Pedro do Coutto
Na excelente reportagem no O Globo desta segunda-feira, Julia Lindner revela o roteiro inicial dos trabalhos da CPI para investigar os erros e as omissões do governo no combate à pandemia, e que deverá começar tomando os depoimentos do ex-ministro Henrique Mandetta, que já assinalou os problemas criados pelo presidente Bolsonaro à sua atuação no Ministério da Saúde, o ex-ministro Eduardo Pazuello, apontado como responsável maior pelo desencadeamento da pandemia, e o ministro Paulo Guedes para fornecer dados concretos sobre a aplicação de verbas nas aquisições de cloroquina e nas despesas do auxílio emergencial, além do general Edson Pujol por suas declarações enfáticas a favor da democracia e da liberdade, e contra qualquer iniciativa que se choque com a Constituição e com as leis dos país.
Há vários outros na lista dos depoimentos. É o caso do ex-secretário de Comunicação da Presidência da República, Fabio Wajngarten, o almirante Flávio Rocha e o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal. O presidente da CPI, senador Omar Aziz, confirmou que vai indicar Renan Calheiros para ser relator dos trabalhos e encarregado das conclusões finais. Omar Aziz diz que não aceitará qualquer proposta de acordo com o Planalto no sentido de blindar o Executivo em relação às convocações programadas.
CONFISSÃO – A colocação está correta, pois blindar representa uma confissão por ação tácita, como consagra a ciência do Direito, sobretudo porque aqueles que não têm nada a temer, não vão recorrer à obstrução dos depoimentos, tampouco dos processos e julgamentos. Quem tenta bloquear acusações sobre si, ao invés de respondê-las concretamente, reconhece que não consegue suportar a verdade.
A CPI deve se instalar provavelmente até o fim da semana, embora haja um feriado na quarta-feira. Mas o universo político brasileiro estará ligado na quinta e na sexta-feira com o desenrolar da Conferência do Clima, convocada pelo presidente americano Joe Biden e que representa um ponto bastante sensível relativo ao presidente Jair Bolsonaro e ao seu governo.
O alvo principal da preocupação que está evidente refere-se ao desempenho negativo do ministro Ricardo Salles na defesa do Meio Ambiente e no combate ao desmatamento e às queimadas das florestas brasileiras. Por isso, deputados e senadores devem permanecer em Brasília acompanhando os acontecimentos e os seus reflexos no quadro político brasileiro.
BLINDAGEM – Catarina Rochamonte, em artigo publicado na Folha de São Paulo de ontem, aborda a composição da CPI e acentua que o senador Ciro Nogueira deverá ser encarregado pelo Planalto para blindar o presidente da República e o governo dos episódios que vão se suceder em decorrência dos trabalhos de investigação.
Como disse, blindagem não adianta nada. A CPI terá grande repercussão pública, consequência natural de sua importância, e deve constituir uma oportunidade para o governo de expor o seu posicionamento em relação às questões que serão objeto das colocações e debates.
Com base na minha experiência de mais de 60 anos como jornalista político, posso afirmar que é impossível bloquear os trabalhos de uma CPI. Simplesmente porque os depoimentos e as discussões vão repercutir intensamente nos jornais e emissoras de televisão.
ALTA DO DÓLAR – Adriana Fernandes, o Estado de São Paulo de ontem, aponta que o governo e as empresas industriais têm se mostrado preocupados com as subidas no dólar em relação ao real. O preço do dólar acima dos R$ 5 causa reflexos na produção industrial.
A respeito do assunto, pessoalmente me surpreendo com a preocupação do governo, sobretudo a do ministro Paulo Guedes e a sua equipe econômica. Técnicos da pasta acham que o câmbio justo deveria estar em R $4,60 por dólar.
Mas a minha surpresa não vem daí. Recuo no tempo e recordo que quando o dólar passou dos R$ 5 , Guedes ironizou o episódio e disse que a tal oscilação não preocupava uma vez que o câmbio é flutuante, num dia R$ 4 e no outro R$ 5. Disse que não era importante, mas agora se vê que a sua declaração foi uma farsa.
EXEMPLOS MÁGICOS – A subida do dólar mesmo flutuando causa efeitos concretos. O titular da Economia mais uma vez assinala as suas posições que visam exemplos mágicos que são os antônimos da lógica.
O ministro Paulo Guedes, pelo que os sintomas indicam, encontra-se com problemas de permanecer ou não no governo. Problema entre ele e a sua equipe, pois o ministro acumula atividades e problemas que aguardam soluções. Aliás, existe um movimento no Centrão no sentido de que Bolsonaro finalmente tome iniciativa de desdobrar a pasta da Economia.
FÓRUM – Reportagem de Adriana Ferraz e Paula Reverbel, no Estadão, assinala que presidenciáveis como Ciro Gomes, Eduardo Leite, Fernando Haddad, João Doria e Luciano Huck participaram de um fórum em São Paulo, promovido pela Universidade de Harvard, o MIT e o Estado de São Paulo sobre como os pré-candidatos interpretam a atuação do governo Jair Bolsonaro, objeto inclusive de restrições por parte de todos eles.
