Por Marcelo Rocha (Época)
Com o slogan “Pior que tá não fica”, o
palhaço Tiririca, nome artístico e político de Francisco Everardo
Oliveira Silva, conquistou em 2010 uma das 513 cadeiras da Câmara dos
Deputados. Concorrendo pelo PR de São Paulo, o partido do mensaleiro e
presidiário Valdemar Costa Neto, Tiririca obteve 1,3 milhão de votos.
Foi o parlamentar mais votado naquelas eleições, embora houvesse sólidas
evidências de que não sabia ler ou escrever, como determina a lei e
revelou ÉPOCA. Na ocasião, Tiririca prometera a seu eleitorado ir a
Brasília descobrir o que fazem os deputados federais. Graças às regras
eleitorais, a votação expressiva de Tiririca levou ao Congresso três
deputados da coligação do PR – entre eles, o deputado e ex-policial
Protógenes Queiroz. Passados quatro anos, Tiririca ressurgiu. Está de
volta às telas da TV no horário eleitoral para tentar renovar seu
mandato. Na TV, afirma ter cumprido o que se propusera a fazer: “Eu
falei para vocês que ia dizer o que um deputado federal faz. Deputado
federal trabalha muito e produz pouco”. Na sequência do vídeo, Tiririca
aparece travestido de palhaço, ao lado de uma Brasília amarela – o
carro, não a capital. Diz que conhece muito bem “Brasília”, que ela tem
uns podres, uns amassados, mas funciona. “Com toda a podridão que tem,
Brasília funciona.” Agora, Tiririca pede votos para “melhorar a
Brasília”. Não é piada.
O que Tiririca transmite aos
telespectadores sobre as atividades parlamentares espelha sua própria
experiência como congressista nos últimos três anos e meio. Tiririca
teve atuação discreta na Casa. Até aparecia no plenário, nas comissões e
nas reuniões de partido – mas permanecia mudo. Só falava se o assunto
era circo. Não discursou no plenário nenhuma vez.
Ignorou, portanto, o momento que tantos
parlamentares cobiçam. Ele serve para prestar contas ao eleitor: rende
aos deputados minutos de exposição na TV Câmara e nas ondas da Voz do
Brasil. O PR encaixou Tiririca na Comissão de Educação e Cultura. É um
foro importante de discussão. Tiririca não contribuía para os debates.
Seu único legado consistiu em aprovar, nessa comissão, uma proposta que
incluía as atividades circenses na Lei Rouanet, aquela que provê
recursos para a cultura por meio de incentivos fiscais.
Cearense de Itapipoca, Tiririca tem 49
anos e diz que praticamente nasceu no circo. “Sou muito feliz de ser
artista circense. Nunca neguei isso. Quando lancei a ‘Florentina’ (hit
musical de 1996 que o projetou), vim como artista circense. Sempre
falando com muito orgulho. Cheguei hoje a deputado – porque não sou
deputado, estou – como artista de circo, o palhaço Tiririca.” Tiririca
fez essa declaração no dia 9 de julho de 2013, a última de suas oito
falas desde fevereiro de 2011, data da posse – em média, uma a cada
semestre.
Nas poucas vezes em que falou nas
comissões, Tiririca usou a palavra para narrar a própria história. Em
agosto de 2011, debutou ao microfone. Foi no auditório Nereu Ramos, o
principal da Câmara, durante uma audiência que discutia o Plano Nacional
de Educação – uma das políticas públicas mais relevantes do país. “Não
vou tomar muito o tempo de vocês. Vou falar somente três horas”, disse,
arrancando risadas do público. “Sou de família pobre, família humilde.
Não sou formado, mas sei alguma coisa. Estou junto nessa luta aí. O que
for preciso, o que precisar da gente, do gabinete da gente.” Sua fala
durou apenas três minutos.
Numa segunda intervenção, dois meses
depois, Tiririca explicou como chegou ao Congresso Nacional. Disse que
Valdemar Costa Neto, presidente do PR, apresentou a ele uma pesquisa em
que se perguntava nas ruas quem as pessoas gostariam de ver como
deputado. “Dava eu nas cabeças”, disse. Tiririca topou. Apesar de ser
popular, ele atravessava um momento de baixa na carreira artística.
