Delegados, agentes, escrivães e administrativos não se entendem quanto às reais funções e equilíbrio nos salários. Investigadores também se ocupam com emissão de passaportes e escolta de seleções de futebol
Categorias profissionais que compõem a Polícia Federal estão em conflito quanto a seus salários e às funções que deveriam realmente exercer. A disputa inclui cargos de chefia e remunerações mais próximas. Os delegados, que acumulam os principais postos na PF, são o alvo. Hoje, há 13 mil funcionários efetivos na corporação, com rendimentos que variam dos R$ 4 mil aos R$ 22 mil. Na quinta-feira (31), agentes da polícia em quase todo país em fizeram paralisação de 24 horas em protesto contra as condições de trabalho e melhores salários. A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) vê uma clara divisão na corporação. De um lado, delegados e peritos, com os melhores salários e, de quebra, quase todos os cargos de chefia. De outro, os chamados “epas”, gíria para “escrivães, agentes e papiloscopistas”. Na ponta, os funcionários dos setores administrativos. Essas três “castas”, nas palavras do diretor da federação, Flávio Werneck, guerreiam dentro da polícia por salários e por reconhecimento profissional e até pessoal entre os colegas.
O vice-presidente da Fenapef, Luís Antônio Boudens,
endossa. “Há um embate interno muito forte. A Polícia evoluiu, mas os
delegados resistem”, diz ele. De acordo com Werneck, não existe clima
de cooperação entre os setores, num “apartheid institucional”, em que falta confiança mútua para tocar o trabalho direito.
A briga bate no bolso também. Os agentes, escrivães e
papiloscopistas chegaram a rejeitar o aumento de 15% divididos em três
parcelas que o governo Dilma Rousseff deu a todas as carreiras da União
no ano passado, mas hoje se queixam de perdas inflacionárias de quase
100%. O motivo é que os delegados novatos ganharam 26%. Os “epas”
queriam o mesmo tratamento. Hoje, um “epa” ganha de R$ 7,5 mil a R$
11,8 mil, dependendo da posição na carreira. Um delegado varia de R$ 16
mil a R$ 22 mil.
O presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal
(ADPF), Marcos Leôncio, considerou a avaliação uma “leviandade”. Ele
defende a reposição salarial dos agentes e escrivães para um valor mais
próximo do dos delegados, mas critica a posição dos líderes sindicias.
“Por que eles não aceitaram o aumento de 15%? A culpa é dos
delegados?”
Nos últimos 40 anos, 36 policiais federais morreram em
serviço. Destes, dez se suicidaram no período de um ano, mostrou
reportagem da revista Istoé. Para Werneck, é claro que os
agentes tinham conflitos pessoais consideráveis. Mas ele credita as
mortes também aos problemas salariais e institucionais da corporação.
“O ambiente de trabalho tem influência direta”, diz o diretor da
Fenapef.
Desvio de função
Os agentes, peritos e servidores administrativos entendem
que há vários desvios de função na Polícia Federal que contribuem para
desperdício de profissionais e de dinheiro público. Hoje, alguns
investigadores – muitos com formação em direito – emitem passaportes,
outros fazem escolta de seleções estrangeiras de futebol, atuam em
serviços burocráticos na corporação como a administração dos cadastros
das empresas de segurança privada.
“A presença do investigador deve ser na rua, com autonomia
para o agente coletar provas”, afirma Boudens. “Vivemos um momento de
desvio de função emblemático”, completa o presidente da Associação dos
Peritos Criminais Federais (APCF), Carlos Antônio de Oliveira. Para ele,
o correto seria colocar esses policiais na rua ou no setor de
informações para as áreas de inteligência.
Não é só por mera redistribuição de trabalho. Sem a
reorganização, a polícia fica mais lenta e mais cara para o
contribuinte. O raciocínio é que fica mais difícil reunir agentes em
torno de um mesmo caso. “Isso impacta nos custos para a Polícia Federal,
porque o inquérito demora mais tempo”, critica Carlos Antônio. Ele
compartilha a ideia de que cargos administrativos devem ser ocupados por
funcionários administrativos. Hoje, até a Diretoria de Logística é
ocupada por um delegado.
A presidente do sindicato dos funcionários administrativos
(Sinpecpf), Leilane Ribeiro, afirma que, com os salários mais baixos,
metade dos servidores deixou a carreira. Não houve mais concursos desde o
primeiro, feito em 2004. Com isso, agentes vão cumprir serviços
burocráticos. “Você tiraria o Neymar do time para colocá-lo no setor de
compras da CBF?”, diz uma campanha do sindicato distribuída em redes
sociais. “Pois na PF isso é bastante comum.”
Por trás da disputa por funções, está a melhora salarial.
Os cargos comissionados garantem uma projeção profissional e financeira
interessante na carreira. Para delegados, nada é problema na divisão de
postos de chefia. “Quem manda na PF são os delegados”, resume o
presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal.
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