Felipe Frazão
Estadão
Na semana passada, a filiação do general Carlos Alberto dos Santos Cruz ao Podemos, partido do presidenciável Sérgio Moro, expôs um movimento que pode rachar o apoio ao presidente Jair Bolsonaro nas Forças Armadas. Em círculos fechados, militares reconhecidos na tropa como formuladores, responsáveis por artigos de viés conservador e despontados com Bolsonaro, se entusiasmaram com a união entre Moro e Santos Cruz. Esses oficiais se reúnem num grupo virtual batizado “3V” – acrônimo ao estilo militar para a “terceira via” eleitoral.
Os contatos do grupo são discretos. O “3V” reúne oito nomes conhecidos nas Forças Armadas, que trocam impressões por meio de mensagens no WhatsApp. Quase todos são oficiais de alta patente da reserva, mas há entre eles um coronel verde-oliva da ativa. As restrições da pandemia de covid-19 impediram muitos encontros presenciais – somente três ocorreram em apartamentos de generais no Plano Piloto, em Brasília.
CANDIDATO VIÁVEL – Os militares acompanham os passos de Moro e acham que ele pode cristalizar apoios e se mostrar viável para derrotar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atualmente líder em pesquisas de intenção de voto. Esse é um traço que une o grupo: o objetivo de encontrar um nome alternativo a Bolsonaro que possa impedir a volta do PT ao poder. Só não querem apoiar a extrema direita.
“A terceira via é uma boa solução para o impasse que vivemos. Há um medo grande da volta do PT, da esquerda”, diz o general de Exército da reserva Paulo Chagas, decepcionado com Bolsonaro, a quem apoiou em 2018.
“Não passamos de eleitores engajados, nosso papel é difundir nosso pensamento e mostrar que não existe um caminho só, que a gente pode e deve evoluir. Vejo muitos militares que concordam que Bolsonaro foi uma decepção, preferiu reimplantar o presidencialismo de coalizão. A essência política não mudou nada.”
PARTICIPANTES – Além de Santos Cruz e Paulo Chagas, integram o 3V o general Maynard de Santa Rosa, ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, o general Lauro Luís Pires da Silva, o coronel Walter Felix Cardoso, ambos ex-assessores da SAE. Outro rosto conhecido é o general Marco Aurélio Costa Vieira. Ex-secretário nacional do Esporte, demitido no início do governo Bolsonaro, o general Marco Aurélio é ligado ao ex-comandante-geral do Exército, general Eduardo Villas Bôas – ele dirige o instituto que leva o nome de Villas Bôas. Todos são do Exército. Pela Marinha, participa o capitão de Mar e Guerra dos Fuzileiros Navais Álvaro José Teles Pacheco, conhecido como comandante Pachequinho.
Santos Cruz é o rosto mais conhecido no “3V”. Na manhã da última quinta-feira, 25, data de sua filiação ao Podemos, ele expôs uma parte do que pensa e discute entre os camaradas. O discurso escrito à mão, em um bloco de papel, defendia o liberalismo econômico, o conservadorismo e a “paixão” às causas sociais. O general pregou a eliminação de “privilégios imorais”, a redução de “desigualdades vergonhosas” e o fim da reeleição, do culto à personalidade e do aparelhamento de instituições.
SERIEDADE ABSOLUTA – O general entrou no auditório de um hotel na capital federal de mãos dadas com a mulher, Dora. Vestia terno preto e gravata vermelha, com um escudo do Internacional espetado na lapela do paletó – o ex-ministro da Secretaria de Governo é gaúcho. Não sorriu nem quando incentivado pelos novos colegas de partido.
Santos Cruz foi apresentado pelo senador Álvaro Dias (Podemos-PR) como um “mensageiro da paz” que já enfrentou tiroteios, referências ao currículo do general de quatro estrelas como comandante dos capacetes-azuis das Nações Unidas, no Congo e no Haiti.
Moro elogiou o currículo do general e fez um aceno à caserna. Disse que Santos Cruz não representa as Forças Armadas, mas arrasta consigo a credibilidade da carreira militar.
