Akemi Nitahara
Agência Brasil
O sonho de seguir carreira no futebol não pode levar o jovem a se submeter a condições degradantes e sem acesso à educação nas escolinhas ou centros de treinamento. Isso caracteriza tráfico de pessoas. O alerta foi dado na última quinta-feira (30) no seminário Na Rede Certa, dentro da campanha de prevenção ao tráfico de crianças e adolescentes no esporte, promovida pelo Consórcio Trama, que reúne entidades da sociedade civil de defesa dos direitos humanos.
Por seis meses, a organização percorreu escolas de ensino fundamental e médio do estado do Rio de Janeiro, promovendo oficinas de conscientização sobre o tema para estudantes e profissionais de educação. Além disso, foram ministradas 40 palestras para multiplicadores como conselhos tutelares, órgãos de segurança pública e organizações não governamentais.
A advogada Thaísi Bauer, representante do Consórcio Trama, explica que as condições em que são colocados os meninos que vão atrás do sonho de se tornar jogador de futebol normalmente não são vistas como escravidão moderna ou tráfico de pessoas, e sim como “parte do jogo”. Thaísi relata, porém, que os jovens passam por diversas violações de direitos, como falta de garantia de alimentação, dormitórios em péssimas condições de higiene e superlotados, abandono da escola e treinos de mais de dez horas por dia.
“Sociologicamente, o futebol é muito importante, não só aqui no Brasil como no mundo todo. E como a gente tem essa divulgação enorme na mídia, dos meninos que vão para fora e conseguem seguir carreira no futebol e ganhar muito dinheiro, a gente tem essa cultura dos meninos abandonarem as escolas e começarem muito cedo no futebol para tentar um lugar ao sol, mas 99% dos meninos que tentam a carreira de futebol não conseguem chegar a um time de sucesso”, ressaltou.
De acordo com ela, o tráfico interno é muito grande, com os meninos trazidos por “olheiros” do Norte e Nordeste para o Sudeste, onde estão os maiores times. “Vários fatores levam a isso, como as desigualdades sociais, econômicas e cultural, desconhecimento do perigo, falta de informação dos pais, ausência de perspectiva local, o sonho de conquistar o mercado internacional e a possibilidade de melhorar a vida da família. E a mídia só mostra casos de sucesso”, acrescentou.
Ela relata o caso ocorrido nas categorias de base do Vasco em 2012, onde um garoto mineiro, de 14 anos, teve um ataque epilético durante o treino e morreu no local, sem atendimento médico, após não ter recebido as duas últimas refeições. Thaísi também disse que muitos meninos são levados irregularmente para o exterior, onde correm o risco de serem abandonados pelo aliciador, caso não deem o retorno financeiro esperado.
Professora do Colégio Estadual Oswaldo Ornellas, em São Gonçalo, região do Grande Rio, e coordenadora do Programa Mais Educação, Celi Santana relata que as oficinas da campanha possibilitaram que o assunto, antes invisível, entrasse na comunidade escolar. Segundo ela, o tema é bastante invisível, e “quando se informa aos profissionais de educação, seus companheiros de trabalho, que a atividade que mais mobiliza crianças na escola – especialmente os meninos -, é utilizada como forma de mercantilizar o ser humano, causa impacto, porque ela não é vista nessa perspectiva do tráfico de pessoas”.
O Projeto Trama distribuiu cartilha voltada para as crianças e adolescentes, conselheiros tutelares e treinadores de escolinhas de futebol. O trabalho ganhou, inclusive, edital lançado em parceria do Ministério da Justiça com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime para o enfrentamento ao tráfico de pessoas.
(Matéria enviada por Paulo Peres)
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