Maranhão: A Reforma do Hospital Dr.
Carlos Macieira, em São Luís, deveria ter sido concluída em 2010. Não
foi e já consumiu 108 milhões de reais dos cofres públicos.
Digitalização da matéria realizada pelo jornalista Josué Moura
Há
pouco mais de 20 dias, meia dúzia de deputados estaduais de oposição
foi à Justiça Federal do Maranhão cumprir um dos mais antigos e inúteis
rituais de ação política no estado: denunciar um esquema de fraude
administrativa de desvio de dinheiro público. As operações suspeitam os
oposicionistas, podem ter sido montadas para alimentar o caixa 2 do
grupo político do Senador José Sarney, no comando do Maranhão há
décadas.
Nas páginas da denúncia
apresentada pelos parlamentares descortina-se um esquema irregular de
repasses milionários a uma inexplicável, longa e cara reforma de
hospitais. Iniciadas em 2009, as obras nunca concluídas do Carlos
Macieira, a maior unidade pública do estado, custaram aos cofres
maranhenses até agora, 108, 7 milhões de reais. Outro hospital público, o
Aquiles Lisboa, especializado em pacientes com hanseníase, virou um
sorvedouro de dinheiro do contribuinte graças a uma reforma que dura
quatro anos ao custo de 11,4 milhões de reais. No centro dessa
fantástica contabilidade está Ricardo Murad, cunhado de Roseana Sarney,
por ela nomeado secretário estadual de Saúde em 20 de abril de 2009.
Irmão
de Jorge Murad, marido de Roseana, Ricardo esperou oito meses para
iniciar o esquema milionário de injeção de verbas no Carlos Macieira,
instituição que, como quase tudo no Maranhão, homenageia um integrante
do clã. O médico que dá nome ao hospital é sogro de Sarney, avô da
governadora. Sob alegação jamais justificada de estado de emergência, o
secretário contratou sem licitação em dezembro de de 2009, uma
empreiteira do Ceará, a Fujita Engenharia. O contrato previa um
investimento de 38,6 milhões de reais nas obras de reforma e ampliação
do Hospital.
O prazo de execução: 180
dias. No mesmo mês o governo maranhense adiantou à construtora cearense 2
milhões de reais. A partir dos termos do contrato, portanto, as obras
do hospital deveriam estar prontas em junho de 2010. Em agosto daquele
ano, contudo, o Diário Oficial do Estado publicou um aditivo para
reduzir o valor do contrato a 26,5 milhões de reais, de modo a garantir o
andamento da obra, apesar do atraso de dois meses.
Durante
o ano de 2010, a Fujita Engenharia recebeu, além dos 2 milhões de reais
pagos em dezembro de 2009, mais 23,6 milhões, embora a execução da obra
continuasse lenta. Em 7 de junho de 2011, um ano depois de estourado o
prazo de 180 dias do primeiro contrato firmado com a construtora, Murad
decidiu abrir uma licitação para a mesma obra no hospital. A vencedora
foi a Fujita, incrivelmente chamada a realizar o mesmo serviço, reforma e
ampliação do hospital, a partir de um novo contrato, desta vez
equivalente a 39,5 milhões de reais, com prazo estabelecido de 600 dias
(um ano e oito meses) para entrega da obra. Ou seja, além de não ter
sofrido nenhuma sanção do governo maranhense por ter recebido cerca de
26 milhões de reais para tocar uma obra emergencial que nunca saiu do
papel, a construtora acabou vitoriosa no processo licitatório
aparentemente montado para favorecê-la.
Um
ano depois, em 6 de julho de 2012, a Fujita seria contemplada com uma
prorrogação do prazo de 120 dias, além de um adicional de 6 milhões de
reais a título de aditivo contratual. Assim, o valor total do contrato
subiu a 45,6 milhões de reais. Tanta generosidade passou a causar
desconfiança entre a oposição e os poucos blogs de jornalismo que
conseguem furar o controle da mídia no estado, quase toda nas mãos dos
Sarneys e aliados, sem falar na forte influência do clã sobre o
judiciário, a polícia e o Ministério Público locais. Antes da realização
de uma auditoria nas obras, capaz de verificar como foi aplicado a
dinheirama repassada à Fujita Engenharia , um misterioso incêndio 45
dias depois do aditivo repassado à empreiteira transformou em cinzas
provas da reforma que nunca existiu. Dali a dois meses, em outubro de
2012, Murad decidiu rescindir o contrato com a empreiteira. para a
Fujita nenhum problema: a construtora já havia recebido todos os
pagamentos.