Participava de um programa humorístico exibido numa segunda-feira, tarde
da noite. “Pensei: vou entrar porque era uma divulgação para mim. Vão
divulgar meu nome pra caramba”, afirmou em dezembro de 2011, com cândida
sinceridade. A expectativa era receber 5 mil votos. Conquistou 280
vezes isso.
Foi uma aposta certeira do mensaleiro
Valdemar Costa Neto. Sempre com a carranca de quem se leva muito a
sério, ele pode não entender nada de humor – mas entende tudo de
política e votos. Encontrou em Tiririca um títere perfeito. Em 2010, o
PR financiou 75% das despesas de campanha de Tiririca, algo em torno de
R$ 520 mil dos R$ 680 mil arrecadados por seu comitê financeiro. Cada
voto de Tiririca custou ao partido inacreditáveis R$ 0,40. Os votos de
Tiririca garantiram ao PR R$ 4 milhões do Fundo Partidário, dinheiro
público repassado às legendas anualmente para sua manutenção – e
proporcional à votação. Na política, nem mensalão dá um retorno tão
lucrativo. Valdemar pediu duas coisas a Tiririca: seguir a orientação do
PR nas votações das leis e não faltar ao trabalho. Bastava não
atrapalhar – e aparecer na eleição seguinte. Tiririca cumpriu as ordens.
É um dos mais assíduos da atual legislatura. Valdemar encarregou o
então coordenador de Comunicação do PR, Vladimir Porfírio, de
monitorá-lo. Valdemar bajulava Tiririca. Convidava-o para conhecer e
tirar fotos ao lado dos principais políticos da Casa. O encanto durou
seis meses.
A partir do segundo semestre de 2011,
Valdemar, assoberbado com o iminente julgamento do mensalão e os
preparativos para ir em cana, pouco conviveu com Tiririca. Amuado,
Tiririca mal participava de eventos do PR. Confidenciava a assessores
que merecia um “cachê artístico” para tais participações. Quem pagava – e
paga – os cachês dele todo mês são os brasileiros. A piada de protesto
custa R$ 140 mil mensalmente. A conta inclui o salário de Tiririca e
seus assessores, assim como as despesas do gabinete. Ao final do
mandato, Tiririca terá custado R$ 7,2 milhões aos cofres públicos. De
acordo com a prestação de contas dos gastos realizados na Câmara,
Tiririca viajou tanto para o Ceará, sua terra natal, quanto para São
Paulo, sua base eleitoral. Pensou em não se candidatar nestas eleições,
mas manter a parceria com o PR lhe era mais conveniente. O PR não
dispensa os votos de Tiririca, nem o dinheiro que eles podem render ao
caixa do partido. Uma pesquisa feita pelo Ibope, divulgada na semana
passada, mostra que Tiririca está entre os cinco candidatos a deputado
com maior intenção de voto até agora. Deverá se reeleger com facilidade.
Talvez até arrastar outros deputados com ele. ÉPOCA pediu para
entrevistar Tiririca, mas a equipe de campanha, monitorada pela direção
do PR, disse que ele não falaria com a imprensa. Tiririca prefere
aparecer no horário eleitoral fazendo piada. Como o programa em que ele
imita Roberto Carlos e que lhe renderá um processo da Sony Edições
Musicais.
Em três anos e meio de atuação na Câmara,
Tiririca ostenta no currículo a autoria de oito projetos de lei, seis
deles relacionados a sua profissão de palhaço – entre eles, um que
institui o Diploma Amigo do Circo (leia ao lado). Iniciativas louváveis.
O circo é uma atividade cultural, assim como o cinema ou o teatro. Ao
final do primeiro ano de mandato, em 2011, antecipando o mote de sua
atual campanha, Tiririca disse na Comissão de Educação e Cultura que
tinha uma ideia do que era o trabalho dos parlamentares. “Sei o que um
deputado faz. Trabalha muito, isso no meu ponto de vista. E produz
pouco: o regime da Casa é engessado, a gente procura fazer alguma coisa,
mas é complicado”, afirmou. “Mas hoje dou baile aqui dentro, estou
tranquilo.” Ele aprendeu rapidamente a fazer graça no picadeiro da
política. Para ele e Valdemar Costa Neto, a piada é você.
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