apadrinhar repasses de recursos para comunidades terapêuticas e de ter sido ignorado em dois anos na indicação de cargos.
OS DOIS LADOS – Nos próximos meses, acenos para os evangélicos estão programados da direita à esquerda.
Enquanto Bolsonaro planeja visitar templos pelo país e promete que colocará pela primeira vez um evangélico no STF, Lula e o PT se preparam para fazer uma manifestação formal para o segmento nos mesmos moldes da Carta ao Povo Brasileiro, que em 2002 serviu para acalmar os mercados.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – É o Efeito Centrão. Os evangélicos já descobriram que o macete é gritar o governo que o Planalto logo chega com agrados, na teoria de “é dando que se recebe”, uma teoria de São Francisco, que os evangélicos adoram, embora não aceitem adoração a santos católicos. Antigamente, isso era chamado de chantagem. (C.N.)
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