Sarah Teófilo e Ingrid Soares
Correio Braziliense
Com foco nas eleições de 2022, o presidente Jair Bolsonaro pretende reinvestir no pilar anticorrupção para atrair o eleitorado. No entanto, as investigações contra o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e, principalmente, as denúncias envolvendo as negociações para a compra da vacina Covaxin, contra o novo coronavírus, podem respingar nos planos dele de recondução ao Planalto.
Na última sexta-feira, um fato novo levado à CPI da Covid provocou o maior desgaste do governo até agora: o chefe do Executivo teria sido avisado das suspeitas de irregularidades no contrato do imunizante indiano, dito que parecia ser “rolo” do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), mas não teria tomado nenhuma atitude.
MESMA ESTRATÉGIA – Ao ser atacado com tamanha gravidade, Bolsonaro fez o que costuma fazer quando se vê envolto em informações negativas ao governo: atacou a imprensa e o adversário mais forte para as eleições de 2022, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — apelidado por ele de “ladrão de nove dedos” — e novamente bradou que desde o começo de sua gestão não houve casos de corrupção.
Na sexta-feira, horas antes do depoimento dos irmãos Miranda na CPI, Bolsonaro negou superfaturamento da Covaxin e disse ser “incorruptível”. “O contrato, pelo que me consta, não há nada de errado nele. Não há superfaturamento. É mentira. Eu vou ouvir Queiroga (Marcelo Queiroga, ministro da Saúde) para saber da opinião dele”, frisou, em entrevista coletiva.
“Não foi gasto um centavo com a Covaxin, não chegou uma ampola aqui. Vocês querem me julgar por corrupção? Vão se dar mal. Eu sou incorruptível.”
NADA FOI PAGO – O presidente e parlamentares governistas têm se amparado no discurso de que “nada foi pago”, apesar de o contrato ter sido assinado e havido uma tentativa da empresa de receber US$ 45 milhões antecipados — investida travada pelo servidor Luis Ricardo Miranda.
Numa tentativa de contragolpe, o governo tem adotado, também, a estratégia de desacreditar oponentes. Bolsonaro disse que pediráww à Polícia Federal a abertura de investigação contra Luis Miranda.
“Olha a vida pregressa desse deputado. É lógico que a PF vai abrir inquérito”, enfatizou. Afirmou, ainda, que o parlamentar ostenta um “prontuário” policial extenso, numa alusão aos processos judiciais que pesam sobre o político do DEM.
Meio Ambiente – O governo também enfrenta suspeitas de corrupção na gestão do agora ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Ele pediu demissão na quarta-feira depois de intenso desgaste provocado pelas operações Handroanthus e Akuanduba, que apura suspeita de envolvimento dele num esquema envolvendo a exportação ilegal de madeira.
Na avaliação do cientista político Rodrigo Prando, apesar de os indícios serem graves, é necessário aguardar o desdobramento das investigações. Ele acredita, no entanto, que os casos têm potencial de arranhar o discurso de Bolsonaro.
“A saída do Salles é um sinal fortíssimo de que tem coisa para resolver ainda e acaba atrapalhando um discurso que sempre quis se colocar diferente de todos os demais. Essa narrativa de que ‘somos diferentes’ e não houve corrupção também foi dos petistas, até que o mensalão apareceu e depois o petrolão, várias questões relacionadas ao PT. Nesse sentido, a retórica é a mesma”, enfatizou.
CORRUPÇÃO – Conforme Prando, caso seja comprovada corrupção em relação à gestão de Salles, a tática de Bolsonaro será a de dizer que ele não faz mais parte do governo e que deixará que a investigação esclareça o caso.
Em relação à vacina indiana, a situação parece mais complicada. “Se comprovada corrupção (no caso) da Covaxin, pode não apenas desestruturar o discurso para 2022 como atrapalhar a meta de reeleição, porque Bolsonaro vai perder um eixo significativo do seu discurso”, destacou.
“O governo começou com dois pilares: ideias de combate à corrupção, na figura de Moro (Sergio Moro, ex-ministro da Justiça e ex-juiz da Operação Lava-Jato), e de liberalismo, na figura de Paulo Guedes (ministro da Economia). Moro foi defenestrado do governo. Guedes não consegue levar a cabo um projeto liberal.”
CRIATIVIDADE ENORME – Para o especialista, “Bolsonaro precisará de uma criatividade enorme para criar um discurso que possa mostrar, em 2022, que ele conseguiu fazer um bom governo, que é honesto e liberal”. “Neste momento, ele não conseguiria apresentar esses três tópicos”, observou.
Na opinião de Prando, a nova controvérsia é fruto de imperícia do governo. “É um problema que o presidente acaba criando quando não tem especialistas, assessores que sejam capazes de entender a complexidade da administração pública e as dificuldades de separação entre interesses públicos e privados”.
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