Mário Assis
Circula na internet uma mensagem de Paulo Figueiredo, filho do general João Batista Figueiredo, o último militar a ocupar a Presidência da República durante o regime militar. Ele relata por que seu pai não aceitou que o Brasil sediasse a Copa na década de 80.
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A PONTA DO ICEBERG
Paulo Figueiredo
De repente eu comecei a receber uma enxurrada de mensagens mencionando esta estória,que segue abaixo. Sou, evidentemente, talvez o cara mais suspeito para tecer considerações sobre qualquer matéria que faça juízo de valor a respeito de meu pai, especialmente em atos do seu governo.
Mas sobre este episódio, especificamente, não posso me furtar a dizer, e com certeza absoluta, que o que está relatado é totalmente verdadeiro.
Até porque, calhou de eu estar presente no mencionado encontro.
Tinha acabado de vir do Rio, e fui direto ao Torto ver os meus pais,
como eu sempre fazia assim que chegava em Brasília. Soube que o “Velho”
estava reunido com o Havelange, no gabinete da residência. Como sempre
tivemos com ele uma relação muito cordial, me permiti entrar para
cumprimentá-lo e dar-lhe um abraço.
“- João e João? Esta reunião eu tenho que respeitar !”, brinquei
irreverente, dele recebendo um carinhoso beijo. (Havelange sempre teve o
hábito de beijar os amigos). Ia, logicamente, me retirar, mas Papai me
deixou à vontade:
“- Senta aí, estamos falando de futebol, que é coisa que você adora”.
Fui logo sacaneando : “- E ele já descobriu um jeito de salvar o Fluminense ?” (risos – os dois, tricolores roxos).
“- Ainda não, mas vamos chegar lá. Estamos conversando sobre Copa do Mundo …”
E deu-se então o diálogo, do qual o trecho que está contido no
texto fez parte, realmente. O Velho não concordava que o país
dispendesse quase 1 bilhão de dólares (valor abissal para os números
daquela época) para tentar satisfazer o caderno de encargos da Fifa,
principalmente diante do quadro de enorme dificuldade financeira que o
Brasil atravessava. Uma situação cambial dramática, resultante de um
aperto histórico na liquidez internacional – taxa de juros
internacionais de 22% a.a, barril de petróleo a 50 dólares no mercado
spot - agravada pela necessidade de se dar continuidade a um
importantíssimo conjunto de obras de infraestrutura. Muitas delas
iniciadas, diga-se de passagem, em governos anteriores, mas que não
poderiam ser paralisadas por serem realmente de vital importância para a
continuidade do nosso desenvolvimento.
Para se ter uma idéia: produzíamos apenas, em 1979 (quando houve o
segundo “oil shock”) 164.000 barris de petróleo por dia, contra uma
demanda de 1,2 milhões. Um forte investimento nos programas de
prospecção e mudança no perfil do refino, associado à criação e
implementação do Proácool, permitiu que em 1985 se atingisse uma
produção de 640 mil barris/dia , fora a triplicação das reservas cubadas
de gás, e ainda tivéssemos grande parte da bacia de Campos instalada (o
que, sem medo de falar bobagem, até hoje garante o abastecimento do
nosso carro ou o óleo diesel do nosso busão.)
Realmente, era contrastante com o que se fez (ou melhor, o que
NÃO se fez) nos governos seguintes : várias hidrelétricas, começando por
Itaipu – até hoje é a segunda maior do mundo, além de Tucuruí, Balbina,
Sobradinho, etc, todas com as suas gigantescas linhas de transmissão;
conclusão da expansão de todas as grandes siderúrgicas (CSN, Usiminas,
Cosipa e outras – que fizeram o Brasil passar de crônico importador para
exportador de aço); conclusão das usinas de Angra 1 e 2; um programa
agrícola que permitiu que ainda hoje estejamos colhendo os frutos da
disparada de produção de grãos – graças à Embrapa, ao programa dos
cerrados e ao programa “Plante que o João garante”; um salto formidável
nas telecomunicações, até então ridículas; multiplicação da malha
rodoviária – a mesma, praticamente, na qual hoje ainda rodamos, só que
agora sucateada e abandonada; inauguração de dois metrôs : Rio e São
Paulo; instalação de vários açudes no sertão nordestino ; e, o que não
vejo ninguém da mídia mencionar (até porque não lhes interessa) : a
construção de 2,4 milhões de casas populares, mais do que toda a
história do BNH até então, e muito mais do que a soma de todos os outros
governos (?!) que sucederam.
Isto é apenas o que eu me lembro agora, ao aqui escrever
rapidamente. Em resumo : naquela época, o dinheiro dos impostos dos
brasileiros, simplesmente, destinava-se ao desenvolvimento do país.
Daí não ter havido condições de se fazer a Copa de 1986. O mais
engraçado foi no dia seguinte : Delfim era muito ligado ao então
presidente da CBF (ou ainda era CBD ?), Giulite Coutinho, que, lógico,
tinha todo o interesse em trazer aquela Copa para o Brasil. No despacho,
Delfim foi logo colocando: – “Presidente, trago aqui os números globais
de custo para fazermos a Copa, blá, blá, vai dar entre uns 300 a 500
milhões de dólares, blá, blá …”
O Velho, que já havia pedido ao SNI para preparar um estudo
acurado, cortou sumariamente : -”Não é isso não, Delfim, você está
enganado, iria custar isto, mais isto, mais aquilo … e pode esquecer
porque nós não vamos entrar nesta fria !”
Mas, para concluir, já falando do presente : o que se está
fazendo com o povo brasileiro é simplesmente criminoso. Só que a
roubalheira na construção dos estádios é apenas a cabeça do iceberg…
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