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“Só a China tem mais cidades comunistas do que o Maranhão”, diz o governador maranhense, Flávio Dino, em tom de brincadeira.
O “comunismo” avançou como nunca nestas eleições no Estado mais pobre do país, o Maranhão. O PCdoB, partido do governador, atraiu parte da antiga base política da família Sarney e passou de cinco prefeitos eleitos em 2012 para 46, dois anos depois da vitória de Dino para a gestão estadual.
A sigla elegeu o maior número de prefeituras do Estado e tem a maior fatia do eleitorado sob seu comando. Ao mesmo tempo, o sarneysismo se enfraqueceu depois de quase cinco décadas do comando da oligarquia no Estado. O PMDB do ex-presidente José Sarney teve o número de prefeitos reduzido a menos da metade e caiu dos 48 eleitos em 2012, na administração Roseana Sarney, para 22.
No único Estado comandado pelo PCdoB, o governador construiu um amplo grupo político, que inclui PT e PSDB, e conquistou sete em cada dez prefeitos do Maranhão nesta eleição. Das 217 cidades, Dino e seus aliados ganharam em 150 (69,1% do total), pavimentando a candidatura à reeleição do governador, já em construção.
Os neocomunistas, como são chamados os prefeitos eleitos recém-filiados ao PCdoB, não são necessariamente de esquerda. Parte veio da base de antigos aliados dos Sarney, do PMDB e PV, em uma filiação que segue um padrão semelhante: quase todos se filiaram nos últimos dois anos, depois da vitória do governador e foram para o partido em processo liderado por Dino. É o caso, por exemplo, do prefeito eleito de Bom Jesus das Selvas, Fernando Coelho, cidade a 465 quilômetros da capital. Antes de filiar-se ao PCdoB, Coelho estava no PV e participou de uma gestão municipal do DEM.
O convite para entrar no PCdoB e disputar neste ano foi feito àqueles que ajudaram na eleição de 2014 e tinham potencial eleitoral para concorrer à prefeitura e reforçar a base governista. Não há nenhum prefeito eleito que tenha se filiado antes de 2006, quando Dino elegeu-se deputado federal. O próprio governador está no partido há onze anos.
O presidente do PCdoB do Maranhão, Márcio Jerry, diz que o partido prometeu “prestigiar” quem apoiasse Dino. “Adotamos uma opção: em 2014 a gente dizia que precisava do apoio para eleger Dino governador e que depois, no momento seguinte, eles seriam prestigiados. Seriam eleitos e teriam espaço na estrutura partidária. Quem entrou, estava alinhados no processo eleitoral”.
Supersecretário na gestão estadual, responsável pela articulação política e pela comunicação, Jerry diz que a identidade nos neocomunistas é mais com Dino e o governo do que com a ideologia do partido. “Passamos por um longo período de obscurantismo político e isso reduz muito o espaço para uma filiação por identidade política, ideológica, programática”, afirma, em meio a críticas às décadas da oligarquia Sarney no poder. O principal aliado do governador diz que o “comunismo não foi implantado no Maranhão”. “O projeto político está nos marcos do capitalismo, da legalidade burguesa”, afirma Jerry, que acompanhou de perto as doações feitas para as campanhas. “Estamos assegurando o pleno funcionamento do capitalismo”, ironiza.
O governador diz que o partido foi flexível ao promover as novas filiações para fortalecer sua base no Maranhão. “O PCdoB não é um partido marxista-leninista. A gente não fez prova de quem leu o ‘Manifesto Comunista’, ‘O Capital’ nem pedimos para cantar a “Internacional’. Não tem esse fechamento e seria errado se tivesse”, afirma.
Dino, no entanto, conseguiu aglutinar também a esquerda entre os novatos e atraiu petistas descontentes com os rumos do PT, que está enfraquecido no Estado e elegeu apenas sete prefeitos. Fundador e militante por 30 anos do PT, o ex-deputado Domingos Dutra é um dos mais ferrenhos adversários da família Sarney no Maranhão e depois de uma breve passagem pelo Solidariedade foi eleito prefeito pelo PCdoB de Paço do Lumiar, na região metropolitana da capital.
O número de prefeituras conquistadas pelo PCdoB nesta eleição é semelhante ao obtido pelo PDT e PMDB nas duas disputas municipais anteriores e mostra o peso do governo do Estado na definição dos novos prefeitos. Em 2008, o PDT, do então governador Jackson Lago, falecido em 2011, elegeu 66 prefeitos. Quatro anos depois, Roseana emplacou 48, dois a mais do que os 46 do partido de Dino.
