segunda-feira, 3 de novembro de 2014

No dia de finados Sarney escreve que as cidades estão mortas…

 

 

Letras de sangue nas mãos do dono do MA: É, Sarney, nossa antiga São Luís conseguiu chegar ao ano 2014. Está viva, as outras, nem tanto…
Transbordando saudosismos, o ex-governador maranhense que foi presidente da República reconhece que as cidades poderiam ser (e estar) melhor. Triste constatação: Seus políticos deveriam ter amado e trabalhado por elas, pelo seu povo, mas o líder da maior organização política do Brasil, que liderou uma oligarquia com 50 anos mandando absolutamente, se esquivou desta responsabilidade. Sobrou morte.
Abaixo, blog reproduz a Coluna do Sarney retirada das páginas do Jornal O Estado do MA, reproduzido por Gilberto Leda.

As várias São Luís

Sarney: encontrou a verdade?
Sarney: encontrou a verdade?
As cidades se transformam, vivem em constante mutação, envelhecem, tornam a rejuvenescer e assim várias gerações passam e cada uma vê a cidade com os olhos da sua vida. E quando a gente tem a graça de viver muitos anos, a cada período de sua cidade a cidade desse tempo se transforma e desaparece.
Ainda mais porque os olhos de menino não são os olhos da juventude, os da juventude não são os da maturidade, estes não são os da velhice, cada tempo tem a sua visão, as pessoas e os tipos que marcavam a vida cotidiana. Daí vem a saudade, cuja melhor definição é aquela que diz “a vontade de ver de novo”.
E os que amam a História possuem outra vontade, a de ver o que não viram, e então põem a imaginação a funcionar e vêem a cidade que morreu, nos seus diversos tempos, da fundação, das revoltas, das tradições que desapareceram.
Outro dia, andando pela Liberdade, pelo Turu, pelo bairro de Fátima – que se chamava Cavaco – fiquei surpreso com essas áreas de uma cidade que não eram mais as que eu conhecia, em constante transformação e mutação. E assim é toda ela.
A São Luís de 80 mil habitantes que eu vi pela primeira vez, chegando de barco, descendo na rampa Campos Melo que desapareceu, com o bonde, a luz elétrica que eu não conhecia – e não entendi como aquilo podia andar sem nada para puxar. Só conhecia casastérreas e vi os sobrados – nos meus olhos de criança muito altos e uma casa em cima da outra. Tudo era mistério e me parecia belíssimo. As ruas calçadas e muita gente – para mim que vinha do interior – andando nelas. As carroças no porto para levar as bagagens e nós no bonde e eu fascinado. Depois, ao chegar à casa da minha tia Martinhana, a luz a iluminar tudo, sem querosene nem morrão. Esta cidade morreu.
Hoje, eu entendo Rubem Almeida num ensaio que escreveu sobre a formação da cidade, descrevendo a Vila de Nazareth, nossa primeira povoação, que o donatário da Capitania, João de Barros, mandou fundar por uma expedição de seus filhos, que naufragou, segundo a lenda, no Boqueirão. Rubem Almeida vê os caminhos dos índios e identifica as ruas como seguindo esses caminhos e imagina edifícios construídos e ignora a planta de Francisco Frias que nos ficou depois da fundação dos franceses e da conquista de Jerônimo de Albuquerque.
Lembro-me da descrição de Vieira da vila de grotões, da revolta de Marcelino Machado chamando-a de burgo podre, e guardo minha lembrança de menino da mais bela das cidades do mundo. Giles Lapouge, que chegou aqui num dia de feriado e viu a cidade vazia, com suas ruas desertas, repetiu que era “a mais bela cidade do mundo”.
Todos que aqui passaram se encantaram. Mas, infelizmente, todas essas cidades morreram. E é com essas visões que eu tenho saudades da minha cidade e procuro reconstruí-la na memória, mas não encontro mais as meninas do meu tempo, meus colegas de bola de gude e sinto o punhal da ausência dos olhos de bondade de minha mãe e de carinho de meu pai.

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