A partir de então,
iniciou-se um processo licitatório que beneficiaria outra empresa do
Ceará, a Star Construções, com o novo contrato de reforma e ampliação do
Carlos Macieira. Coincidentemente, a Star funciona no mesmo endereço da
Fujita em Fortaleza. e não por acaso: os donos de ambas as empresas são
os irmãos Carlos Roberto e Lisandro Fujita. Em 9 de janeiro passado, a
Star Construções foi contratada a partir de um pregão presencial aberto
pela Secretaria de Saúde. Para essa nova fase da interminável reforma do
hospital, o governo maranhense destinou mais de 35, 5 milhões de reais.
Ao mesmo tempo, Murad abriu uma nova licitação para construção de
hospitais de cem leitos em quatro municípios maranhenses: Imperatriz,
Caxias, Pinheiro e Santa Inês. Ganha um prato de arroz de cuxá quem
adivinhar o vencedor da concorrência. A Star levou e vai tocar os
projetos avaliados em 41,8 milhões de reais.
Em Outro Hospital, o Aquiles Lisboa , a ONG de um aliado dos Sarneys recebe 5 milhões de reais.
Processo
semelhante ocorreu no Hospital Aquiles Lisboa, também de São Luís. Em 3
de novembro de 2009, a Secretaria de saúde fechou sem licitação
contrato de 5,1 milhões de reais com a Cruz Vermelha Brasileira para a
prestação de serviços médicos no hospital. Em 9 de abril de 2010, outro
contrato no valor de 803,7 mil reais para o mesmo hospital, desta feita
para serviços de reforma, foi acertado com a empreiteira Coteb. Não
parou por ai. Em 2011, após o encerramento do contrato com a Cruz
vermelha, Murad firmou um termo de parceria com Associação Tocantina
para o desenvolvimento da Saúde – Bem Viver no valor de 5,1 milhões de
reais, com pagamentos mensais de 429 mil reais. O responsável pela Bem
Viver é o deputado estadual Antonio Pereira (DEM), um dos principais
operadores da família Sarney na Assembleia Legislativa do Maranhão. Em
10 de maio de 2012, a parceria da Associação de Pereira com o governo
estadual foi corrigida para 5,5 milhões de reais para o mesmo serviço no
hospital Aquiles Lisboa.
Apesar de
tanto dinheiro disponível, o lugar está quase em ruínas e funciona
apenas em uma das casas do complexo. Homens, mulheres e crianças dividem
o mesmo espaço e ha um único banheiro para todos, inclusive para os
visitantes. Ainda assim, o gasto mensal de manutenção do hospital é de
500 mil reais. Embora o Mal de Hansen, conhecido popularmente como
Lepra, seja uma enfermidade dos tempos bíblicos, o Maranhão é o quarto
estado brasileiro com maior índice de incidência da doença no país.
Perde apenas para Mato Grosso, Tocantins e Rondônia. Em 2012, dos 29 mil
casos de hanseníase detectados no Brasil, 3.302 ocorreram no Maranhão,
305 deles em menores de 15 anos de idade.
“Tudo
isso é mais um escândalo”, afirma, resignado, o deputado estadual
Marcelo Tavares, do PSB, um dos autores das denúncias. Segundo ele,
graças ao prestígio de Sarney no governo federal, a governadora Roseana
conseguiu 1 bilhão de reais do BNDES, de um total de 3,8 bilhões a serem
emprestados no médio prazo, com a justificativa de reformar hospitais
no estado. Procurado por Carta Capital, Murad preferiu não prestar
informações sobre as obras.
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