Heloísa Villela
(Brasil Econômico)
Claro que não foram apenas vinte centavos em jogo. E
nem é só isso que querem os que estão há anos se organizando em torno da
bandeira da melhoria do transporte urbano. Durante entrevista ao
programa Roda Viva, dois representantes do Movimento Passe Livre
deixaram bem claro: querem transporte público gratuito. Grátis. Para
alguns jornalistas que faziam parte da banca de entrevistadores, foi um
espanto! Como assim transporte totalmente gratuito? Isso não existe!! E
eles, rapidamente esclareceram: existe sim, em mais de trinta cidades
americanas e outras tantas em outros lugares.
O transporte público gratuito existe na prática e, na internet, é
motivo de um verdadeiro oceano de informações, campanhas e estudos
científicos a respeito da eficácia da medida e das vantagens econômicas
também. Para espanto ainda maior, encontrei na revista britânica The
Economist, conhecida pelos pontos de vista conservadores e pela defesa
ferrenha dos interesses financeiros, uma reportagem a favor do
transporte gratuito para todos.A revista destaca que Nova York, por exemplo, vive brigando por eficiência. Está sempre tentando cortar um minuto aqui, outro ali, no tempo de viagem das 40 linhas de ônibus (apenas dentro da ilha de Manhattan) e nas 22 linhas de metrô da cidade. E fez um estudo em 2007 para ver o quanto se gasta com a necessidade de comprar passagens, esperar que o passageiro apresente o cartão eletrônico, passar na roleta…
Quanto tudo isso consome de um tempo que seria mais bem empregado na eficiência do sistema como um todo. Coletar as passagens, o dinheiro, administrar tudo isso, também custa dinheiro e pesa no orçamento da cidade. Por isso tudo, a reportagem da conservadora Economist concluiu: a solução para tornar mais eficiente o ir e vir de um grande centro urbano, reduzir engarrafamentos e a poluição, é o transporte gratuito. O número de passageiros vai aumentar, o de carros nas ruas vai diminuir e a qualidade de vida na cidade só vai melhorar.(grifo meu)
BLOOMBERG ACEITA
O prefeito Michael Bloomberg, indiscutível representante dos interesses do mercado financeiro e da construção civil, concorda. Em conversa com jornalistas, descreveu como ideal a cidade que tivesse todo o transporte oferecido gratuitamente e ainda cobrasse caro dos motoristas de passeio para circular, especialmente nos horários de maior movimento.
Em 2008, Bloomberg propôs um novo imposto. Cobrar dos motoristas de carros de passeio uma taxa para circularem em certas áreas da cidade em horários de pico como forma de incentivar a população a trocar os carros pelos coletivos. Mas a assembleia legislativa barrou a proposta. Agora, Bloomberg quer tornar gratuitos os ônibus que cortam Manhattan no sentido leste-oeste. Seria um começo…
Aqui nos Estados Unidos, as experiências com o transporte gratuito não foram bem sucedidas. Algumas sobrevivem, como a de Veil, no Colorado, que atende gente rica, que circula nas estações de esqui, ou a da Chapel Hill, na Carolina do Norte, que tem 98 rotas de ônibus, além de 11 serviços de van, que servem, prioritariamente, aos universitários da cidade. Austin, no Texas, tentou instituir o transporte público e gratuito entre outubro de 1989 e dezembro de 1990. O volume de passageiros aumentou rapidamente. Mas os motoristas dos ônibus fizeram um abaixo assinado reclamando que muitos adultos viajavam bêbados (não é essa a ideia, evitar embriagados atrás do volante?) e que o trabalho se tornou muito desagradável.
ESTÁ DANDO CERTO
Hoje em dia, a grande estrela do movimento pelo transporte gratuito é a capital mais antiga do Norte da Europa – Tallinn, capital da Estônia. Uma cidade que tem pouco mais de 400 mil habitantes, no Golfo da Finlândia, distante 80 Km de Helsinki. O Centro antigo de Tallinn é Patrimônio da Humanidade. Os primeiros traços de ocupação humana em Tallin têm 5.000 anos. Mas a capital charmosa, com castelo, torre e mercado medievais, não parou no tempo. Está entre as dez mais avançadas do mundo em matéria de tecnologia digital e colocou em prática, em janeiro, o que exige o Movimento Passe Livre no Brasil.
Quem mora em Tallinn, agora, não precisa mais pagar passagem para andar nos ônibus e bondes da cidade. Só quem paga são os visitantes, de outras cidades ou países. Nos primeiros três meses da experiência, o movimento de passageiros já aumentou 15%. Uma segunda cidade da Estônia seguiu o exemplo e adotou o transporte gratuito agora. As duas cidades se juntaram a um movimento maior – a Free Public Transport European Network (Rede de Transporte Público Gratuito da Europa). No velho continente, a ideia tem sido difundida, principalmente na França. Mas já sofreu, também, algumas derrotas.
Em Hasselt, na Bélgica, o transporte público servia em média 1.000 pessoas por dia quando a tarifa foi abolida. Dez anos depois, o número de linhas disponíveis pulou de duas para nove que transportavam 12.600 pessoas por dia, em média. Algumas ruas da cidade foram fechadas aos carros de passeio e o preço para estacionar automóveis nas ruas da cidade subiu consideravelmente. Apesar da década inteira de bons resultados, o governo mudou e voltou atrás. Adotou a solução de mercado para cortar gastos e passou a cobrar pelas passagens novamente.
Na França, doze cidades adotaram o transporte gratuito. A maior delas, Aubagne, em Marseille, colocou a medida em prática em agosto de 2009. Aubagne tem 100 mil habitantes. Entre 2009 e 2012, o volume de passageiros no sistema público aumentou 142% e o número de carros de passeio na cidade caiu 10% enquanto 99% dos usuários do transporte se disseram satisfeitos com o serviço.
COMO FINANCIAR
Então, voltando ao programa Roda Viva e ao Movimento Passe Livre, os jornalistas queriam saber: como financiar essa proposta? De onde tirar o dinheiro para pagar pelo transporte gratuito para todos? Os representantes do MPL deixaram claro: isso é uma decisão política e não cabe ao movimento sugerir orçamentos, planilhas de custos, números. Eles reivindicam. O poder público que faça as contas.
Na França, muitos acreditam que o transporte público é um serviço público comparável às escolas, bibliotecas e outros espaços públicos. Mas se o problema é fazer contas, aqui nos Estados Unidos existe uma proposta de solução. O matemático John Bachar Jr. vive na Califórnia e desenhou a saída. Segundo ele, é fácil cobrir os custos do transporte público e gratuito. O dinheiro viria ” de uma taxa anual minúscula cobrada sobre a riqueza líquida do 1% mais rico da população adulta”. Na Califórnia, o que isso significa? Uma taxa anual de 0,48% sobre uma riqueza de US$ 2,5 trilhões, o que renderia US$ 11,94 bilhões anuais para o sistema de transporte. Mais do que suficiente para garantir a locomoção do estado, diz o matemático. Ele garante que o modelo se aplica a todo o país, no nível federal, se for o caso, ou estadual, se funcionar melhor.
Mas tudo é uma questão de decisão política
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