O presidente do PCdoB maranhense diz que a estratégia do partido é diferente da adotada por Lago. Assim que foi eleito, o então governador do PDT promoveu uma ampla filiação dos prefeitos que disputariam a reeleição, mas isso não garantiu o apoio desses prefeitos a ele. Parte desse grupo voltou à base sarneysista assim que o governador pedetista deixou o poder. Já os neocomunistas, diz Jerry, foram recrutados não só depois da vitória do governador, mas também durante as campanhas de Dino em 2010 e 2014. “Não fizemos uma abertura indiscriminada, senão teríamos eleito 120 prefeitos do PCdoB. O critério foi a participação na vitória”.
Nem todos neocomunistas se engajaram na campanha de Dino como o dirigente comunista diz. O prefeito reeleito de Barra do Corda, Eric Costa, evitou envolver-se na campanha do governador em 2014, por ter relações com o sarneysismo. Em 2012, foi eleito pelo PSC com forte apoio de Roseana. No entanto, depois da vitória de Dino, entrou em acordo com o partido do governador e migrou para a base do comunista. Outro caso é o do prefeito eleito de Poção de Pedras, Julio Cascaria, que entrou na reta final da campanha de 2014, quando já era prevista a vitória do candidato do PCdoB.
“Não vou dizer que hoje o partido é todo de quadros orgânicos. É um partido comunista de massas, dirigidos por quadros”, diz Jerry. “Mas isso é uma etapa da disputa de hegemonia do Estado. Organizando um grupo, conseguimos apoios”.
Nesta eleição, o governador avançou na base tradicional do sarneysismo: pequenos municípios do interior, com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH) e dependentes da ajuda do Estado. A estratégia de filiação para o PCdoB para enfraquecer o sarneysismo atingiu em cheio não só o PMDB, mas também o PV do ministro Zequinha Sarney (Meio Ambiente), filho de Sarney. O partido tinha 20 prefeituras no começo de 2015, mas perdeu 12. Nesta eleição, elegeu 7 prefeitos.
O PCdoB lançou 103 candidatos a prefeito e elegeu 44% deles. Há quatro anos, disputou com 25 e emplacou 20%. Neste ano, a legenda elegeu também 27 vice-prefeitos e 213 vereadores. O partido comandará 754 mil eleitores e o PMDB, 587 mil.
Dino ajudou também seus aliados, como o PSDB, que ocupa a vaga de vice em seu governo. O partido elegeu o segundo maior número de prefeituras, com 29. O PDT, outro aliado antigo do governador, venceu em 28 prefeituras. A soma do eleitorado das cidades comandadas pelos aliados do governador chega a 2,2 milhões, mais da metade do total do Estado. “Levamos em conta o leque de alianças. O PSDB multiplicou por três o número de prefeituras. O PDT multiplicou por dois”, diz Jerry.
A base do governador também teve vitórias em grandes cidades, como Açailândia, com a reeleição do neocomunista Juscelino Oliveira. Dos dez maiores municípios, aliados de Dino venceram em oito.
Na capital, com 660 mil eleitores (14,3% do total), a disputa foi para o segundo turno e o governador tenta minimizar um provável desgaste eleitoral caso seu candidato, o prefeito Edivaldo Holanda Junior (PDT), que tem o PCdoB como vice, perca. Dino tem afirmado que não vai considerar como sua derrota se o adversário do prefeito, deputado estadual Eduardo Braide (PMN), ganhar. Braide foi líder do bloco governista na Assembleia Legislativa em 2015 e Dino diz que terá boa relação com ele, se eleito.
O governador cita a vitória em municípios simbólicos para seu grupo contra a família Sarney: Pinheiro, terra natal do ex-presidente pemedebista; Mirador, onde o senador Edison Lobão nasceu; Presidente Sarney; Governador Edison Lobão; Coroatá, onde a atual prefeita, Teresa Murad, cunhada de Roseana, mulher do ex-secretário Ricardo Murad, foi derrotada, e Peritoró, onde o sobrinho de Roseana foi derrotado.
O resultado eleitoral, no entanto, mostra que o sarneysismo ainda tem força no Estado e ameaça Dino. O governador enfrentou duras derrotas em cidades grandes como Imperatriz, a segunda maior do Estado, e em Caxias, onde fez parcerias e destinou recursos. “A corrente liderada por Sarney continua relevante. Eles mantêm uma presença política e muita força econômica, midiática. Não imagino que o grupo será dissolvido”, afirma Dino. ”
Apesar da atração de prefeitos de pequenos municípios com acenos de recursos, o governo diz que terá uma atuação diferente à do sarneysismo. “Não fizemos uma relação clientelista, baseado em determinados convênios que serviu mais para financiar políticas do que para política pública como fez o sarneysismo”, diz Jerry. No entanto, a filiação de parte expressiva dos neocomunistas está justamente baseada na expectativa de repasses e benesses.