Três meses depois de vencerem o delicado procedimento, as gêmeas Kerolyn e Kauany passam os dias entre sorrisos, danças e brincadeiras no hospital em Passo Fundo
Kerolyn e Kauany (de rosa) estão internadas em um quarto particular da pediatria do Hospital São Vicente de Paulo
Foto:
Diogo Zanatta / Especial
Fernanda da Costa
— A maior alegria da minha vida foi vê-las brincando — diz Adriana.
A recuperação lenta é consequência da complexidade da cirurgia, realizada em outubro. O procedimento de separação de Kerolyn e Kauany — que nasceram unidas pelo abdômen e compartilhando órgãos como fígado, intestino e bexiga — durou cerca de nove horas. O cirurgião pediátrico Gustavo Pileggi Castro, responsável pelo tratamento das meninas, explica que há um caso de gêmeos conjugados a cada 50 mil nascimentos.
— O risco das bebês terem infecções é muito alto, por isso decidimos mantê-las aqui até ficarem mais fortes. É uma decisão de cautela — explica o diretor médico do Hospital São Vicente de Paulo, Rudah Jorge.
Expectativa da mãe é receber logo notícia da alta das filhas
Quando olha os bercinhos vazios no quarto pintado de rosa, na casa em Marau, a mãe se emociona ao lembrar o que viveu no último ano, como se um filme passasse pela memória. A gravidez de risco, descoberta no quinto mês, revolucionou a rotina da família.
Ela e o marido Juliano do Amaral e Silva, 23 anos, passaram a percorrer quase diariamente os cerca de 40 quilômetros entre Marau e Passo Fundo, em busca de atendimento especializado. Juliano teve de largar o emprego com carteira assinada em uma oficina mecânica e passar a realizar bicos como pedreiro. As faxinas que Adriana fazia para complementar a renda também foram abandonadas:
— Foi o período mais difícil que passamos. Chorávamos de medo que elas não sobrevivessem.
Com mais duas filhas para sustentar, Kemely, nove anos, e Thauany, dois anos, Juliano passou a trabalhar dobrado para conseguir viajar a Passo Fundo com a mulher. Hoje, o casal vive momentos de alegria e ansiedade. A cada dia, acordam com a expectativa de ouvir do médico as palavras: "Elas podem ir para casa".
Enfermeiras tratam as meninas como filhas
A técnica de enfermagem Marelize Woivoda acompanha as gêmeas Kerolyn e Kauany desde o nascimento. Para ela, cuidar das meninas é como cuidar das próprias filhas:
— Nos apegamos muito, pois estamos com elas há um ano. Vamos sentir saudades quando tiverem alta.
No quarto onde as meninas estão internadas, as enfermeiras prepararam uma decoração especial de aniversário. Balões rosa tomaram o teto, à espera da festa com a família.
Conforme o cirurgião pediátrico Gustavo Pileggi Castro, a previsão é de que as gêmeas possam estar em casa até o fim de fevereiro. Enquanto isso, as meninas são acompanhadas por três enfermeiras por dia, uma em cada turno.
— Como a família é de outra cidade, não consegue ficar o tempo inteiro com elas. Aqui na pediatria, elas recebem atenção 24 horas - relata a gestora do setor, Jovania Besutti.
Ela conta que a maior alegria das meninas é quando alguém liga o rádio. Kerolyn é a primeira a abrir um sorriso e a se balançar, no ritmo das músicas. Mais contida, Kauany prefere ficar apenas tentando bater palmas para acompanhar a irmã.
Para as enfermeiras, vê-las crescendo representa uma vitória profissional e pessoal. Marelize conta que elas são um caso de sucesso da medicina e que considera cuidar delas é uma emoção diária.
Em dezembro, a mãe, Adriana, levou pela primeira vez as filhas mais velhas para visitar as "manas do hospital", como são chamadas em casa. Quando viu as quatro sentadas no chão, divertindo-se com uma pilha de brinquedos, quase chorou de alegria:
— Vi aqueles quatro rostinhos juntos, cada uma tentando chamar mais a minha atenção, e por pouco não desabei em lágrimas. Quem é mãe entende o que eu senti.
Para o aniversário das meninas, pretende levar as outras duas filhas novamente ao hospital. Entre os itens que planeja levar a Passo Fundo, a máquina fotográfica está no topo da lista.
A OPERAÇÃO
As meninas compartilhavam órgãos importantes como o fígado, o intestino e a bexiga, razão da complexidade da cirurgia
— Gêmeos siameses são popularmente chamados os bebês que nascem com alguma parte do corpo unida
— As meninas que nasceram em Passo Fundo estavam unidas por todo o abdômen e compartilhavam órgãos importantes como fígado, intestino e bexiga, por isso a complexidade da cirurgia
— Com as anestesias, a cirurgia durou cerca de nove horas
— O procedimento começou com a preparação para separar o fígado
— Segundo o cirurgião Gustavo Pileggi Castro, o órgão é muito irrigado, e a cirurgia apresentava grande risco de hemorragia
— Depois, foi a vez de separar os intestinos e a bexiga
— A parte final da cirurgia nas duas irmãs foi o fechamento do abdômen. Uma semana depois, as crianças já respiram sozinhas e recebem alimentação
— Hoje, as meninas estão internadas em um quarto particular na pediatria do hospital. Os médicos explicam que elas precisam crescer um pouco mais para serem liberadas. Kerolyn pesa 6,8 quilos, e Kauany, 5,6 quilos
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