O ex-prefeito Fernando Haddad também se juntou aos críticos, mas não assinou o documento final porque achou que diante da candidatura de Lula, não poderia se considerar como um candidato à Presidência. O fórum teve a coordenação da excelente jornalista e comentarista Eliane Cantanhêde, colunista do Estadão, e comentarista da GloboNews.
João Dória já deu sinais que não será candidato pelo PSDB, preferindo à reeleição ao governo de São Paulo, pois considera que, com a presença de Lula no páreo, não sobrará espaço para ele. Esta opinião, entretanto, não coincide com a totalidade dos tucanos, havendo um movimento para substituir João Doria pelo senador Tasso Jereissati.
DEFINIÇÃO – Luciano Huck também se mostrou contrário à atuação de Bolsonaro, no entanto permanece sem partido e sua pré-candidatura, creio, dependerá do quadro que se definirá só no primeiro semestre de 2022. Até lá, ele deve seguir como apresentador da TV Globo nas tardes de sábado.
Huck, quando da sucessão de 2018, foi considerado apto para um voo ao Planalto por ninguém menos que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
CHOQUE ENTRE LULA E BIAL – Em artigo na Folha de São Paulo publicado na edição de 19 de abril, Bial revelou ter ficado sentido com a atitude do ex-presidente Lula de, ao ser convidado a participar de seu programa na TV Globo, dizer que só aceitaria se fosse ao vivo, demonstrando desconfiar da edição final de sua entrevista. Bial magoou-se. Tem razão. Por que desconfiar da edição? Pedro Bial lembra que em entrevistas anteriores com Lula sempre pautou sua conduta de forma respeitosa em relação às palavras do líder do PT.
Talvez, Lula tenha se lembrado do episódio da sucessão de 1989 quando Alberico Souza Cruz editou o debate entre ele, Lula, e Collor, unindo os trechos mais infelizes de Lula e os melhores de Collor, deixando em posição incômoda Armando Nogueira, então diretor de jornalismo da Globo.
PROCONSULT – Em matéria de debates, lembro de um outro caso que colocou frente a frente Leonel Brizola e Armando Nogueira. Foi nas eleições de 1982 para o governo do estado do Rio de Janeiro. Naquela eleição, verificou-se o escândalo da Proconsult, uma tentativa de fraude para impossibilitar a vitória de Brizola de modo a favorecer Moreira Franco A fraude consistia em um sistema informatizado de apuração dos votos, feito pela empresa Proconsult, associada a antigos colaboradores do regime militar.
Eu estava trabalhando no Jornal do Brasil e o editor chefe era Paulo Henrique Amorim e o subeditor Ronald de Carvalho. O JB havia montado com a minha participação um esquema de apuração paralela que não priorizava nenhuma área eleitoral. Assim, Brizola vencia disparado nos subúrbios do Rio e na Baixada Fluminense.
DIVERGÊNCIAS – O abismo entre um levantamento e outro transformou-se em um escândalo. Armando Nogueira então convidou Brizola para ser entrevistado por ele à noite pela TV Globo. Temendo uma edição, Brizola condicionou a entrevista para que fosse ao vivo e não editada em capítulos, decorrência natural de publicidades comerciais.
Armando Nogueira aceitou. E na entrevista ficou sem argumentos, pois Brizola simplesmente indagou porque o jornalismo da emissora baseava as suas informações nas áreas em que predominavam Moreira Franco e colocava em segundo plano os votos das áreas em que Brizola liderava amplamente. Nogueira ficou sem uma resposta plausível. A entrevista ocorreu em uma quinta-feira. A apuração continuava, de acordo com o JB, Brizola na frente, como todos sabem como que acabou acontecendo.
De sábado para a edição de domingo, escrevi uma matéria, manchete principal do Jornal do Brasil, dizendo o seguinte: “Leonel Brizola consolida a vitória: vence por 124 mil votos”. Mas, no caso de Pedro Bial, Lula não tem razão, inclusive porque em primeiro lugar entra na discussão a honestidade absoluta de Pedro Bial e da Globo de hoje. Em segundo lugar, favorito à sucessão de 2022, se houvesse qualquer manobra sobre a edição, o provável candidato do PT encontraria campo ilimitado para reagir a uma atitude que ele temia que ocorresse.
QUEDA DO CONSUMO – Eduardo Affonso em artigo ontem no O Globo, aborda questões relativas ao quadro social do país sustentando com razão consequências dramáticas da carência que envolvem a população brasileira, começando pela fome, percorrendo o desemprego e o congelamento salarial, e terminando na inevitável queda do consumo.
Nessa queda de consumo, encontra-se a alimentação. Eduardo Affonso colocou como título “somos todos assassinos” e diz ter se inspirado em um livro de Sebastião Nunes, que, segundo ele, encontra-se auto exilado em Lisboa. Acrescento um detalhe: não discuto que o título seja de Sebastião Nunes, mas digo que esse é o título literal em francês e português de um filme do diretor André Cayatte no início dos anos 50.
Cayatte combateu frontalmente a pena de morte adotada em vários países do mundo. Portanto fica aí uma informação para o articulista Eduardo Affonso.
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