sábado, 3 de julho de 2021

Apesar de haver pendências, diretor citado em propina autorizou R$ 1,6 bilhão para Covaxin

 

 

A exoneração de Roberto Dias do cargo de diretor do Departamento de Logística em Saúde foi publicada nesta quarta (30) no Diário Oficial

Roberto Dias se apressou em tentar pagar antecipadamente

Vinicius Sassine
Folha

O diretor do Ministério da Saúde demitido após relato de que fez pedido de propina foi o responsável por aprovar e autorizar a reserva de R$ 1,61 bilhão para o pagamento pela vacina indiana Covaxin. Roberto Ferreira Dias destravou o dinheiro em 22 de fevereiro deste ano, em um momento em que faltavam documentos básicos para o negócio, como contrato e regularidade fiscal na Índia.

Dias ocupou o cargo de diretor do Departamento de Logística em Saúde desde o início do governo Jair Bolsonaro (sem partido). Ele chegou à função em 8 de janeiro de 2019, por indicação atribuída ao deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara. O congressista nega.

PROPINA EM DÓLAR – O representante de uma vendedora de vacinas afirmou em entrevista à Folha na última terça-feira (29) que recebeu pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde.

Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresenta como representante da empresa Davati Medical Supply, disse que Dias cobrou a propina em um jantar no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, região central da capital federal, no dia 25 de fevereiro.

Dias foi exonerado do cargo. A demissão foi publicada no Diário Oficial da União desta quarta-feira (30). Ele também foi citado pelo servidor Luis Ricardo Miranda, chefe de importação no ministério, como um dos responsáveis pela pressão atípica para liberar a Covaxin.

DAVA AS CARTAS – Irmão do servidor, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) afirmou à Folha que era Dias que dava as cartas dentro do ministério. “Nada ali acontece se o Roberto não quiser”, disse.

Dias nega tanto ter pedido propina por vacinas quanto ter feito pressão indevida sobre o servidor da Saúde. Mas novos documentos obtidos pela reportagem mostram que foi o então diretor do Departamento de Logística o responsável por garantir a reserva de R$ 1,61 bilhão para pagar por 20 milhões de doses da vacina Covaxin, antes mesmo da assinatura do contrato e com pendências básicas no curso da negociação.

SEM LICITAÇÃO – Um despacho de Dias, às 18h57 de 22 de fevereiro, confirmou a dispensa de licitação para a contratação da empresa indiana Bharat Biotech, com representação no Brasil feita pela Precisa Medicamentos, que assina o contrato.

O mesmo despacho autorizou a emissão da nota de empenho “em favor da Bharat Biotech, representada pela empresa Precisa”. A nota de empenho é a autorização do gasto. O documento reservou o valor integral previsto em contrato, R$ 1,61 bilhão, dinheiro que não pode ser usado com outra finalidade.

Dias também assinou o documento com aprovação da nota de empenho, no mesmo dia 22 de fevereiro. O despacho referente à aprovação encaminhou a nota para assinatura pelo ordenador de despesas no Ministério da Saúde.

APARECE A PRECISA – O Departamento de Logística em Saúde (a sigla é DLOG) aparece como emissor da nota de empenho, incluída no sistema às 17h41 de 22 de fevereiro. A favorecida, conforme o documento, é a Precisa Medicamentos.

Enquanto a reserva do dinheiro era providenciada, representantes da empresa eram comunicados sobre pendências básicas para a assinatura do contrato. Não havia no processo, naquele momento, documento que comprovasse a regularidade fiscal da Bharat Biotech na Índia. Nem mesmo o documento equivalente ao CNPJ havia sido providenciado, segundo um aviso da área técnica do ministério à Precisa.

Outras pendências listadas, no começo da noite de 22 de fevereiro, eram a tradução juramentada desses documentos, o contrato social em vigor, o vínculo entre Bharat Biotech e Precisa Medicamentos, a procuração da Bharat para diretores da Precisa e a declaração de inexistência de fatos impeditivos.

DIAS ASSINOU – O contrato foi assinado em 25 de fevereiro. Dias assinou como um dos representantes do Ministério da Saúde. Diante das suspeitas que recaem sobre a contratação, o governo Bolsonaro enfim decidiu suspender o contrato. A decisão foi anunciada nesta terça.

No mesmo dia, após a Folha publicar a revelação de cobrança de propina, o ministério comunicou a demissão de Dias da direção do Departamento de Logística em Saúde. Depois da suspensão do contrato, o governo avalia anulá-lo, no momento em que avançam as investigações sobre possíveis irregularidades.

A Folha revelou no dia 18 de junho a existência e o teor do depoimento dado ao MPF (Ministério Público Federal) pelo servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda. Ele apontou pressão para garantir a importação de doses, apesar da falta de documentos básicos e de erros em faturas, com previsão não contratual de pagamento antecipado de US$ 45 milhões.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG 
– O excelente repórter Vinicius Sassine diz que o caso da Covaxin cresceu, passou a ser o foco principal da CPI da Covid no Senado e deixou acuado o governo Bolsonaro. Mas o filho Zero Um, Flávio Bolsonaro, diz que está tudo tranquilo. Ou é um completo idiota ou um incorrigível gozador, que perde o amigo, mas não perde a piada. (C.N.)
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