Letras de sangue nas mãos do dono do MA:
É, Sarney, nossa antiga São Luís conseguiu chegar ao ano 2014. Está
viva, as outras, nem tanto…
Transbordando saudosismos, o
ex-governador maranhense que foi presidente da República reconhece que
as cidades poderiam ser (e estar) melhor. Triste constatação: Seus
políticos deveriam ter amado e trabalhado por elas, pelo seu povo, mas o
líder da maior organização política do Brasil, que liderou uma
oligarquia com 50 anos mandando absolutamente, se esquivou desta
responsabilidade. Sobrou morte.
Abaixo, blog reproduz a Coluna do Sarney retirada das páginas do Jornal O Estado do MA, reproduzido por Gilberto Leda.
As várias São Luís
As cidades se transformam, vivem em
constante mutação, envelhecem, tornam a rejuvenescer e assim várias
gerações passam e cada uma vê a cidade com os olhos da sua vida. E
quando a gente tem a graça de viver muitos anos, a cada período de sua
cidade a cidade desse tempo se transforma e desaparece.
Ainda mais porque os olhos de menino não
são os olhos da juventude, os da juventude não são os da maturidade,
estes não são os da velhice, cada tempo tem a sua visão, as pessoas e os
tipos que marcavam a vida cotidiana. Daí vem a saudade, cuja melhor
definição é aquela que diz “a vontade de ver de novo”.
E os que amam a História possuem outra
vontade, a de ver o que não viram, e então põem a imaginação a funcionar
e vêem a cidade que morreu, nos seus diversos tempos, da fundação, das
revoltas, das tradições que desapareceram.
Outro dia, andando pela Liberdade, pelo
Turu, pelo bairro de Fátima – que se chamava Cavaco – fiquei surpreso
com essas áreas de uma cidade que não eram mais as que eu conhecia, em
constante transformação e mutação. E assim é toda ela.
A São Luís de 80 mil habitantes que eu vi
pela primeira vez, chegando de barco, descendo na rampa Campos Melo que
desapareceu, com o bonde, a luz elétrica que eu não conhecia – e não
entendi como aquilo podia andar sem nada para puxar. Só conhecia
casastérreas e vi os sobrados – nos meus olhos de criança muito altos e
uma casa em cima da outra. Tudo era mistério e me parecia belíssimo. As
ruas calçadas e muita gente – para mim que vinha do interior – andando
nelas. As carroças no porto para levar as bagagens e nós no bonde e eu
fascinado. Depois, ao chegar à casa da minha tia Martinhana, a luz a
iluminar tudo, sem querosene nem morrão. Esta cidade morreu.
Hoje, eu entendo Rubem Almeida num ensaio
que escreveu sobre a formação da cidade, descrevendo a Vila de
Nazareth, nossa primeira povoação, que o donatário da Capitania, João de
Barros, mandou fundar por uma expedição de seus filhos, que naufragou,
segundo a lenda, no Boqueirão. Rubem Almeida vê os caminhos dos índios e
identifica as ruas como seguindo esses caminhos e imagina edifícios
construídos e ignora a planta de Francisco Frias que nos ficou depois da
fundação dos franceses e da conquista de Jerônimo de Albuquerque.
Lembro-me da descrição de Vieira da vila
de grotões, da revolta de Marcelino Machado chamando-a de burgo podre, e
guardo minha lembrança de menino da mais bela das cidades do mundo.
Giles Lapouge, que chegou aqui num dia de feriado e viu a cidade vazia,
com suas ruas desertas, repetiu que era “a mais bela cidade do mundo”.
Todos que aqui passaram se encantaram.
Mas, infelizmente, todas essas cidades morreram. E é com essas visões
que eu tenho saudades da minha cidade e procuro reconstruí-la na
memória, mas não encontro mais as meninas do meu tempo, meus colegas de
bola de gude e sinto o punhal da ausência dos olhos de bondade de minha
mãe e de carinho de meu pai.
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