Mário Assis
Faz sucesso na internet a carta-aberta da médica Juliana
Mynssen de Fonseca Cardoso à presidente Dilma Rousseff, a respeito da
situação dos médicos brasileiros que trabalham no interior e a possível
contratação de seis mil médicos cubanos. A importância dessa
manifestação da médica foi destacada no domingo pelo colunista Elio
gaspari, na Folha e no Globo.
O DIA EM QUE A PRESIDENTA DILMA, EM 10 MINUTOS,
CUSPIU NO ROSTO DE 370 MIL MÉDICOS BRASILEIROS
CUSPIU NO ROSTO DE 370 MIL MÉDICOS BRASILEIROS
Juliana Cardoso
Há alguns meses eu fiz um plantão que chorei. Não contei à
ninguém (é nada fácil compartilhar isso numa mídia social). Eu,
cirurgiã-geral, “do trauma”, médica “chatinha”, preceptora “bruxa”, que
carrego no carro o manual da equipe militar cirúrgica americana que
atendia no
Afeganistão, chorei.
Afeganistão, chorei.
Na frente da sala da sutura tinha um paciente idoso
internado. Numa cadeira. Com o soro pendurado na parede num prego
similiar aos que prendemos plantas (diga-se: samambaias). Ao seu lado,
seu filho. Bem vestido. Com fala pausada, calmo e educado. Como eu. Como
você. Como
nós. Perguntava pela possibilidade de internação do seu pai numa maca, que estava há mais de um dia na cadeira. Ia desmaiar. Esperou, esperou, e toda vez que abria a portinha da sutura ele estava lá.
nós. Perguntava pela possibilidade de internação do seu pai numa maca, que estava há mais de um dia na cadeira. Ia desmaiar. Esperou, esperou, e toda vez que abria a portinha da sutura ele estava lá.
Esperando. Como eu. Como você. Como nós. Teve um momento
que ele desmoronou. Se ajoelhou no chão, começou a chorar, olhou para
mim e disse “não é para mim, é para o meu pai, uma maca”. Como eu faria.
Como você. Como nós.
Pensei “meudeusdocéu, com todos que passam aqui, justo
eu… Nãoooo….. Porque se chorar eu choro, se falar do seu pai eu choro,
se me der um desafio vou brigar com 5 até tirá-lo daqui”.
E saí, chorei, voltei, briguei e o coloquei numa maca retirada da ala feminina.
E saí, chorei, voltei, briguei e o coloquei numa maca retirada da ala feminina.
Já levei meu pai para fazer exame no meu HU. O
endoscopista quando soube que era meu pai, disse “por que não me falou,
levava no privado, Juliana!” Não precisamos, acredito nas pessoas que
trabalham comigo. Que me ensinaram e ainda ensinam. Confio. Meu irmão
precisou e o levei
lá. Todos os nossos médicos são de hospitais públicos que conhecemos, e, se não os usamos mais, é porque as instituições públicas carecem.
lá. Todos os nossos médicos são de hospitais públicos que conhecemos, e, se não os usamos mais, é porque as instituições públicas carecem.
Carecem e padecem de leitos, aparelhos, materiais e
medicamentos. Uma vez fiz um risco cirúrgico e colhi sangue no meu
hospital universitário. No consultório de um professor ele me pergunta:
“E você confia?”.
“Se confio para os meus pacientes tenho que confiar para
mim.” Eu pratico a medicina. Ela pisa em mim alguns dias, me machuca,
tira o sono, dá rugas, lágrimas, mas eu ainda acredito na medicina. Me
faz melhor. Aprendo, cresço, me torna humana. Se tenho dívidas, pago-as
assim. Faço porque acredito.
Nesses últimos dias de protestos nas ruas e nas mídias
brigamos por um país melhor. Menos corrupto. Transparente. Menos
populista. Com mais qualidade. Com mais macas. Com hospitais melhores,
mais equipamentos e que não faltem medicamentos. Um SUS melhor.
Briguei pelo filho do paciente ajoelhado. Por todos os
meus pacientes. Por mim. Por você. Por nós. O SUS é nosso. Não tenho
palavras para descrever o que penso da “Presidenta” Dilma.
(Uma figura que se proclama “a presidenta” já não merece minha atenção).
(Uma figura que se proclama “a presidenta” já não merece minha atenção).
Mas hoje, por mim, por você, pelo meu paciente na
cadeira, eu a ouvi. A ouvi dizendo que escutou “o povo democrático
brasileiro”. Que escutou que queremos educação, saúde e segurança de
qualidades.
“Qualidade”… Ela disse. E disse que importará médicos para melhorar a saúde do Brasil….
Para melhorar a qualidade….?
Para melhorar a qualidade….?
Sra. “presidenta”, eu sou uma médica de qualidade. Meus
pais são médicos de qualidade. Meus professores são médicos de
qualidade. Meus amigos de faculdade. Meus colegas de plantão. O médico
brasileiro é de qualidade.
Os seus hospitais é que não são. O seu SUS é que não tem
qualidade. O seu governo é que não tem qualidade. O dia em que a Sra
“presidenta” abrir uma ficha numa UPA, for internada num Hospital
Estadual, pegar um remédio na fila do SUS e falar que isso é de
qualidade, aí conversaremos.
Não cuspa na minha cara, não pise no meu diploma. Não me
culpe da sua incompetência. Somos quase 400mil, não nos ofenda. Estou
amanhã de plantão, abra uma ficha, eu te atendo. Não demora, não. Não
faltam médicos, mas não garanto que tenha onde sentar. Afinal, a cadeira
é prioridade dos internados.
Hoje, eu chorei de novo.
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