Há quase dois meses os dados oficiais da pandemia do coronavírus indicam sinais de arrefecimento no Brasil. O número de mortes notificadas diariamente ― que estacionou ao longo de meses acima da trágica marca de 1.000 óbitos ― agora está em torno de 500. Mas o país segue vendo a pandemia se espalhar sobre o seu território com distintas velocidades, e a tendência de queda geral contrasta com o fato que dez capitais brasileiras apresentaram sinais de retomada de crescimento das infecções nas últimas semanas, segundo o Infogripe, um grupo da Fiocruz que acompanha as internações hospitalares por síndrome respiratória aguda grave, corrige atrasos de notificação e calcula a probabilidade de crescimento de contágio em todo o país.
Aracaju, Florianópolis, Fortaleza, João Pessoa, Macapá, Maceió e Salvador são as que apresentam sinais fortes desse crescimento, enquanto Belém, São Luís e São Paulo apresentam sinais moderados. Esta é a primeira semana que São Paulo dá sinais de que parou de cair e pode ver o contágio voltar a crescer.
Esse aumento de internações ― concentrado especialmente em capitais do Nordeste, uma das primeiras regiões a vivenciar o quadro mais grave da pandemia no país ― ainda está muito distante da demanda apresentada no auge da crise. Desde então, o país fechou 65% das vagas de UTI abertas emergencialmente e as medidas de distanciamento começaram a ser relaxadas à medida que os casos diminuíam. Mas esse relaxamento, somado à preocupação com as movimentações decorrentes da campanha eleitoral, têm feito alguns Estados voltarem a sofrer pressão em seus sistemas de saúde, recuando da flexibilização do isolamento e anunciando a reabertura de novos leitos.
A PANDEMIA NÃO ACABOU
“O processo de queda (no número de casos e mortes por covid-19) e as flexibilizações dos Estados não deveriam ser interpretados pela população e pelas autoridades da Saúde como um quadro irreversível, como algo gradual pra volta à normalidade e ao fim da pandemia”, defende o pesquisador Marcelo Gomes. Ele diz que não há indícios de imunidade de rebanho em nenhum local do país e que a população brasileira ainda está suscetível ao vírus. Gomes lembra que as capitais com uma tendência de crescimento estão em uma situação muito diferente do pico que enfrentaram, mas naquele momento havia mais leitos adicionais e hospitais de campanha disponíveis. “É algo que deve ser reavaliado pelas autoridades locais. Observar como está a oferta e o que é importante para preparar a infraestrutura”, afirma.
Isso porque não está descartada a possibilidade de uma segunda onda ― o termo não tem definição no vocabulário epidemiológico, mas significa um novo crescimento após um arrefecimento da pandemia. Vários países europeus que já haviam aparentemente conseguido reduzir o contágio agora vivenciam essa realidade.
O médico Marcio Sommer Bittencourt, do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiologia do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, afirma que há lugares do Brasil que mostram uma tendência de crescimento da pandemia, mas que os dados disponíveis neste momento são insuficientes para cravar que há risco de uma nova onda de infecção. Ele pondera que todos os dados usados para acompanhar o curso da pandemia têm alguma limitação ― desde atraso na notificação de hospitalização até subnotificação de casos e a baixa testagem.
“Testamos menos do que deveríamos, e várias cidades têm uma virada de curva, mas é um aumento gradual. Para a proporção da primeira grande onda, é menos descontrolada”, observa. Bittencourt acredita que o contágio está aumentando em razão das medidas de relaxamento das restrições que vêm sendo tomadas em todo o país, mas pondera que a população mantém cuidados como uso de máscara e distanciamento.
Do El País.
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