Joelmir Tavares
Folha
Com uma mistura de intuição própria, tendências do eleitorado e otimismo sobre alianças, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) traçou uma estratégia alongada para sua candidatura à Presidência com a qual acredita conseguir ir ao segundo turno, a despeito do que mostram as atuais pesquisas. Em sua quarta campanha ao Planalto, Ciro divide a terceira colocação nas pesquisas com o ex-juiz Sergio Moro (Podemos), em patamar próximo dos 8%, insuficiente para incomodar os dois favoritos.
Seus cálculos se baseiam na expectativa de derretimento do candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), e na redução da vantagem de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a partir da desconstrução do ex-presidente na campanha eleitoral —para a qual o pedetista, outrora aliado, quer contribuir fortemente.
VENTOS VIRADOS? – O ex-ministro ataca os dois favoritos, em manobra que até aqui soou pouco efetiva para atrair antipetistas e antibolsonaristas. Ele argumenta que a vontade de mudança será o “estado de espírito” dos brasileiros em outubro.
Ciro reiterou nos últimos dias seu entendimento de que a eleição terá caráter plebiscitário, colocando sob escrutínio a continuidade ou interrupção da era Bolsonaro, mas com a grande diferença de que os ventos que normalmente sopram a favor de um mandatário no poder estão virados.
A análise leva em conta os altos índices de rejeição e de desaprovação do presidente. No levantamento do Datafolha de dezembro, 60% dos eleitores disseram que não votariam de jeito nenhum nele e apenas 22% consideravam o governo bom ou ótimo, pior nível de sua gestão. Bolsonaro alcançou 22% de intenções de voto na pesquisa, e Lula, na dianteira, marcou 48%.
NOVA REALIDADE– “É uma leitura complexa do momento, como a minha experiência me permite fazer”, diz Ciro. “Esse plebiscito parece ser hostil ao status quo pela primeira vez na história brasileira da reeleição, em uma proporção de 75% a 25%. Significa que 75% dos brasileiros não estão com Bolsonaro.”
Lula, segundo o pedetista, é beneficiado pela peculiaridade de ser “100% conhecido, 100% odiado ou 100% amado”, de forma que “ninguém tem neutralidade nem desconhecimento” sobre o ex-presidente.
“Ele aproveita, dos 75% [descontentes com Bolsonaro], 45%. Cadê os outros 30%? Eles estão procurando e têm por motivação não quererem nem um nem outro.”
ANTILULISMO – Além de procurar seduzir a fatia dos “nem nem”, o ex-ministro mira a parcela do eleitorado que está com Bolsonaro tão somente por rechaçar a volta do PT e o grupo que apoia Lula por achar que ele é o único capaz de vencer o atual presidente.
“Na medida que os meses passarem e ficar evidente que Bolsonaro será derrotado no plebiscito por mim, pelo [João] Doria, pelo Lula, pelo Moro (se ele ficar), esse componente vai evoluir. E, desses 30% que estão aí [desatrelados dos líderes], eu já tenho um terço comigo, na pior das hipóteses”, teoriza.
O roteiro envolveria, portanto, uma desidratação sensível de Bolsonaro — o que hoje é visto como improvável inclusive por parte do PT, já que o presidente tem garantido a seu lado uma base sólida — e a ascensão de Ciro como nome competitivo, o que ainda não é.
VIÚVAS DE BOLSONARO – “Eu lá em 2018 já dizia não ao Lula e não ao Bolsonaro”, frisa o pedetista para se diferenciar dos postulantes de centro-direita da chamada terceira via. “É tudo viúva do Bolsonaro, se você reparar.”
Para crescer, o pedetista se fia na campanha conduzida pelo publicitário João Santana, ex-marqueteiro de Lula, e na adesão da sociedade a seu projeto econômico e político, que ele propagandeia como uma mudança de modelo em relação aos últimos governos e uma saída para as crises do país.
“O que eu vou tentar mostrar ao povo brasileiro é que, se a gente repetir o mesmo modelo e as mesmas pessoas, a tragédia brasileira vai tomar mais grave profundidade”, assinala. “[Meu nome] tem uma viabilidade real, e é necessário que o país tenha um caminho alternativo.”
DESEJO DE MUDANÇA – Recorrendo à intuição adquirida em 40 anos de política, o terceiro colocado na corrida presidencial de 2018 sustenta que o rumo do pleito nada tem a ver com a atual fase, mas com o “estado de espírito do povo no momento em que a eleição será definida”.
O ex-ministro defende que o sentimento preponderante na época da votação será, em consonância com a repulsa a Bolsonaro, o desejo de mudança.
Ciro avalia que o anseio por uma guinada não necessariamente desembocará no PT. “Mudar tudo que está aí é ruim para o Lula também”, diz. Para o pedetista, o ex-presidente representa continuidade de um modelo econômico e de governança fracassado e será “desmontado quando a campanha começar”.
PICANHA E CERVEJA – “Lula é uma memória afetiva muito frágil de um tempo mentiroso de picanha e cerveja. Haverá o testemunho das pessoas de que a situação do crédito naquele momento virou o SPC. A Dilma [Rousseff] deixou a taxa de juros em 12,25% e um desemprego massivo. As pessoas vão se lembrar”, aposta.
Em esforço para vencer a resistência de setores que o veem genericamente como um representante da esquerda sem a mesma habilidade de Lula, Ciro busca ampliar o diálogo com o mercado financeiro e vender como solução seu programa de cores desenvolvimentistas.
Na quarta-feira (23), ele participou de evento do banco BTG Pactual em São Paulo, ao qual também compareceram Moro e Doria. O pedetista, que estava acompanhado por Santana na viagem à capital paulista, usou o encontro com agentes do setor privado para tentar quebrar barreiras.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Ciro Gomes é um bom candidato e está disputando aguerridamente a vaga da terceira via. A partir de abril, a situação vai clarear e haverá desistência de alguns candidatos alternativos que estão em final de mandato e precisam se eleger deputado federal ou senador, para não fica na chuva. A partir daí, vamos saber quem tem mais garrafas para vender, como se dizia antigamente. (C.N.)
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