CIVIS E MILITARES – Num sinal de trégua, o ex-juiz ponderou que a sociedade brasileira precisa superar a divisão entre civis e militares, uma herança da ditadura que incomoda os oficiais, temerosos por exemplo de que um governo de esquerda volte a fomentar investigações de crimes.
“Essa separação que não faz nenhum sentido, entre militar e civil, nós temos que superar. Somos todos brasileiros, estamos no mesmo barco. Não existe oposição, como se quis fazer em governos anteriores, colocando o militar com viés negativo, e nem no atual governo também, querendo colocar o militar como superior aos brasileiros em geral. Somos todos irmãos, somos todos iguais”, discursou Moro.
Discretamente, um grupo de amigos de Santos Cruz, parte deles da caserna, acompanhou os discursos no fundo do salão e posou depois para fotos. Na reserva, eles passariam despercebidos em trajes civis, não fossem alguns símbolos na lapela. Um dos presentes era o general de Exército da reserva Ítalo Fortes Avena, ex-conselheiro da Missão do Brasil nas Nações Unidas, em Nova York.
FLANCO ALTERNATIVO – Amigo de Santos Cruz, o general Avena concorda que a adesão a Moro sinaliza, para a caserna, um flanco político alternativo ao Palácio do Planalto. “O meio militar é livre para escolher o caminho que quiser”, diz o general Avena. “Pela nossa formação, somos liberais, legalistas e anticomunistas.”
Santos Cruz filiou-se ao diretório do Podemos no Distrito Federal, mas a direção ainda vai decidir se o transfere ao Rio, conforme conveniências eleitorais. O partido deseja que ele seja candidato a senador, embora especule-se que possa inclusive ser candidato a vice-presidente na chapa de Moro, caso a campanha falhe em preencher esse espaço com um nome de outro partido aliado.
APOIO A MORO – Ao Estadão, o general disse que seu movimento é de apoio a Moro e não a busca por um cargo público. “Estou me filiando para apoiar o movimento do Moro, não para ser candidato. Isso vamos ver mais à frente”, disse Santos Cruz durante a cerimônia. Ele negou que exista uma mobilização para que militares ingressem no partido. “Minha decisão é individual”, disse.
No entanto, seu exemplo será seguido e já aproximou de Moro até de generais que preferem a discrição. Horas depois da cerimônia, Moro e Santos Cruz almoçaram com o general Otávio Santana do Rego Barros, ex-porta-voz de Bolsonaro e do Centro de Comunicação Social do Exército, também escanteado pelo governo e hoje um crítico dos desmandos bolsonaristas.
MAIS UM CANDIDATO – Pelo menos mais um general do grupo “3V” está a caminho do Podemos, Paulo Chagas. E outro entusiasta de Moro é o general Guilherme Theophilo, que trabalhou como secretário nacional de Segurança Pública no governo Bolsonaro, quando Moro era o ministro da Justiça e Segurança Pública. Ex-PSDB, partido pelo qual concorreu ao governo do Ceará em 2018, Theophilo está filiado ao Podemos.
Alguns generais ainda preferem acompanhar à distância. Um deles é o ex-secretário de Assuntos Estratégicos do governo Bolsonaro, general Maynard de Santa Rosa. Ele afirma que não pretende se filiar, reconhece em Moro “potencial” para afetar a predileção por Bolsonaro na tropa, mas pondera que o ex-juiz precisa de assessoramento político.
“A decepção com JB, cujo discurso agradava aos militares, mas que não se mostrou capaz de honrá-lo, aconselha prudência e cautela”, disse Santa Rosa. “Se surgir uma terceira via viável, pode incomodar. Estou aguardando os próximos passos de Sérgio Moro, para identificar quem e quais são as suas afinidades”. (Colaborou Vinícius Valfré)
###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Uma reportagem muito importante e reveladora. Mostra que não há mais um falso mito nas Forças Armadas, que agora procuram um candidato para chamar de seu. E vida que segue, como dizia João Saldanha. (C.N.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário