Elio Gaspari
Folha/O Globo
O Tribunal Superior Eleitoral revelou que nas próximas semanas julgará o processo de cassação da chapa de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão. Parece falta de assunto, mas é bom que se diga: trata-se de uma iniciativa retardatária e inoportuna, caso clássico de tapetão.
É retardatária porque não faz sentido cassar uma chapa três anos depois da campanha durante a qual teriam ocorrido flagrantes transgressões da lei.
MOROSIDADE – Tudo indica que as ilegalidades ocorreram, mas se o Judiciário levou três anos para decidir julgar o caso, deveria reconhecer que sua morosidade causou danos ao bem público semelhantes aos das malfeitorias cometidas.
Se o caso envolvesse uma autoridade conduzida a um cargo vitalício, tudo bem, mas cassar uma chapa a um ano do fim do mandato é uma excentricidade.
É inoportuna, porque o país ainda não se livrou da tensão institucional manipulada por Bolsonaro nos seus confrontos verbais com o Judiciário. Uma nova encrenca nesse quintal é coisa desnecessária.
UM TAPETÃO – É um caso de tapetão porque, anulando o resultado de um pleito mais de três anos depois de sua realização leva água para o moinho do condenado. É tudo o que precisa um governante ameaçado de perder a reeleição. Ele fica com o argumento de que foi eleito por 50 milhões de pessoas e cassado três anos depois pela maioria de um colegiado de sete sábios. Para Bolsonaro, esse seria um cenário de sonho.
A esta altura, Jair Bolsonaro pode ser afastado da Presidência pelo Congresso, por meio de um processo de impedimento. Se faltam apoios para isso, paciência. Resta a alternativa lisa e límpida da eleição do ano que vem.
O TSE já passou por experiência semelhante em 2017, quando julgou o processo de cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer. A senhora já havia sido deposta pelo Congresso, o vice ocupava-lhe a cadeira e o tribunal rejeitou o pedido. Viveu-se uma tensão desnecessária.
CEREJA DO BOLO – Todas as encrencas que Bolsonaro alimentou com o Judiciário partem da premissa de que ele tenta invadir as competências do Executivo. A cassação da chapa seria uma cereja para esse bolo.
Fica a pergunta do que seria possível fazer para desarmar a bomba relógio. Isso só os ministros do TSE poderão saber. No caso da cassação da chapa Dilma-Temer, seguiram um caminho que resultou na piada segundo a qual a dupla foi inocentada por excesso de provas.
Um dos pilares das denúncias contra Bolsonaro está na exposição do uso abundante de notícias falsas durante a campanha de 2018. Nesse sentido, agora o próprio TSE armou-se para impedir que essa praga contamine a eleição do ano que vem. Há três anos, as notícias falsas eram uma produção nacional. Pelo andar da carruagem, percebe-se que a receita promete ser repetida no ano que vem, com o agravante da internacionalização.
GURU DE TRUMP – Quando Steve Bannon, o guru de Donald Trump, disse que Lula “é o esquerdista mais perigoso do mundo” sinalizava o que pode vir por aí.
Em janeiro passado, o mesmo Bannon prometia “destruir a Presidência de Joe Biden no berço”. Referia-se à armação que resultou na invasão do Capitólio, no dia 6 de janeiro. Lá, essas coisas não mofam no Judiciário.
A turma que armou a insurreição está respondendo pelos seus crimes e muitos deles já admitiram suas culpas e apenas esperam as sentenças dos juízes.
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