Júlia Schiaffarino/Diário de Pernambuco
A legislação que rege o serviço público permite acúmulo de até dois cargos somente para funcionários da saúde e professores. Nos levantamentos do TCE, porém, houve caso de, para um mesmo CPF, constar mais de dez salários. Um dos resultados disso é que, na prática, acaba por ser fácil encontrar funcionários públicos do interior do estado ganhando mais do que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), ou seja, mais do que o teto constitucional, hoje de R$ 28 mil, sobrepondo-se mais uma ilegalidade à questão.
Até o momento, o pente-fino do TCE fez com que 773 vínculos irregulares fossem desfeitos, gerando uma economia estimada para este ano de R$ 17.285.164,00 aos cofres públicos. A prefeitura que mais afastou servidores por acúmulo indevido de função foi Agrestina, a 154 quilômetros do Recife. “Lá foram desfeitos oito vínculos e afastados sete servidores. Não é pouco se considerarmos que essas pessoas também estavam empregadas em outras três prefeituras ou câmaras”, comentou coordenador de Controle Externo do TCE, Rômulo Lins. Na sequência, estão João Alfredo, Agreste, e Nazaré da Mata, na Mata Norte.
O caso das cidades citadas, no entanto, não foi a regra. Dos 200 ofícios remetidos pelo TCE às administrações solicitando esclarecimentos, apenas 131 tiveram resposta. “As mais comuns foram confirmando que a pessoa realmente tinha outro vínculo, mas já tinha pedido para sair ou que está sendo instaurado processo administrativo para apurar responsabilidades. Mas, geralmente, o servidor não deixa chegar ao processo, porque corre o risco de ser demitido e impedido de ocupar cargos”, acrescentou Lins.
O coordenador do TCE admite que o acúmulo de funções, em alguns casos, decorre da ausência de mecanismos para as prefeituras checarem dados dos contratados. “A prefeitura não tem como verificar vínculo desses servidores em outros locais, mediante um cadastro nacional ou estadual. Agora, tem o seguinte, se você é contratado para fazer 40 horas e tem outro emprego que também é de 40 horas, alguém não está fiscalizando”, disse. Ele ressalta a falta de um controle de ponto eletrônico, por exemplo. Os velhos cadernos de ponto, com anotações manuais, ainda persistem em imperar.
Méritos à tecnologia
Dos benefícios trazidos pela tecnologia, a capacidade de cruzar dados é um dos mais interessantes, especialmente para quem trabalha com fiscalização. É com isso que atua o Robô Auditor, o “queridinho” da vez no TCE-PE. Esse programa, que tem status de funcionário padrão na Casa, foi o responsável por executar uma vistoria no cadastro de mais de 280 servidores ativos identificando os acúmulos ilegais de cargos. “Todo mês, ele aperta um botão, dá uma planilha de resultados e gera os ofícios para as prefeituras, que já saem assinados e são enviados eletronicamente”, relatou Rômulo Lins, brincando que só faltava colocar ao programa, envelopar os ofícios.
Rômulo Lins atribui problemas nas folhas de pagamento à falta de controle interno dos órgãosFoto: | Annaclarice Almeida/DP/D.A Press |
Quando o assunto é a folha de pagamento de prefeituras e câmaras municipais, sobram casos no mínimo estranhos de irregularidades. Auditores do Tribunal de Contas de Pernambuco decidiram fazer uma “reunião” de situações ilegais ou incomuns verificadas em prestação de contas dos anos de 2009 e 2010 e foram encontrados desde servidores com CPFs zerados ou pagamento a pessoas falecidas até contratações de médicos sem registro profissional e vereadores que também recebiam como funcionários do Executivo.
A presença de servidores com endereço fixo em outros estados também foi frenquente. Chama o fato de, na maioria das vezes, eles sequer fazerem fronteira com Pernambuco, a exemplo de uma prefeitura do Sertão onde foram registradas 83 ocorrências do tipo. Outro Executivo, este do Agreste, possuía 14 funcionários com residência em São Paulo. Ainda nessa mesma cidade, um médico, que seria morador de Alagoas, chegou a receber R$ 127 mil em um ano. Outros estados a abrigar funcionários públicos de Pernambuco são Tocantins, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Entre os cargos ocupados estavam, ainda, os de professor, gari, pedreiro, motorista e vigilante.
Contratações de menores de 18 anos também estiveram presentes nessa coletânea do TCE. Ao mesmo tempo, foi comum servidores com mais de 70 anos ainda ativos, mesmo a legislação do funcionalismo público determinando aposentadoria compulsória com essa idade. Somente uma cidade apresentou 26 pessoas em tal situação, entre os quais, professores, auxiliares de serviços gerais e até vigilantes. Outra, que tinha um servidor ativo com 80 anos, respondeu ao TCE que o funcionário estava em “plenas condições para o exercício da função”. Uma terceira, cujo contratado tinha mais de 90 anos, não respondeu às indagações do tribunal.
Em cada uma dessas cidades, foram abertas auditorias especiais que se transformaram em mais de 300 processos. Dos 89 julgados, conforme relatório inicial, resultaram 47 contas consideradas irregulares. Nos demais casos, houve aplicação de multas e recomendações. A reportagem optou por omitir o nome das prefeituras, dada a impossibilidade de checar a situação atual, visto que em muitas delas houve mudança de gestão.
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