quinta-feira, 24 de julho de 2014

Do Automóvel Clube até a churrascaria


Carlos Chagas
Não se encontrará vivo,  no Brasil, um só cidadão que tenha comparecido ao banquete de lançamento da plataforma  eleitoral de Julio Prestes, o último presidente eleito na República Velha, em 1930 – aliás, garfado antes de tomar posse. Vinha sendo  assim em todas as sucessões. Os caciques se reuniam, estabeleciam suas condições e selecionavam seu candidato, paulista ou mineiro como regra.
Às vésperas da eleição,com todos os compromissos firmados, o privilegiado tomava o trem noturno para o Rio e, na sede do  Automóvel Clube, na rua do Passeio, lia sua plataforma, ou seja, seu programa de governo. Mais de 200 líderes de todos os estados, fazendeiros e banqueiros podem ser vistos em raros filmes da época, todos de casaca,  a maioria se abanando com guardanapos e mais que pudessem. O ar refrigerado  não havia sido inventado e o calor na então capital da República era infernal.
As coisas já tinham começado a mudar, porque anos antes Rui  Barbosa participara de alguns comícios em praça pública, o mesmo fazendo Getúlio Vargas, ambos derrotados pelas oligarquias. O mundo mudou, campanhas eleitorais viraram sinônimo de diálogo direto com o eleitorado, mesmo pela televisão e as redes sociais.
Pois não é que entre nós tudo ameaça andar para trás? Hoje à noite a presidente Dilma dará o ponta-pé inicial de sua campanha à reeleição. Em praça pública? Diante da multidão reunida ou pelo menos fixada  nas telas de televisão?
Nada disso. A campanha começa numa churrascaria. Num restaurante da  Baixada Fluminense, com a presença de correligionários variados, chefiados pelo governador Pezão.  Anuncia-se que a presidente anunciará sua plataforma, quer dizer, seus planos para o segundo  mandato, sem deixar de elogiar o primeiro, mais ou menos como os futuros presidentes, na Republica Velha, elogiavam os que em pouco tempo terminariam  seus mandatos.
Estaria o país regredindo? Voltamos aos tempos  onde o povo não tinha vez, nem voz,  limitando-se a ficar na calçada assistindo a entrada dos potentados no salão do  banquete? Mesmo na churrascaria e  certamente sem casaca, de bermudas e sandálias havaianas, o eleitor  verá a candidata de longe,  cercada de costelas e picanhas, discursando para um privilegiado grupo de líderes que gravitam em torno do governo federal e querem seu apoio.
Um lamentável início de campanha, mas  não se critique apenas Dilma Rousseff.  Onde, até agora, Aécio  Neves empolgou as massas ou Eduardo Campos  sacudiu as multidões?
Sem saudosismos, é preciso verificar não serem os grandes  comícios que impulsionam as eleições, mas precisamente o contrário: são as  grandes eleições que  impulsionam os comícios.  O resultado surge claro: as eleições de outubro estão muito mais próximas do Automóvel Clube do que das praças públicas. Uma churrascaria resolve o problema…
 
 

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